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Borbetomagus
Fundação Serralves, Porto
15/03/2007


Não há como começar de outra forma: os Borbetomagus têm de ser uma das bandas mais extremas possíveis em concerto. Já lá vão 28 anos de música de uma instituição que, para não perder muito tempo, apelidamos de free jazz noise. Quase 30 anos de discos e de actuações ao vivo, de exploração de terrenos que, quando os Borbetomagus começaram, eram praticamente virgens. Consumidores ávidos de música e admiradores de Albert Ayler, os Borbetomagus abriram caminho próprio e hoje ainda cá estão. Jim Sauter (saxofone), Donald Dietrich (saxofone) e Donald Miller (guitarra) continuam a subir a palco tanto depois do início de tudo com a mesma liberdade de sempre; continuam a explorar a música improvisada com o risco e sem o medo de falhar.

Dito isto, um concerto de Borbetomagus é uma espécie de prova de resistência – um pouco como a experiência contada por muitos de ver Irréversible de Gaspar Noé no cinema: bastantes são aquelas que desistem logo após a primeira cena, bastantes são aqueles que fazem o mesmo nas cenas seguintes. Em palco existem imensos pedais que transformam o som produzido em palco numa espécie de massa sonora que é barreira intransponível que é agressão decibélica que é passagem demoníaca que são descargas violentas. Lá em baixo, no palco, tudo é bastante físico. Os saxofones digladiam-se e funcionam como dois tubos de ensaio que misturam substâncias para depois as expelirem ao dobro da velocidade.

Ao início Donald Dietrich toca com a guitarra deitada numa mesa e utiliza vários utensílios para retirar daí os mais distintos sons: um deles o sempre bem-vindo ebow. Os saxofones aproveitam por vezes as duas paisagens já criadas e injectam uma certa melodia negra e cerrada. Depois de uma longa peça, e quando já se começava a pensar que os Borbetomagus não davam minuto de descanso, surge uma pausa que dá em seguida espaço a explorações menos agressivas e mais discerníveis e reduzidas ao básico. Mas não por muito tempo. Os Borbetomagus devem ter apresentado umas cinco explorações, sempre com pendor ofensivo e nunca defensivo. Na maior parte do tempo com Donald Miller a explorar a sua guitarra de forma tradicional – ler “de pé”.

No final as coisas começaram a ficar realmente físicas – já a plateia se apresentava algo desfalcada. Choques intensos de saxofones (e utilização de utensílios bizarros que produziam sons distintos do habitual), gente deitada no palco, trocas constantes de posições e o reflexo daquilo que vai na cabeça dos Borbetomagus apesar da ideia – espírito livre. Adequação máxima do estado de espírito em palco em relação ao que os Borbetomagus criaram em palco. Uma das maiores descargas noise que este país já ouviu. Em estreia nacional.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
15/03/2007