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Damo Suzuki's Network
Teatro Passos Manuel, Porto.
08/04/2005


O bilhete que dava acesso ao concerto anunciava e bem: “Classificação: Maiores de 16 anos”. Modéstia à parte, a ver pela intensidade da última actuação de Damo Suzuki em Portugal em Junho de 2004, a noite de 8 de Abril de 2005 não era propriamente para meninos. Atractivo suplementar: a actuação servia também para registo e futuro lançamento de um disco ao vivo a ser editado em breve pela recentemente formada editora Soopa (o primeiríssimo lançamento, United Scum Soundclash, encontra-se já disponível). Embora dispense grandes apresentações, Damo Suzuki fez parte dos Can (de 1970 a 1974), a banda responsável por alguns dos lançamentos mais marcantes do kraut rock como Tago Mago, Ege Bamyasi ou Future Days. Nos tempos que correm, Damo Suzuki percorre o mundo com a sua Network, escolhendo aqui e ali os músicos que deseja que marquem presença nas suas actuações que chegam a durar cerca de quatro horas. Obviamente, pela duração obrigatória de um disco ao vivo, esta actuação ficou-se por cerca de uma hora e pouco, mas isso não é obrigatoriamente sinónimo de perca de intensidade ou exuberância. Além disso, quem alguma vez assistiu a uma actuação em que o colectivo portuense Soopa estivesse envolvido sabe muito bem aquilo que pode esperar.

Ao contrário daquilo que aconteceu no ano passado no espaço Maus Hábitos, altura em que o noise rock foi rei e senhor (e muito por culpa de Scott Nydegger e de Massimo Pupillo, o baixista dos italianos Zu), esta actuação de Damo Suzuki primou por uma liberdade de movimentos mais reduzida e por uma maior aproximação - ainda que só ao de leve - a estruturas mais comuns e corpóreas – menos experimentalismo, mais linhas controladas de acção. Desta vez, os “sound carriers” - como Damo Suzuki costuma referir - foram Miguel Cardoso (contrabaixo), Gustavo Costa (bateria), Jonathan Saldanha (electrónica, bateria, trompete, raita) e Filipe Silva (sintetizador, electrónica), ficando para Damo Suzuki, como é habitual, a função de vocalizar as construções que se vão erigindo. E os caminhos percorridos foram muitos e surpreendentes. Do jazz alinhavado pelo contrabaixo furtivo, por vários instrumentos de sopro e pela percussão espaçada à música electrónica de ambiências soturnas, passando pelo noise, pelo industrialismo de uns Einstürzende Neubauten e até pela estranha esfera musical sugerida por “Kommienezuspadt” - um tema de Tom Waits presente em Alice - que pareceu vir ao de cima num dos temas, especialmente no que diz respeito à voz de Damo Suzuki. Ecletismo quanto chegue, portanto.

Embora a percussão tenha parecido sempre ser a chave primária, a verdade é que também as linhas de contrabaixo abriram caminhos distintos, também a electrónica adequadíssima se mostrou capaz de transportar as composições criadas para patamares superiores de abstracção. A suposta pressão de iniciar e desenvolver uma actuação que - os músicos sabiam, o público também - estaria a ser gravada para mais tarde ser editada nunca pareceu ser factor inibidor de qualquer espécie. Antes, pareceu ampliar ainda mais a posição de Damo Suzuki que defende a “aniquilação” de instintos individualistas para sublinhar a força do colectivo enquanto gerador de uma partilha sonora expressa entre os músicos e, consequentemente, visível e audível aos olhos e ouvidos do público. Raramente se pode dizê-lo com tanta certeza e convicção, mas este é um daqueles concertos que vão ficar para a posteridade. Literalmente.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
08/04/2005