Não se trata de uma ocorrência comum, esta em que um músico alheio ao starsystem vê reconhecimento estampado em lugares cimeiros de tops de vendas e salas de concertos a rebentar pelas costuras. E não, não deixámos escapar o facto de Rodrigo Leão ter no curriculum o estatuto de membro fundador de influentes formações musicais portuguesas como o são os Sétima Legião e os Madredeus. É previsível que tal seja, por si só, garante de um respeito que envolva os portugueses, sobretudo quando se lhe é associada a nostalgia de recordar outros tempos. No entanto, sabemos que o trabalho de Rodrigo Leão a solo não é objecto do marketing pensado para outros artistas bem sucedidos do ponto de vista comercial, incluindo as bandas que integrou. E muita falta não lhe deve fazer essa promoção, a julgar pela massa humana que lotou o Theatro Circo, à semelhança do que tem acontecido noutras salas em que o músico se apresenta. As enchentes vão dando conta de que Rodrigo Leão, mesmo sem dar nas vistas, não passa despercebido a muita gente.
Em Braga, assistiu-se a mais um espectáculo previsto na digressão sustentada pelo lançamento da compilação O Mundo (1993-2006), que surgiu no ano passado como um resumo do percurso a solo do músico. A acompanhá-lo nesta actuação estiveram os músicos que integram o Cinema Ensemble, habitués na partilha de palcos com Leão e que o assessoram de forma irrepreensível. Assim, foi possível ouvir o violino de Viviena Toupikova, o violoncelo de Jorge Correira, a viola baixo de Luís Aires, mais a bateria de Luís San Payo e o acordeão de Celina da Piedade. Celina da Piedade é, de resto, presença conhecida para os que acompanham o percurso de Rodrigo Leão nos últimos anos, visto que a colaboração entre ambos vem existindo desde o ano 2000. Felizmente assim o é, tendo em conta a beleza dos pormenores que o seu acordeão produz e o seu encaixe nas composições do músico. Beleza igualmente assinalável é a que revela a voz de Ângela Silva, também ela parte integrante do ensemble e que se apresenta logo no arranque do concerto para interpretar “Carpe Diem” e “Ave Mundi”, dois temas retirados de Ave Mundi Luminar, o registo de 1993, que revela uma orientação lírica para uma música erudita, inclusivamente cantada em latim. Rodrigo Leão, claro está, vai conduzindo o espectáculo discretamente em torno dos teclados, que constituem o seu painel de controlo.
Para esta noite, o alinhamento escolhido contemplaria dois temas compostos originalmente para os Sétima Legião e Madredeus (respectivamente "Ascensão" e "Tardes de Bolonha"), que viriam a ser incluídos nos seus registos a solo. Numa das parcas ocasiões em que falou ao público, Rodrigo Leão fala do inédito que será interpretado de seguida. É ele “Café Velho”, um dos temas propositadamente compostos para a série televisiva “Portugal – Um Retrato Social” da autoria do sociólogo António Barreto, para a qual o músico compôs a banda sonora. Aproveita ainda para dedicar a interpretação do tema aos pais do violoncelista Jorge Correira. Quando, nos instantes seguintes se ouve cantar: O Céu está mais azul… eu sinto. / Fecho os olhos, mesmo assim… eu sinto., retirado de "Rosa", faixa pertencente a Cinema, o álbum de 2004, é Ana Vieira quem vislumbramos ao microfone. É a ela que cabe dar cor a interpretações antes engrandecidas por cantoras ilustres como Rosa Passos, Adriana Calcanhoto, Helena Noguerra ou Beth Gibbons. E, em espanhol, francês ou inglês, Ana Vieira demonstra estar à altura da incumbência. Igualmente à vontade na interpretação mostrou-se Celina da Piedade, que, para agrado do público presente, cantou “Pásion”. Todo o ensemble marcava pontos.
Aqui, Rodrigo Leão é estrela polar de uma constelação de luxo. Ao mesmo tempo que vai solidificando a reputação de compositor de referência, permite que os seus colaboradores brilhem à sua volta. No final, cumpriam o desejo de muitos no Theatro Circo, ao encerrarem com “Lonely Carousel” e “La Fête”. Celina da Piedade levanta-se para flanquear Ana Vieira, às quais se junta a violinista Viviena Toupikova. Estava feita a festa, ao cabo de uma hora e meia de concerto. Nessa noite, o céu pode ter estado menos azul, mas teve certamente mais estrelas.