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Christian Marclay "Screen Play"
Fundação Serralves, Porto
26/09/2008


Em teoria a tarefa era fácil, mas na prática nem por isso. Três grupos tinham como missão musicar o vídeo de Christian Marclay que é partitura visual onde músicos podem improvisar. O repto era o de interpretação das pistas que as imagens transmitiam e de facto havia muito por onde absorver inspiração. As imagens iam-se sobrepondo. Em preto e branco. Essencialmente de pessoas e de caras, de expressões, de pânico por vezes. Cenas de filmes ou de situações do dia-a-dia comum. Quase todas em décadas distantes. Muitas invadidas por linhas e bolas de cores intensas: amarelas, verdes, vermelhas, laranjas. Um fio condutor muito próprio e aberto a muitas interpretações. Era aí que residia a beleza do acontecimento que teve a sua estreia em 2005 em Nova Iorque.

O primeiro grupo, constituído por Nuno Rebelo na guitarra, Marco Franco na bateria, João Paulo Feliciano no órgão e Rafael Toral na electrónica, foi o mais responsivo de todos os grupos. Retirou todas as pistas que podia retirar, manteve-se junto ao argumento. Experimentou as várias músicas que as cenas poderiam sugerir, respondeu intensamente ao movimento e às emoções, correspondeu inteiramente às texturas que se iam construindo no ecrã e permitiu um acompanhamento muito próximo ao “texto” do filme. João Paulo Feliciano, nos teclados, marcou especialmente bem os momentos do filme.

O segundo grupo, com Steve Beresford na electrónica, Mark Sanders na percussão e Alan Tomlinson nos trombones alto e tenor, optou pela interpretação mais livre de todas. Foi o menos responsivo de todos e nivelou as tensões geradas pelas diferentes cenas do filme. Por vezes responderam de forma mais intensa às movimentações do filme mas libertaram-se do texto sempre que possível e tiveram menos sucesso na interpretação, apesar da excelente prestação de Alan Tomlinson nos trombones.

A fechar, o terceiro grupo, com João Martins nos saxofones e instrumentos electro-acústicos caseiros, Gustavo Costa na percussão e electrónica e Jonathan Saldanha na electrónica ficaram precisamente no meio. Aproveitaram alguma liberdade proporcionada por Screen Play e responderam-lhe umas 50% das vezes, aproveitando o restante tempo para interpretar a acção vinda do ecrã de uma forma muito peculiar. Foi também durante a actuação do trio portuense que se assistiu a algumas das mais intensas descargas sonoras. Cumpriram de forma muito positiva o propósito que todos subscreveram: perceber até que ponto uma mesma sequência de imagens pode provocar estímulos musicais tão distintos em grupos distintos de indivíduos. Uma noite no mínimo interessante.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
01/10/2008