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The Raveonettes
Theatro Circo, Braga
19/02/2008


Nos dias que correm, a imagem de marca não tem como objectivo final a venda de discos e captação de receita. Serve, contudo, o objectivo último da venda de bilhetes para concertos de forma a compensar os reveses de uma indústria discográfica constantemente fustigada pelas ilegalidades na aquisição de música. Os The Raveonettes estão certamente cientes das vantagens existentes em fazer passar uma imagem atractiva que canalize atenções para a sua música. Sharin Foo, um dos dois pilares da banda (o outro é Sune Rose Wagner) chegou mesmo a comentar em entrevista que havia quem conhecesse os Raveonettes pelo aspecto, mas ignorasse o seu conteúdo musical. É o efeito perverso dessa manobra. Foo e Wagner formam uma dupla bem ao estilo de formações como os The Kills, os White Stripes, ou, indo mais longe, os Arcade Fire e os Yeah Yeah Yeahs, que impõem uma imagem homem-mulher, com boa dose de sensualidade subjacente. E, sem esconder, no caso destes Raveonettes, influências de outros projectos musicais, como se fará saber mais adiante. No Theatro Circo, com mais ou menos discos vendidos em Portugal, a banda logrou tocar para uma plateia próxima dos ¾ da ocupação, o que não deixa de constituir uma boa marca para o duo dinamarquês.

Foi pouco depois das 22h que os dois protagonistas fizeram a sua entrada em palco, acompanhados por um músico de suporte encarregue da percussão. O set inicia-se e algumas mudanças, face ao habitual na banda, começam a ser desvendadas. Logo nos apercebemos de que o baixo, geralmente da competência de Sharin Foo, foi preterido por uma segunda guitarra, facto que se estendeu à totalidade do concerto, com o baixo a surgir unicamente por recurso a pré-gravações. Prejuízo para a actuação? Nem por isso. Houve, no entanto, uma mudança na banda (ou adaptação) que teve de se realizar de forma forçada. Os fãs mais atentos já sabiam que, desde o concerto de Madrid, dias antes, Sune Rose padecia de problemas de voz, impeditivos de realizar a parelha habitual com Foo nas vocalizações. O que estava reservado para Braga seria exactamente o mesmo que havia sucedido em Espanha: Foo tomaria conta, em absoluto, da parte vocal. E aqui, seria o prejuízo assinalável? Nada disso. A contrariedade saldou-se numa surpresa positiva ao revelar a competência de Foo aliada à sua presença forte, mas elegante e ao mais puro estilo poseur. O contratempo sofrido pelo seu parceiro cobria-a de protagonismo e não trazia problema que se visse.

De certo modo, a fragilidade que mais facilmente se consegue apontar à banda que recentemente editou Lust Lust Lust é a forma mal disfarçada com que evocam as suas influências. Em Braga, a sua performance poderia resumir-se nos seguintes termos: ruído e Jesus & Mary Chain. Até no recurso a duas guitarras sem baixo, com exploração de ruído, se verifica a colagem à banda responsável por Psychocandy. Apesar de não haver propriamente nenhuma lufada de ar fresco, pelo que acabou de ser referido, não deixa de se verificar uma competente reinterpretação do shoegaze/rockabilly. O alinhamento foi percorrendo os quatro registos da banda, detendo-se previsivelmente no último disco, editado em finais do ano passado. “Dead Sound” e “You Want the Candy” seriam paragens obrigatórias do mesmo. A banda optaria ainda por tocar uma cover to tema “French Disko” da autoria dos Stereolab. Esta noite, foi possível assistir-se a algo certamente raro no Theatro Circo: algum público abandonou as cadeiras do teatro e foi assistir de pé, junto ao palco, às distorções e ao ritmo frenético de duas guitarras em constante aceleração. E o abanar de ancas foi uma realidade possível por uma noite, naquele teatro.


Não há como contrariar a essência vivamente rock n’roll de um espectáculo dado por estes senhores. Os amantes dessa carga mais visceral não se terão sentido defraudados. Nos The Raveonettes tornou-se regra as composições não andarem longe dos três minutos de duração, facto que pode de certo modo ter beneficiado a sua prestação ao vivo. Por outro lado, talvez a curta duração das faixas tenha sido uma das razões pelas quais o concerto se desenrolou e terminou num ápice. Nem hora e meia volvida, e terminava a actuação em Braga. No fim, Sharin Foo deixava no ar a hipótese do regresso da banda a Portugal, por altura dos festivais de Verão. Até lá, o concerto de Braga ficará, por certo, na mente de muitos. E os Reid, os irmãos desavindos dos Mary Chain, teriam certamente aprovado a “usurpação” do seu legado se tivessem marcado presença.

Eugénia Azevedo
eugeniaazevedo@bodyspace.net
19/02/2008