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Fu Manchu / Valient Thorr / Dapunksportif
Paradise Garage, Lisboa
26/04/2007


Para bem, refira-se que pouco mudou nos Fu Manchu entre os 7 anos que separaram os dois concertos de plena entrega que ofereceram ao Paradise Garage: Scott Hill e restantes companheiros de estrada continuam a abusar do rock mais pesadão da década de 70 – reinventado pelo power chord de Iommi - com o gozo de quem o faz como desporto radical, a aproveitar as pistas que oferecem os filmes de culto exibidos pela TV por cabo americana, a trajar os mesmos pólos com listas ao nível do peito sem que tais sirvam como adereços para cativar poseurs carentes. Com uma preserverança que não deve ser confundida com imunidade face à indiferença, os Fu Manchu continuam a ser aquela banda que precisa apenas de ter um álbum novo como pretexto para voltar ao seu habitat mais rentável – o palco onde acabam por fazer todo o sentido. Aquele que muitas vezes não chega a despertar em escutas caseiras, porque, sejamos francos, desde California Crossing que aquele rock sobre rodas não apresenta frescura que o torne pertinente.

Alguma redundância, no que diz respeito aos últimos discos, só obriga os Fu Manchu a render o dobro quando sob o calor dos holofotes. E reaproveite-se a franqueza que restou da consideração anterior para salientar os Fu Manchu como uma das mais calibradas e electrizantes bandas no activo – sim, porque quando toca a gladiar riffs como se a integridade do asfalto californiano dependesse disso, não existirão duplas muito mais entrosadas na sua capacidade de rasgar tímpano como Scott Hill e Bob Balch. O primeiro serra as seis cordas com o vigor que o leva a aparentar ter apenas metade da idade real, o segundo faz com que, durante grande parte do concerto, as suas mãos sejam os membros corporais que domam um touro enraivecido em forma de guitarra. À esquerda, quase como que uma torre, lá estava um Brad Davis que tem groove na ponta dos dedos como um Tocha Humana tem chama num momento de eminente perigo (ou com o Dr. Destino por perto).

É precisamente o baixista Brad Davis que torna mais arrastada e destrutiva a caminhada de “Grendel, Snowman”, que arranha o épico no atrito entre guitarras e revisita o ponto alto The Action is Go que rendeu também a tripartida “Saturn III” - com direito a mergulho psicadélico – e uma toda-poderosa “Evil Eye” que, afinal, tornou os Fu Manchu numa exportação bem cotada na Europa e que alcança sempre níveis de euforia impróprios para quem trabalha na sexta-feira seguinte. Houve tempo para uma muito solicitada glória old-school chamada “Super Bird”, “King of the Road” acelerada ao ponto de ameaçar os pescoços impelidos ao headbanging do crescendo, a cereja mutante no topo do bolo sob a forma de uma “Godzilla” que solta riffs com a mesma brutalidade da cauda do bicho apontada a derrubar prédios por inteiro. O calcanhar de Fu Manchu acabou por manifestar a sua mais indesejável fragilidade nos momentos extraídos ao mais recente We Must Obey:além da coolness do título, ”Sensei vs. Sensei” vagueia por uns meandros climáticos que não são realmente o forte dos Fu Manchu, a homónima “We Must Obey” vacila demasiado no seu refrão militar manco do suporte que devia conferir riff memorável. Pouco importa ainda assim, quando os Fu Manchu já tinham ganho, em tempo quase recorde, a noite e arrecadado a dobradinha em termos de passagens inesquecíveis pelo Garage.

Antes de ter sido declarada a liberdade ao wah-wah, tiveram oportunidade de subir aos palco uns Valient Thorr que andavam há alguns dias por Lisboa (onde já tinham actuado) e que têm no seu front-man o principal atractivo – o homem esperneia, reclama por pândega, pede ao público para levantar os braços porque o guitarrista consegue ler as palmas das mãos, elabora introduções pacifistas que terminam invariavelmente na confissão de que a música que se segue respeita a todo o mundo e consegue um feito nunca visto (escrevam-me se estiver a mentir) no Paradise Garage – colocar todo o público sentado ou de cócoras sobre o chão em jeito de simular um colectivo nível anímico reduzido que só se inverte com a ajuda dos amigos e o sagrado rock n’ roll. Temos monstro carinhoso de palco, portanto. Coincidindo exactamente com o abrir das portas do Garage, o concerto dos Dapunksportif valeu pela variância alcançada no evitar de algumas fórmulas rock desgastadas, mas pecou talvez por alguma falta de caule quando comparado com os senhores da noite. Há, ainda assim, margem de progresso pele frente.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
26/04/2007