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The Vicious Five + Ex-Models
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
21/05/2005


A extensão da linha azul do Metro de Lisboa até à Galeria Zé dos Bois (sita no Bairro Alto) poderia servir como excelente promessa eleitoral para as próximas autárquicas. Passem por lá os Excelentíssimos perfilados ao Município de Lisboa e decerto que ficarão a par da esperança e alegria com que a turba acorre àquele que já é ponto de passagem obrigatório no roteiro musical alfacinha. O melhor de tudo é saber que ninguém dorme ao relento para garantir entrada na Galeria.

O concerto dos Vicious Five foi generoso no que deu a escutar de Up on the Walls - o álbum a sair em breve pela Loop. Eles já nos tinham precavido: ”Só será revolução se envolver diversão” (tradução livre de “It’s only revolution if you’re having fun”). A agenda futura passará pela propaganda do slogan através de um ligeiro acréscimo melódico servido com a mesma pujança electrizante. Lobotomia operada pela melodia. Amadurecer sem abdicar de personalidade. Arriscar o retro sem correr o risco de soar a nostálgico. Afinal, contra-cultura também é ir contra o que jaz fundamentado e aceite. Os miúdos que se aguentem à bomboca.

Mesmo a actuar sobre um palco que treme como placas tectónicas, o quinteto lisboeta releva-se firme e convicto dos novos cânticos eléctricos que fazem desfilar em parada. A entrada é feita sob toada heróica e fica no ar a suspeição de que "Your Mouth is a Guillotine" pode bem vir a ser o primeiro cartão de visita para o álbum que se avizinha. Os dados estavam lançados e os Vicious Five apostam sempre em números impares. Sai o sete nos quadrados de marfim com “Suicide Club” – precedida de paleio “yogueiro” (como lhe chamou o vocalista Quim) sobre a fragilidade da vida e executada com o mesmo imediatismo e impacto a três tempos do primeiro EP. O onze chega com a novidade orelhuda “Stereo” que serve bem à diversidade do set e às aptidões malabaristas do registo vocal de Quim.

As guitarras ensaiam vertigens, a secção rítmica locomove a máquina de forma imparável, Quim – lavado em suor à terceira música – empolga os ânimos na posição do frontman insaciável e evidencia empenho absoluto (transpondo até as limitações de um microfone teimoso). O entrosamento é uma arma e os Vicious Five reafirmaram assim a condição de incendiários da cena lisboeta. Fica o gosto a aperitivo envenenado e o coração rubro-negro a acusar os primeiros sinais de dependência face ao que lá vem.

Os Liars são uns meninos. Os Ex-Models são apenas dois (a título excepcional) e fazem dez vezes mais barulho. Além disso, o ruído é bem mais credível que as bruxas. Os Ex-Models fazem parte do numeroso contingente freak nova-iorquino e praticam um pós-punk lacrimogéneo ideal para dispersar multidões. Compõem instintivamente bandas-sonoras para versões pornográficas dos mais violentos espécimes da filmografia de Abel Ferrara (Ms.45 e Driller Killer, por exemplo). Alguns viram-lhes as costas após escassos minutos, há quem não arrede pé por curiosidade e alguns rendem-se convertidos. Passa por aí a eficácia da inesquecível prestação que deram a conhecer a uma Zé dos Bois com pouco mais de uma centena de espectadores.

Houve tempo para o novo Chrome Panthers e para um par de passagens por Zoo Psychology. Os Ex-Models parecem não temer o absurdo e prolongam os seus riffs animalescos ao ponto do transe esquecer onde começaram ou onde irão terminar. Com a atitude estupidamente contagiosa dos Devo, o dueto colhe amostras de urina à no wave dos DNA, reduz o stoner a um caco para o tornar numa experiência susceptível de provocar danos irreversíveis e consegue – mesmo que limitado pela escassez de recursos – proporcionar clímaxes traumáticos. Quem assistia da parte de fora da sala (para quem não sabe, a Zé dos Bois separa a banda dos transeuntes por uma vidraça), ficava com a ideia de que os Ex-Models tinham acabado de fugir de um hospício. O palco passava a ser um aquário de piranhas esquizofrénicas ou a Casa Amarela de João César Monteiro.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
21/05/2005