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Dooley Wilson / Soledad Brothers
Porto Rio, Porto
25/03/2005


Lá fora chove, e o vento começa a fazer das suas. As ondas que se vão formando fazem com que o barco, o barco Gandufe, abane a um ritmo mais ou menos constante. Na parte inferior desse mesmo barco, perto de uma centena de pessoas juntam-se para se celebrar um ritual, um ritual que se repete há longos anos: o do rock ‘n’ roll. Há gente vestida a preceito, a diferença de idades da plateia chega a atingir algumas dezenas de anos. Pelas escotilhas, confere-se o clima de pré-temporal e quase se cria a imagem de um barco em pleno alto mar - nestas coisas do rock, a imaginação empolada tem resultados deveras compensatórios.

Dooley Wilson © Ana Marques

Quando Dooley Wilson subiu ao palco, a imagem de blues man foi apenas ultrapassada pela sua própria música. Durante muito tempo, o seu local habitual de actuação era nem mais nem menos do que as ruas de New Orleans – e talvez ainda o possam encontrar por lá, algures em qualquer esquina, a manter vivo o Delta Blues, segurando a sua guitarra e um bolso cheio de sonhos (em inglês soa sempre tão melhor). Agora, a fazer algumas das primeiras partes dos Soledad Brothers, Dooley Wilson tem cada vez mais presente o seu objectivo. Tendo o Mississippi como cenário mais do que provável e imaginário, as suas canções foram-se sucedendo e com elas vieram as visões quase palpáveis do desejo, de mulheres e de um destino que lhe foi atribuído quase sem escolha possível – o Blues man acaba quase sempre por ser uma “omissão” em vez de uma escolha, como se fosse impossível fugir aos seus ensinamentos. O domínio da guitarra é perfeito, a voz não é das mais poderosas mas serve para passar a mensagem. Frente a Dooley Wilson, mas do outro lado da barricada, o seu colega de missão Paulo Furtado partilhava o mesmo sentimento, e a ideia de uma dupla entre os dois pareceu, em todos os momentos, uma ideia mais do que apetecível. O dueto não se concretizou, a actuação de Dooley Wilson terminou mas o cheiro a Blues não havia ainda terminado.

Soledad Brothers © Ana Marques

De Detroit para o Porto, senhores e senhoras, os Soledad Brothers! Tudo começou como um duo – Johnny Walker na voz e na guitarra, Ben Swank na bateria – mas, por altura das gravações de Steal Your Record and Dare Your Spirit to Move, um disco editado em 2002, Oliver Henry entrou na banda transformando-a num trio. E foi assim que os Soledad Brothers se apresentaram no Porto Rio. E já há muito que não se via uma coisa assim, uma actuação tão suada e energética no bom espírito do rock ‘n’ roll. Johnny Walker (que a espaços fez lembrar Robert Plant por volta de 1970, mais ainda quando tocava harmónica) comandou as operações e ia apontando as coordenadas dos Soledad Brothers. O som, esse, era ruidoso e estridente, o que fez com que os efeitos do concerto perdurassem por mais alguns dias nos ouvidos de quem esteve presente. As guitarras são furiosas, a bateria acompanha o ritmo: Ben Swank lá atrás, acusava por certo os excessos etílicos provocados pela febre do rock ‘n’ roll way of life. Mas ninguém se parecia importar. O clima era de euforia generalizada: braços no ar, ancas em movimento, pulos de contentamento até que o suor se confundisse com outra coisa qualquer. “Cage that tiger” e “Lowdown streamline” (sem as enraivecidas “pianadas” mas com o mesmo vigor que em disco), dois temas pertencentes ao último disco de originais dos Soledad Brothers, Voice of Treason, foram alguns dos momentos mais altos de uma actuação que esteve sempre a um passo de se transformar em mais do que um simples concerto; antes, uma celebração. Dooley Wilson chegou a subir ao palco para ajudar à festa, e se Paulo Furtado (que continuava na fila da frente) o tivesse feito ninguém teria estranhado. Houve espaço – claro está – para duos de vozes, para o saxofone por intermédio de Oliver Henry e para o blues que destila das canções dos Soledad Brothers. Perto do final da actuação, alguém no público gritava e bem a propósito: “Kick out the jams, mother fuckers” - só quem esteve presente é que soube o que poderia ter perdido.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
25/03/2005