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Owen Pallett
Teatro Maria Matos, Lisboa
10/03/2010


Aqueles que já foram bem sucedidos ao salvar o burgo de um demónio, numa cruzada em 8-bits, sabem da necessidade de repetir e sincronizar acções, dialogar com aldeões sábios e ser valente na hora certa. Owen Pallett também. Depois de ter abandonado o nome de Final Fantasy, de modo a não ser confundido com o jogo homónimo, Owen estaria porventura mais afastado da imagem do compositor que tem na Nintendo a sua maior musa, mas não nos enganemos quanto ao fundamento desta música: isto é pop cerimoniosa para jogos de role play vividos por gente real, música propícia a ocupar o limiar no qual o arqueiro não deixou de ser a pessoa e a pessoa não deixou de ser o arqueiro. É precisamente nesse terreno fronteiriço que Owen Pallett prefere demonstrar que sentir implica também jogar.

Assim, um Teatro Maria Matos completamente esgotado rende-se aos contos que Owen Pallett faz passar pelo violino, como se o instrumento partilhasse do poder da flauta de Hamelin. E não é sequer necessário grande aparato para que Owen e o companheiro Thomas Gill (fabuloso primeiro-imediato na percussão e suporte melódico) reproduzam em palco uma equilibradíssima miscelânea dos três álbuns existentes. Pois bem, o que funciona maravilhosamente em disco não tem como esmorecer em tempo real, tal é o engenho e fluência com que o canadiano empilha, num pedal de loops, porções de violino até ficar de pé o castelo pop, que serve de casa a temas como “Many lives -> 49 MP” e “Keep The Dog Quiet” (especialmente intensos no Maria Matos).

Owen Pallett dispõe de canções à prova de balas de canhão e grande parte dessas marcaram presença na primeira das duas noites na sala lisboeta (do novo Heartland salientam-se aquelas em que o personagem Lewis toma medidas). Pouco ou nada impede a magia de cumprir o seu efeito. Quando ainda numa fase de aquecimento chega a altura de “This Lamb Sells Condos” dar voz a um coro de crianças, o auxiliar Thomas Gill passa a ser o mais enternecedor dos cromos ao assumir sozinho as despesas de um colectivo. Ficamos com a ideia de que ele, tal como Owen Pallett, dividiram grande parte da vida entre a música e uma consola Nintendo. Eu, que vivo frustrado por nunca ter reencontrado a princesa que abala logo no início de Ghosts n’ Goblins, senti-a mais perto nessa noite.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
12/03/2010