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Serralves em Festa
Fundação de Serralves, Porto
02-03/06/2007


Entramos em Junho e eis que chegava finalmente a louvável iniciativa Serralves em Festa. Louvável talvez seja dizer pouco. O certame organizado pela Fundação de Serralves e oferecida ao público a preço zero tornou-se na melhor festa cultural do país. Além de música, Serralves oferecia teatro, circo, cinema, performance e dança, instalações, fotografia, oficinas, entre outras coisas. Algo como 40 horas nonstop de cultura e entretenimento. Obrigava obviamente a andar de programa na mão, na procura do melhor roteiro. Não existe melhor cultura do que a cultura de tomar opções. Este que assina tomou as suas.

Dia 2

O sol convidava a uma visita ao Prado para iniciar uma viagem musical – enquanto se escutavam os Tocá Rufar algures nos jardins. Parece cada vez mais óbvio que há qualquer coisa que combina bem quando o jazz e a relva se encontram, e esse foi o cenário que recebeu o Willem Breuker Kollektief que não teve muitas hipóteses de brilhar quando o som pouco contribuiu para isso. O jazz que deixa entrar tantos outros tipos de música não teve espaço para se afirmar e, logo, não chegou para espicaçar o público que ia enchendo o recinto. Já no court de ténis algo de muito interessante preparava-se para começar: são galegos e chamam-se Marisco Fresco. Tal como o nome indica, estes anónimos espanhóis trazem à terra os sons do mar. Fazem-no utilizando uma bateria (e uma chapa, entre outras coisas) e uma sanfona capaz que libertar mil sons – a maioria deles belíssimos. Foi da mistura entre a percussão (mais ou menos directa) e das imensas potencialidades da sanfona que belíssimas paisagens foram sendo construídas. Tudo corria “normalmente” até que de repente Cavaco Silva se aproximou do palco e todos desviaram os olhares do palco por uns momentos. Mas todos voltaram a por os olhos nos Marisco Fresco – até porque foram uma das agradáveis surpresas do dia.

Depois da hora do jantar (um conceito relativo) era Fabienne Audéoud quem subia ao palco localizado no campo de ténis para dar mostras de um misto de funk e hip-hop que resulta aparentemente de influencias de nomes tão distintos como os de Missy Elliott, Laurie Anderson, Philip Glass, Diamanda Galas, lLd Zeppelin, Ali Farka Toure, Public Enemy, Timbaland, Prince ou Nina Simone. A sua voz não é totalmente humana e a música que a acompanha tão pouco. A sua companhia foi a de Don Ahmed B no baixo e na guitarra e Jay na mistura de sons. A francesa vinha ao Porto apresentar o seu disco, intitulado Read My lips, mas trouxe também consigo parte fundamental da sua personalidade e arte: a performance. Feitas as contas, a mistura da sensualidade musical e performativa teve bons momentos.

De volta ao Prado, o excêntrico Filastine soltava electrónica com máquinas apoiadas em dois carros de compras azuis e em percussão electrónica (entre outros elementos). Ele que é um activista (é membro de vários grupos com faces politicas e já actuou na Faixa de Gaza e na prisão de Guantánamo), mostrou serviço ao disparar electrónica de semblante dançável mas destrutiva e corrosiva. Filastine não o fez de forma gratuita – e teve muito sucesso com isso. Ao longo de cerca de uma hora arremessou algumas das teias sonoras mais perigosas de Serralves em Festa.

Os 7 Magníficos actuaram depois do já habitual fogo de artificio com o tal conceito do número 7. Sete DJs em palco, manejando apenas 7’’, em rotação constante de donos dos pratos. Começaram com funk e soul e depois passaram para o rock já perto do fim, animando a noite e cumprindo com os requisitos. Fechava a noite o relativamente famoso DJ Diplo, provavelmente o maior responsável pela crescente presença do baile funk brasileiro em todo o mundo. Não começou a actuação a tirar retratos à musicalidade das favelas do Rio de Janeiro mas sim com electrónica incaracterística e algo inesperada. Só passado algum tempo entrou de cabeça no funk favela para alegria de muitos - por essas alturas já o anfiteatro natural do Prado estava perto da enchente. DJ Diplo não cumpriu as expectativas mas teve alguns bons momentos. O suficiente para aguentar o povo até altas horas da madrugada.

Dia 3

Novo dia, novo programa. Já da parte da tarde estava prevista a actuação do duo Ela-não-é-francesa-ele-não-é-espanhol, mas a actuação acabou por ser adiada para uma hora depois. Tempo para ver Jonh Butcher a criar uma curta paisagem de jazz improvisado na biblioteca com o seu saxofone – ele que tinha a cargo pequenas actuações em vários locais da Fundação durante o domingo. Foi então junto à Casa de Serralves que o duo Ela-não-é-francesa-ele-não-é-espanhol, formado por Inês Jacques & Eduardo Raon, que se conheceram durante a composição de Reconciliation”, álbum de 2004 dos Hipnótica. Partem do jazz construído essencialmente por uma harpa (mas também uma domra, espécie de guitarra de três cordas) e por uma voz e chegam muitas vezes até versões de canções curiosas – como “If you think i'm sexy”, de Rod Stewart. Na maioria das vezes o duo Ela-não-é-francesa-ele-não-é-espanhol conseguiu criar canções interessantes numa actuação que pede disco de estreia para confirmar expectativas.

Na hora do jantar apresentava-se no palco do ténis um dos projectos mais esperados de todo o evento: Panda Bear, o homem dos Animal Collective que conseguiu com Person Pitch uma grande atenção no ano que corre. As suas explorações com forte sentido pop fundem as vozes de Brian Wilson e dos Beach Boys com batidas electrónicas e alguma world music (sobretudo nas vozes femininas). As explorações vão-se sucedendo e Noah Lennox vai-lhes emprestando a sua voz – com eficácia quando baste. As mudanças entre temas são um pouco estranhas mas o miolo da coisa funciona bem. Como é óbvio não falharam temas-maravilha como “Comfy in nautica”, com um pé na África, ou a ultra sonhadora “Bros”. Apesar da actuação na totalidade não ter estado à altura daquilo que se espera de alguém como Noah Lennox, estes dois temas foram momentos muito acima da média.

Até ao final do Serralves em Festa, a Fundação recebeu perto de 79 mil pessoas. Ao todo foram perto de 900 as pessoas envolvidas na organização do certame. Serralves em Festa contou com cerca de 500 artistas, com 210 apresentações, com 72 propostas. Números impressionante que, tanto quanto se sabe, colocam Serralves em Festa como a maior celebração cultural da Europa a acontecer num museu. Algo que serve de consolo para os 365 dias que faltam para que se celebre a próxima edição do acontecimento.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
02/06/2007