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Amélia Muge
Teatro Aveirense, Aveiro
21/06/2009


A sala não estava cheia – não estava sequer perto disso - mas se o mundo fosse justo teria esgotado dois meses antes. Mas e daí a história está cheia de injustiças. Amélia Muge tem 202 canções inscritas na Sociedade Portuguesa de Autores (SPA) mas até podia não ter nenhuma – pouco importa – e isso não diminuiria a sua importância para a música portuguesa. Mais do que registadas na SPA, as suas canções estão gravadas na memória, nos seus discos, na sua voz e nas de quem foi abençoado pela escrita de Amélia Muge e pela sorte de poder dar voz às suas criações. O maravilhoso Não sou daqui é o primeiro disco de uma trilogia anunciada e isso só nos pode deixar a salivar intensamente.

Amélia Muge é uma artista em pleno; sem as partes más, sem os tiques, sem a pose. Há apenas música, canções e histórias. Uma narrativa que parece contínua. A passagem por Não sou daqui abriu verdadeiramente a noite. As canções surgem com novos arranjos: no palco há “apenas” uma violoncelista - Catarina Anacleto – e um pianista - Filipe Raposo. Depois há José Martins, marido de Amélia Muge, que, fora de cena, foi dando corpo a algumas canções com sons pré-gravados. Todos trabalham para mostrar Amélia Muge, a compositora, que até tem uma das vozes maiores da música portuguesa.

Amélia Muge, compositora, quis pegar em canções – a medo, confessou – que foram escritas para outras vozes. Confessou que canções que deixou sair pela porta fora não eram totalmente bem-vindas mas mesmo assim aventurou-se – e tão bem – em canções que um dia escreveu para Camané, Ana Moura, Mafalda Arnauth e Mísia, entre outros. Passou por elas sem reclamar para si o título de compositora a toda a hora, como se não tivessem sido escritas por si. Sempre com mestria. As palavras na voz de Amélia Muge recebem tratamento especial. Não é só som. A voz amplifica-lhe o sorriso, a ternura. E é impossível não nos revermos nela.

Ela que nasceu em Moçambique não deixou de cantar “Ai Flores”. Não hesitou em cantar sobre folares de Páscoa, avós e gatos. Coisas pequenas, coisas grandes. Em “O que vê o meu olhar” convocou todos os presentes – inclusive aqueles que tinham estado no dia anterior com Amélia Muge num encontro (esta não gosta de masterclasses ou workshops) – para um refrão que deixou magias no ar: “No alto daquele mar / está um pombinha branca / não é pomba não é nada / é o mar que se alevanta”. E isto foi apenas parte pequena – mas significante – do que é ter Amélia Muge em cima de um palco e a sua voz a espalhar-se por um teatro noite dentro.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
23/06/2009