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Camané e a Orquestra Sinfónica Portuguesa
São Luiz, Lisboa
03/05/2007


Há concertos sobre os quais custa não dizer bem. Outras Canções II tinha aparentemente tudo para ser bom: um combo de jazz com alguns dos melhores músicos nacionais, a Orquestra Sinfónica Portuguesa, residente no São Carlos, arranjos de Bernardo Sassetti, Mário Laginha, Filipe Melo e Pedro Moreira, músicas que são alguns clássicos de sempre e, sobre quem girava tudo à volta, o consensualíssimo Camané. O número de gente conhecida à porta do São Luiz não deixava margem para dúvidas: Camané é uma estrela. Não é difícil imaginá-lo a cantar em territórios alheios ao fado, não sendo por acaso que o maior hit da história recente da música pop portuguesa tem na sua voz um grande peso. Difícil é não sentir admiração por aquele porte de fadista de mão esquerda no bolso, gestos e silhueta tímidos, a cantar fado como ninguém consegue tão bem e, mais que isso, como ninguém provavelmente alguma vez conseguiu.

Trata-se do segundo acto desta série, com um primeiro concerto que decorreu no mesmo São Luiz, embora nos mais pequenos Jardins de Inverno, ambos fecundados pela co-vontade de Jorge Salavisa e Camané em levar a palco canções extra-fado, as de agora mais ambiciosas que as primeiras. Onde em 2004 havia Sérgio Godinho, agora há Jacques Brel, onde havia Xutos e Pontapés, há Beatles.

Foram ao todo 24 temas, onde se incluem alguns instrumentais em formato combo – piano, guitarra, contrabaixo, bateria, trombone, flauta, clarinete e trompete. "Looking Back" e "Consolation", de Félix Mendelssohn e "Bess, You is My Woman", de George Gershwin, todos com orquestração de Pedro Moreira, foram um interessante interregno na parte vocal. Mas que falhou, então, no resto do concerto? Em alguns momentos, diga-se, quase nada. “O Vendaval”, cantando originalmente por Tony de Matos, arrancou um valente «Ah, Fadista!»; “Reflexão Total” com letra do alter ego mais famoso de Rómulo de Carvalho, António Gedeão, e música de Pedro Moreira, é um belíssimo tema que assenta perfeitamente na voz de Camané; “Margarida”, escrita pelo «engenheiro naval» Álvaro de Campos com música de Mário Laginha foi talvez o momento mais sublime de todo o concerto, merecendo por si só e sozinha uma gravação e edição condigna.

É no resto, pois, que está o problema. E o resto é quase tudo. Não se trata de não dominar o sotaque brasileiro de "Anos Dourados", de Tom Jobim e Chico Buarque, ou o francês de “Ne Me Quitte Pas”, de Jacques Brel, ou o inglês de “My Funny Valentine”, dos Divine Comedy, que por acaso não domina. Trata-se de a voz de Camané se transfigurar e perder a força que a caracteriza quando não canta em português, ao soar a crooner de hotel em regime de part time. Não é dizer mal porque sim, é ter uma dor no coração.

Tiago Gonçalves
tgoncalves@bodyspace.net
03/05/2007