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Festival OFFF Oeiras’09
Oeiras
7-9/05/2009


Como mote escolhido para o OFFF de 2009, Fail Gracefully / Falha graciosamente oferece margem de manobra ao festival catalão ocorrido pela segunda vez em Portugal. Quando nem tudo corre bem, o slogan relativiza o erro e favorece o valor da tentativa. Assim é o OFFF: uma enorme feira de ideias para todo o tipo de criadores, que dedicam muito mais tempo ao computador do que ao descanso. Estamos juntos. Durante três dias, a dinâmica ibérica sente-se num OFFF mais maduro (face ao do ano passado) feito essencialmente de conferências com alguns dos melhores designers actuais.

Textos Nuno Catarino, Nuno Leal e Miguel Arsénio
Fotografias Margarida Pinto e Nuno Leal



No amplo espaço da Fundição de Oeiras, o festival itinerante voltou a ser um dos poucos lugares no mundo em que uma plateia de 3000 pessoas aplaude fervorosamente determinado tipo de letra exibido nos ecrãs (como a Juve Leo aplaude um Liedson que resolve). Em paralelo, há quem venda versões actualizadas do boneco malandro das Caldas, jovens que promovem um aparelho artesanal, que canta com cada actualização do Twitter, e há também Imperial a dois euros (com uma banca a oferecer amostras de vinho mesmo ao lado). E muita música, claro, ou não estivesse o Bodyspace por perto (em grande quando a duração atinge a marca 1:21) para dar conta de como se comportou a equipa da Raster-Noton e os dois convidados especiais, Fennesz e Vladislav Delay tcp Uusitalo. MA

Nibo

Encarregado de pôr a carroça do barulho a rolar, o japonês Nibo era identificável pelo penteado de quem podia tocar numa banda de tributo aos Stooges. Escondido atrás da barricada de aparelhos e colunas, Nibo é demasiado igual à Raster-Noton de há vários anos atrás: subgraves ilegalmente ofensivos e glitch puro entrelaçam-se ainda à procura de refinar uma linguagem que se destacou precisamente por causa desses traços. Faltou-lhe a frescura e meios certos para quebrar a apatia. Miguel Arsénio

Frank Bretschneider

A mesma distância não se pode apontar a Frank Bretschneider, um dos pesos pesados da Raster-Noton, que, no OFFF, esteve ainda às voltas com a generosidade e despudor do auto-explicativo Rhythm (ponto alto pessoal avançado em 2007). Bretschneider desfaz o gelo formado por Nibo e expõe a convenção Raster-Noton a uma fantástica abertura lúdica - põe o corpo a mexer a mando da percepção, que vai filtrando os micro-ritmos lançados em catadupa. Sem ser esse o caso, podia ali estar um produtor de topo de hip-hop norte-americano obrigado a trabalhar para os serviços de inteligência de um dos países frios da Europa. MA



Atom ™

Faz todo o sentido encontrar Uwe Schmidt entre os nomes representados no OFFF. Também ele falhou com graça, em circunstâncias diversas de uma extensa carreira voluntariamente sabotada pelo humor e pelo kitsch. Já foi Señor Coconut (hiperactivo da electrónica exilado na música latina), Atom Heart e também parte dos Flanger (entrevistado pelo Nuno Catarino nessa mesma temporada). Agora é Atom ™, o casmurro Renascentista, que fez do último Liedgut uma máquina do tempo que transporta produção de ponta até ao espírito artístico da primeira metade dos anos 80. Em Oeiras, Uwe Schmidt vestiu o fato de mestre-de-cerimónias numa mistura ilustrada, que decorreu em tempo-real na Loopita. Do lado esquerdo, o rosto icónico do alemão era montado (e depois desmontado) com vários caracteres; do lado direito, podíamos ver que velocidades eram inseridas no delay utilizado e outras coordenadas. Houve imagens de sexo oral altamente distorcidas (parecia-me a Sylvia Saint) e as inevitáveis vozes sintetizadas a relembrar os Kraftwerk. De resto, posso adiantar que o meu telemóvel avariou, Sr. Schmidt. Já não me engana com essa da interferência. MA



Fennesz

A frenética visual de Atom acabou às 8 e 15 e foi exactamente nessa hora que o aparentemente tranquilo Fennesz vai para o palco montar a sua parafernália musical. Coisa pouca, sobretudo uma guitarra e um laptop. Mas neste capítulo, poderá ter ganho o prémio Offf para “suspense mais prolongado”. Mais de um quarto de hora a montar isto e aquilo, verificar isto e aquilo, tudo com uma cara de tranquilo frete que mesmo assim ainda não fazia adivinhar o que veio a seguir.
E o que veio a seguir foi o genial austríaco a despachar ondas de noise shoegazer como é de seu timbre em algumas canções mas somente isso. Com uma projecção mini-minimal por cima. Um círculo a preto-e-branco que se movia a caminho do invisibilidade no escuro. A par dessa quase escuridão, a luz vinha do fundo de Black Sea . Dez minutos de drone com “Glider”, pelo meio uma paragem nuns acordes que relembram a intro de “Vacuum”, depois mais drone até ao infinito finito. Sim porque mais 5 minutos acabou. Em pleno “Saffron Revolution”. A audiência, que se havia trocado aos poucos pelos que tinham visto Atom e os que vieram ver Fennesz, bateu palmas rendida, surpreendida e ávida de mais, claro. Pouco simpático e sem esboçar um mínimo sorriso, eis que volta o artista e com o mesmo ar de frete de antes envia-nos um telegrama cósmico da cidade das gôndulas. O fabuloso “Circassian” do seu penúltimo Venice . Uns últimos minutos rumo novamente ao infinito, finito pois claro, pois não houve mais. Dia 8 haverá mais. Dia 7 acabou com o concerto mais curtinho do Offf, o génio que soube a pouco, o “noise master” que não teve pachorra para tocar nada do Endless summer . Contudo, para quem anda esfomeado por música que nos leve ao infinito, estas migalhas cósmicas souberam mesmo assim, bem. Nuno LealO segundo dia de OFFF surpreende-nos, logo pela manhã, com um vídeo dos Devo portugueses à solta pelo Rio Alva, ou, se preferirmos, dez minutos de Jackass estilizado. Os bloopers finais revelam Paulo Segadães, baterista dos Vicious Five, a soprar ao balão sob suspeita de ter cuidado da imagem do tal vídeo. Mal sabem os polícias do passado musical do rapaz… O vilão Joaquim Albergaria, também dos Vicious Five, contribuiu também como copywriter. Sounds like talent. Logo de seguida, Aaron Koblin, rapaz capaz de quebrar uns quantos corações entre as designers, deu conta do processo que conduziu ao fabuloso teledisco “House of Cards”, dos Radiohead. O rosto de Thom Yorke - em relevo - fica bem melhor nos ecrãs gigantes do que preso num recipiente cheio de água. MA



Senking

Foi só depois de cerca de meia hora de espera que o programa musical do segundo dia do festival se iniciou, com Jens Massel. Sob o pseudónimo de Senking, o alemão começou no espaço Loopita o seu processo de condução de batidas de estrutura estável. Antes disso o Miguel Arsénio tinha demonstrado toda a sua categoria enquanto profissional do Pro Evolution Soccer, com uma vitória impecável ao leme do FC Barcelona, ao mesmo tempo que seduzia as meninas da banca CLIX ali ao lado, demonstrando mais dinâmica, envolvimento e brilhantismo que a actuação do alemão. A previsibilidade da tapeçaria rítmica, mecânica, acabaria já para o final por soar pastosa, dada a sua pouca inventividade. Como ponto positivo, Senking teve uma certa vertente hipnótica, mas que se poderia confundir com sonolência. Nuno Catarino



Pixel

Já a actuação seguinte, da responsabilidade de Pixel, apresentou-se como das melhores performances do dia. Tendo começado por fazer uma abordagem textural, expondo individualmente os elementos numa exploração minuciosa, quase científica, Pixel foi depois trabalhando-os numa evolução progressiva, que foi ganhando evidentes contornos rítmicos. Esta actuação altamente dinâmica teve eco visual numa espécie de sismógrafo que, através da projecção vídeo num ecrã gigante, fazia o registo visual da evolução sonora. Tendo começado de forma abstracta, a actuação desenvolveu-se criativamente de forma quase mutante e explodiu para um final altamente dançante. Como única nota negativa poderá ser apontada a curta duração, já que se poderia ter prolongado um pouco mais, especialmente nessa vibrante parte final. NC



Kangding Ray

Um dos vários Raster-Noton presentes no evento, o interessante Kangding Ray assumiu os comandos depois das 19. Como ainda por cima se apresentou sem banda (que o acompanha em alguns eventos), surpreendeu muitos dos presentes no público com algumas músicas em que canta, num misto de electro –pop de câmara computorizada, relembrando Gary Numan numa versão sonolenta. Sem animação nos projectores que distraísse muito, o som seguiu durante largos minutos muito calminho, chato até. Mas aos poucos, o “clicks and cuts” da música finalmente tomou conta e o ambiental transforma-se num techno “Kompakt-Mille Plateaux friendly” que acordou as hostes que aproveitavam para a soneca inter-conferências. Começou interessante, ficou chato mas depois acabou ainda mais interessante. Música todavia longe do fulgor criativo de alguns dos seus companheiros de label. Mas essa é outra história. NL



COH

Para entender o que trouxe COH (Ivan Pavlov) até ao OFFF, é necessário reconhecer a voz que segredava e gritava entre blocos e labirintos industriais controlados pelo cientista russo. Revisitemos então o perfil da senhora Cosey Fanni Tutti: figura de culto da pornografia britânica vintage (a casualidade de Sexangle torna-o imperdível), modelo de álbuns fotográficos dedicados ao nu macabro, operadora de linhas quentes em part-time (chegou a ser paga para silenciar o telefone entre o calor das suas pernas). Ultimamente toca no circo do horror dos Throbbing Gristle. Sem ter estado fisicamente presente, Cosey Fanni Tutti oferece pedaços vitais de intimidade, prazer e cólera, que são depois aplicados como peças-chave no puzzle electrónico de COH, numa espécie de COH Plays Cosey em versão remisturada 5.1.. MA



Vladislav Delay tcp Uusitalo

Anunciar a presença do prodigioso produtor Sasu Ripatti como Vladislav Delay aka Uusitalo deixa expectante quem sabe da variedade estética comportada por ambos os pseudónimos. O finlandês (tcp Luomo) consegue superar o nosso Gabriel Abrantes em termos de prolificidade e é raro o semestre que não carimba o seu nome num disco (Symptoms, a novidade mais pop com AGF, estala por aí agora). Serve isto para explicar que o conteúdo da actuação seria uma incógnita até que a hora chegasse. Fossem todas as incógnitas assim, pois o que Ripatti conseguiu foi um épico de mobilidade entre o analógico e o digital - dádiva grande como o rio que passa por debaixo da ponte que une Vladislav Delay e Uusitalo, conforme os conhecemos aos representativos Entain (aurora experimental) e Vapaa Muurari Live, respectivamente. Enquanto os olhos foram preenchidos por uma paisagem abstracta e assimétrica (na sua essência, parecida com esta), o Solskjær da noite sustentou uma longa trip, que nunca chegou a ser extremamente intricada ou presa aos ritmos mais básicos e dançáveis. Ficou-se pelo mais proveitoso intermédio. Ou seja, o Moby está realmente acabado. MAAlém de ser o mais carismático artista presente, o homem-estrilho Joshua Davis é um misto de guru do falhanço e estrela rock: encaixa dois fucks em cada cinco palavras, exibe uma nódoa negra arrecadada na noite anterior e arranca aplausos de contestação, quando mete o dedo na ferida ao referir as deficiências acústicas do gigantesco Hangar K7. Nada que tivesse impedido Si Scott de partir a loiça toda numa apresentação que envolveu putas e cisnes desenhados à mão, burros parecidos com zebras e, entre outros, uma campanha visual encomendada por Madonna (exibida antecipadamente e sem a autorização da própria). O homem é a personificação da atitude fuck all britânica. Maior que ambos só mesmo o avant-autarca Isaltino Morais (ele mesmo, o verdadeiro indie), que não deixou de comparecer para apreciar a organização e os sons calmíssimos da sala Chillax (seja lá onde isso for…). MA



Pomassl

Depois da semi-desilusão austríaca de dia 7 a.k.a Fennesz (é o que faz ter muitas expectativas) eis uma óptima surpresa e sobretudo confirmação austríaca – Pomassl.
Com pontualidade germânica, às 17h em ponto, começa este mestre de sons e de sonzinhos. Em pano de fundo, uma enorme projecção de linhas paralelas desenhadas a lápis que não param nem um segundo, sempre a seguir um possível encontro até ao infinito, num preto-e-branco que reagia à escuridão da música. Por momentos, revive-se Kluster e momentos proto-industriais que se sucedem por entre túneis electro-acústicos. Parmegiani, Luc Ferrari, Bayle soberbamente revisitados. E neste bailado de psique e neurónios, lugar para 15 minutos finais de “Algava Alaganik”, tema de dark ambiental na onda de Zoviet France e sobretudo a espaços, muito new age cogumélico de Steve Roach e Robert Rich. Tema brilhante com daquelas notas de sintetizador frias, que voam e pairam, pairam até ao cosm...offf!... Sim, porque aos 45 minutos Pomassl pára por um pouquinho, deixando uma batida em banho-maria e a organização aproveita, liga as luzes e pronto. Pomassl ainda fica ali e tal mais uns minutos mas nada feito, acabou, venha outro. NL

SND

A isto acrescente-se um enorme bocejo, e fica explicado o que os SND andaram a fazer por Oeiras. É realmente doloroso sobreviver a trinta minutos preenchidos pelos ritmos redundantes de Atavism. Tudo isto sem tirar nem pôr. Dois tipos encontram-se praticamente estáticos diante de dois Mac (o orgulho da Apple que está por toda a parte no festival). Ainda aquecem a temperatura bem perto do fim, com uma dureza de velha escola, mas não deixam de ser a pior prestação que a sala Loopita conheceu. Era mais divertido se tivessem capacetes de robot na cabeça. MA



Alva Noto

Cabeça de série da Raster-Noton, o alemão trouxe pouco depois das 19h, a correspondência esperada por muitas expectativas. Com o Loopita à pinha, todos poderam assistir a um soberbo show de cymatics, com uma coerência visual de luz, cor e música que poucos se podem orgulhar de alcançar. O começo algo retro-kraftwerkiano foi o mote para a posterior sucessão de nuvens de ruído dominadas a seu belo prazer, dando a alturas para matar saudades de coisas boas da Chain Reaction como Porter Ricks que igualmente dominava estas camadas de alfinetes que chovem no cérebro. Neste caminho a grande ritmo, seguindo as linhas de luzes à velocidade da luz que tomavam conta da projecção, Alva Noto introduz-nos com muita classe dentro de uma Xerox, que conta números em francês. Tudo temas de Xerrox vol. 2 que se industrializam até um acordar de coma que se prolonga após a sala inteira começar a bater palmas. Alva Noto sai mas sorridente e agradecido logo volta para um encore. A audiência é dele e então “toma lá mais uma electro-estáticas geniais” que souberam a regresso ao futuro. Brilhante. NL



Byetone

Tal como Bretschneider, Byetone é um dos produtores mais empenhados em atrair a atitude de chulo triunfante até ao cerne cerebral da Raster-Noton (ficando, uma vez mais, comprovado que o alastramento do hip-hop ainda não parou). Em conformidade, Deathofatypographer, a afirmação de Byetone, foi um dos discos que, no ano passado, mais fez por estabelecer o contacto entre a electrónica inteligente da Europa e o “sangue-novo” de produtores como N.O. Joe ou o duo The Fliptones (que fazem arder os clubs nos Estados Unidos). A partir daí, não há como falhar, quando a contagem começa no grande ecrã (um beat por segundo) e entram em cena “malhas” como “Black is Black” ou “Plastic Star” (rendidas nas suas versões mais extensas e ostensivas). Obrigado à ingrata tarefa de suceder a Alva Noto (que arrasou), Byetone provou estar à altura da ocasião e de um lugar de destaque entre os talentos a vigiar no catálogo da Raster-Noton. MA

Signal

Olha que três. Frank Bretschneider, Carsten Nicolai a.k.a Alva Noto e Olaf Bender a.k.a Byetone, juntos como Signal. O apogeu da classe, o “crème de la crème” da Raster-Noton a divertirem-se connosco a entrar no jogo. O frenético Byetone no meio, sempre a oscilar o corpo entre dois andróides de um planeta de absurdos onde não há surdos. Porque seria impossível não ouvir a esquizofrenia repetitiva deste trio germânico que elevou para nota máxima a sequência de 3 dias de Loopita. Aliás, nave Loopita, que enfim levantou voo a sério (antes tinha havido momentos) com esta tripulação de reputação merecida. No fim, numa sala com muitos poufs e sonolências, havia bastante gente a dançar. Missão cumprida, auf wiedersehen un viel, viel, viel danke. NL