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Psychic Ills / CAVEIRA
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
27/09/2007


Em jeito de dose dupla a marcar a entrada não-oficial na nova temporada de concertos, eis que a bolsa de valores se agitou numa noite em que subiram ao palco do cada vez mais arejado aquário da Zé dos Bois os CAVEIRA e o trio Psychic Ills.

Depois do esgotamento emocional que tinha sido a prestação especial na noite dos 13 nomes unidos em ceia na Avenida da Liberdade, os CAVEIRA concluem a adaptação ao formato duo e rendem - quase na totalidade – aquela dinâmica de difícil antecipação que faz dos seus concertos um Joker extraído a um baralho de rock remexido em tômbola, em que as partes mais carnais se revelam ao serem friccionadas com suor. E, em três movimentos diferentes, os CAVEIRA suam rios onde se podem banhar os que se entregam. Houve jangada de padrões rítmicos em mar tempestuoso, alguma dolência blues na mais rigorosa guitarra de Pedro Gomes, gamelan para curar feridas (?!), stoner rasteirinho durante um momento que parecia uma balada de deserto, compensação mútua, um ou outro rastilho que ficou por acender – ou seja, tudo aquilo que se podia ou não esperar da banda de tributo disfucional ao primeiro disco de Dire Straits. Houve essencialmente consolidação de sobra para esta e futuras ocasiões em que venha a ser celebrado o desparafusar violento da Pandora CAVEIRA.

De Pandora via Brooklyn trouxeram também novidades uns Psychic Ills a que se pode até saudar a iniciativa de estabelecerem, ao vivo, ruptura com o que lhes conhecemos aos discos, embora sem, com isso, deixarem de instalar dúvidas em relação a se essa opção lhes garante os melhores resultados. Não se espera que a banda do muito digno Dins reproduza na exactidão o guião do shoegaze de soluções excepcionais que lhes tem abrilhantado o nome, mas algo falha quando esmorecem em catadupa os clicks sensoriais que não perseguem a alienação sonora cultivada pelos Ills através de repetições crescentemente perturbadas por intervenção de um sampler, um teclado Korg e aparelhos de efeitos vários. Tanto mais assim acontece quando as deambulações por esses terrenos mais livres soam derivativas e insuficientes na criatividade aplicada. Além disso, maior é também o contraste entre a aplicação vaga e a mais concreta das energias psíquicas, quando se escuta uma fabulosa rendição de “January Rain”. Embora um novo disco possa eventualmente clarificar o sentido que toma a actualidade dos Psychic Ills, é difícil perceber se foi um desaire ou um clímax por acontecer a noite que os trouxe a Lisboa.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
27/09/2007