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Beastie Boys
Aula Magna, Lisboa
11/06/2007


A alongada estadia que cumprem os Beastie Boys numa posição vanguardista da pop está directamente relacionada com a imprevisibilidade e lógica que revelam cada um dos seus passos (de risco quase sempre elevado, para quem intenciona vender tantas cópias dos seus discos quanto possível). É uma aptidão que se encontra na genética do trio ou que porventura foi adquirida durante o convívio com Madonna quando esta os convidou para se juntar a ela na digressão de Like a Virgin (em que os integrantes eram tudo menos virgens). Surpreende, pois, que os Beastie Boys anunciem, em paralelo aos concertos mais generalistas da sua digressão, algumas datas dedicadas a concertos de gala incidentes na vertente instrumental. Após saber da boa nova, o raciocínio estabelecia quase de imediato que as tais noites comemorativas se baseassem naquilo que tem por revelar o totalmente instrumental disco próximo, The Mix-Up, e aquilo que já havia sido compilado em The In Sound From Way Out!, que aliava peças de Check Your Head e Ill Communication que melhor resultavam sem as rimas de MCA, Mike D e Ad-Rock. Após um concerto dimensionado à escala de um grande festival, o Oeiras Alive, os Beastie Boys tinham passagem marcada para a Aula Magna onde supostamente se apresentariam ao vivo em regime exclusivamente instrumental.

Porém, os admiradores incondicionais sabem também como podem ser generosos os Beastie Boys se o momento se proporcionar a isso (repare-se na variedade de escolhas improváveis que integram a antologia dupla The Sounds of Science). No caso do concerto da Aula Magna, a lógica, enquanto improvável aliada da imprevisibilidade, verifica-se na opção instrumental apenas como mote e não como restrição absoluta, como indício do recuo até aos tempos em que a inspiração transbordava às jams de Check Your Head, o disco que levou os três pupilos de Rick Rubin a trocarem os microfones por outros utensílios musicais de maior envergadura. O tal formato de que se falava para a noite de 11 de Junho é apenas uma forma indirecta de anunciar que os Beastie Boys estão de regresso a um período de experimentação que dir-se-ia mais pós-punk (daí os fatos completos usados em palco). E não será o aparelho laboratorial da capa de The Mix-Up um engenho para produzir elixir da juventude? A mesma juventude que foi refinada e catalizada para um Check Your Head que surgiu ao longo da noite tantas vezes quanto a perfeição estipula: em “Gratitude”, numa “The Maestro” que é trunfo irrepreensível, em “So What’cha Want”, com aquele riff letal encarregue aos dedos de Money Mark. Os Beastie Boys convidam-nos a assistir a um ensaio bem delineado, mas isso não obriga a manterem-se calados durante toda a duração do mesmo. A base instrumental passou a ser apenas a base a partir da qual puderam florescer todas as outras facetas (e o MCing robótico que Mike D confere a “Remote Control” apanhou desprevenidos grande parte dos presentes).

Dada a amplitude de catálogo coberta em ambas, torna-se quase impossível evitar comparações entre as noites presenciadas no Oeiras Alive e na Cidade Universitária de Lisboa. Para que não se sintam defraudados os que lá estiveram na primeira chamada, frise-se que foi muito mais regular e incisivo o hip-hop em formato clássico presenteado nessa. Por sua vez, foram infinitamente mais conseguidos os momentos instrumentais da noite da Aula Magna (a fragrância dubby da novidade “Suco de Tangerina” vai conquistando o ouvido), que a seu favor teve também todos os factores desejados para a tornar inesquecível: a inquebrável harmonia obtida pela troca mútua de boas vibrações, um hilariante tour de force humorístico a cabo do porta-voz Adam Horovitz (King Ad-Rock) e o requinte que oferece a qualquer banda o percussionista David Thomas (que teve direito a “solar” no diamante de coolness que é “Lighten Up”) e o teclista Money Mark, herdeiro directo da alma de Jimmy Cliff (injustamente pouco honrado aquando do seu falecimento em 2005) que teve direito ao seu próprio momento em “Mark on the Bus”.

O pregão e iniciativa da noite coube contudo a uma gloriosa moça que, em vez de recorrer aos assobios fáceis (e algo chantagistas), provocou Mix Master Mike com um espontâneo Mix Master Mike whatcha gotta say? que rasgou a sala académica, atraindo a atenção de Ad-Rock e colocando em sentido o DJ do outro mundo que é o quarto Beastie Boy em Hello Nasty e To the 5 Boroughs. Passou pela tal moça o colossal final alinhado em modo de tiro e queda, com a essência de “Three MC's and One DJ” a ser sucedida pelo assalto planeado pela intensidade primordial da percussão que torna verdadeiramente avassaladora “Sabotage” .

O que era para ser um espectáculo exclusivamente instrumental, acabou por se tornar num luxuoso evento que podia bem merecer o título de An Evening with Beastie Boys All-Stars. Foi essencialmente a razão de muita euforia e sorrisos póstumos ao concerto e um dos grandes concertos na vida de pelo menos um dos presentes.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
11/06/2007