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The Hospitals / Lobster
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
09/02/2007


A certa altura, Adam Stonehouse confessa o seu enorme repúdio pelo típico jock norte-americano – espécie universitária que ostenta o seu porte atlético em rituais de simplista angariação sexual normalmente identificáveis pelo curto número de frases inteligentes a separar o aperto de mão da real consumação. A bem da verdade, pode-se dizer que a aparência de Adam Stonehouse - principal bloco operativo dos Hospitals - não o demarca imediatamente do tradicional jock das comédias juvenis – cabelo e olhos claros, entre um e meio e dois palmos de cara, um casaco clássico da universidade UCLA trajado momentos antes do fogo ter sido ateado à ZDB.

Talvez seja essa aparência a exaltar em Adam Stonehouse uma rebeldia Jedi que dele faz um Mestre Vader pronto a extorquir anciões segredos a um protótipo de rock Detroit (que, domesticado, agradará aos tais jocks) e a expandir esses ensinamentos até um transcendental ponto de Eureka que, em três sílabas, mistura garage imerso em lixívia, cultura sónica apodrecida e o frenético e inexplicável ingrediente Load (label que apurou o uso a atribuir à disfuncionalidade Hospitals). Saudavelmente incomodado pela dificuldade em conjugar as duas funções assumidas em palco, Adam Stonehouse faz ribombar a bateria com braços de chumbo e berra abalado por delay, enquanto a armada sónica formada por três guitarristas (um em palco e dois no soalho) alterna entre sovar as cordas em espasmos epilépticos ou riffs mais atordoados por falta de oxigenação. Os Hospitals serão toxicodependentes de ruído a que o tédio MTV proporciona uma enorme vontade de fumar crack (ou o que mais se fume na actual São Francisco alienada de onde provêm).

No concerto de sexta-feira, os Hospitals eram obrigados a superar uma primeira passagem memorável pelo aquário da ZDB. As dúvidas dissipam-se quando, a certa altura de um set percorrido sem alinhamento pré-definido, soa o titânico e profundo riff de “Rich People” e um desmancho colectivo provoca uma aproximação perigosa entre a electricidade descontrolada dos guitarras e um mosh-pit como nunca se vira antes por ali. Bem perto do fim, a sempre reinventada “Problems” surge com dedicatória a um tal de Miguel que fica por identificar. A matilha liderada por Stonehouse (porque não powerhouse?) esforça-se por violentar ao ponto do apetecível absurdo as colisões nevrálgicas entre ruídos destilados, sendo que os mesmos estancam apenas com as sucessivas interrupções necessárias à negociação da próxima música a acrescentar à fogueira ardente. Ilimitadamente irritadiço e tinhoso, estúpido e contagioso, o poderosíssimo concerto de Hospitals reaviva paragens mais recônditas do imaginário infantil ao invocar o sadismo e morbidez puros que também constavam de certa canção entoada em coro em visitas de estudo:Senhor condutor, por favor, ponha o pé no acelerador. Se chocar, não faz mal, vamos todos para o hospital.. Ninguém o diria de forma mais exacta. Os putos têm sempre razão.

Antes de ter sido exibido o mais gore dos episódios de Serviço de Urgência, os Lobster voltaram a provar porque são os mais destemidos working class heros conhecidos ao eixo Lisboa-Barreiro – entraram em palco envergando máscaras (saudação especial para a do lendário lutador mexicano Santo) e confirmam os benefícios que garante a alta rodagem acumulada em palcos estrangeiros e sanitários universitários. Não foi necessário aos Lobster muito tempo para encontrarem o equilíbrio (quase) perfeito entre os seus próprios clássicos e novidades a ocupar o próximo disco na calha.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com
09/02/2007