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Mogwai / Errors
Aula Magna, Lisboa
05/02/2009


À medida que os Mogwai se aproximam dos 15 anos de carreira, torna-se pertinente falar em old school / velha escola como forma de descrever o porto genuíno de onde partiu a banda escocesa e aonde regressa agora para recarregar alguma da “garra” e capacidade de reinventar que transbordavam no quase intocável debute Young Team. Falar em old school, no caso dos Mogwai, passa também por relembrar que a palavra young unia em díptico os dois discos iniciais, Young Team e Come On Die Young, que, por si só, ditavam que o estabelecimento prodigioso de um novo pós-rock podia ser manobrado por um grupo de rapazes evidentemente bairrista na sua fixação pelo Celtic de Glasgow (em detrimento dos rivais Rangers). Para mais apurada noção do que pode ser o pós-rock bairrista, imagine-se o “Macaco” dos Super-Dragões ao leme de um Spiderland ou dos Goodspeed You Black Emperor!. De resto, os restantes sinónimos deste old school residem no humor enigmático dos títulos e nas fotos promocionais envolvidas num espírito de tudo bons rapazes. Encontram-se sobretudo compreendidos numa “Christmas Steps”, que rematava a avalanche nostálgica de Come On Die Young em jeito de a vida em 10 minutos e meio, enquanto colocava um ponto final no primeiro ciclo dos Mogwai.

A bandeira que anuncia os Mogwai na Aula Magna (a melhor sala para o efeito) é dominada por um falcão, que, na capa do mais recente disco, é símbolo provável de um determinado orgulho (quase patriótico) na estética desenvolvida e ultimamente estabelecida. Mediante a leitura irónica ou não do título The Hawk is Howling, a ave pode uivar como um animal que anuncia a quebra de rotinas ou os Mogwai actuais decidiram realmente ser uma banda nada preocupada em combater a estagnação da sua fórmula com malabarismos e surpresas. Diante de uma sala praticamente cheia, o colosso Mogwai prova, mesmo assim, por que razão o seu nome é tantas vezes aplicado como adjectivo: permanece de facto ilesa a força que torna mais esmagadora e infecciosa a cooperação instrumental que produz as apoteoses de “I Love You, I’m Going to Blow Up Your School” e “Scotland’s Shame” (tcp “Glasgow Rangers”), ambas do último disco. Independentemente da calvice, Stuart Braithwaithe ainda é a figura estranhamente carismática que se contorce sobre a guitarra na hora de pisar o pedal e nas incursões mais introspectivas em que se lança como solista pontual. A noite, apesar de semear os previsíveis contrastes entre calmaria e ruína provocada por ruído, avança como uma linha estável num gráfico anímico.

Mais do que seria desejado, os Mogwai soam demasiado a Mogwai: adiante, “Thank You Space Expert” quase parece reproduzir as notas do piano de “Auto Rock” num andamento mais vagaroso, acabando por frisar a ideia de que o falcão Mogwai voa em círculos sobre o seu próprio passado, descendo ocasionalmente a pique para rapinar uma ou outra ponta solta. Num concerto que nunca pareceu encaminhado no sentido do inesquecível, algumas das passagens pelo último The Hawk is Howling foram aborrecidas e até redundantes. A salvação da noite obrigava a um clássico. Entra então em cena “Like Herod”, música do “cagaço” e expoente máximo de todas as imprevisíveis qualidades old school, que, em conspiração com um espectacular jogo de luzes, agarra a Aula Magna pelos colarinhos, abrindo caminho para que aquela guitarra fulminante volte a ser o punhal que rasga parte incerta do peito. Sem intervalo que permitisse recuperar fôlego, a “metalizada” “Batcat” amplia a revolta stoner de um baixo demasiadas vezes soterrado pelas duas ou três guitarras. Ainda haveria tempo para “The Precipice” e “2 Rights Make 1 Wrong” no muito solicitado encore, mas foi o combinado “Like Herod” / “Batcat” que desviou a noite de um embaraço ameno. Os Mogwai dificilmente (re)conquistarão quem até aqui lhes passou ao lado (ou lhes virou as costas), embora pareçam bem capazes de defender o terreno que lhes é merecido. Como um bom falcão no seu habitat.

Ainda à procura de uma identidade própria, os Errors cumpriram uma primeira parte minimamente convincente, entre a fartazana nerd (sintetizadores e o caralho) dos Hot Chip e o prog lúdico dos Battles. Pontos extra para o empenho do baterista da banda apadrinhada pelos Mogwai, que os editam na Rock Action. Alguma frustração, instaurada pelos restantes nomes na Rock Action, obriga contudo à seguinte questão: onde param os Part Chimp?

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
07/02/2009