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Festival Below The Radar: Outsider Music From UK
Casa da Música, Porto
01-02/12/2006


Co-organizado e programado pela revista inglesa Wire, a mais importante referência mundial do jornalismo musical avant-garde, o festival “Below the Radar: Outsider Music From UK” levou à Casa da Música diversas vertentes da experimentação sonora contemporânea. Alexander Tucker abriu o festival. Sozinho, foi construindo camadas sobrepostas de drones, melodias e sons. Usando guitarras (eléctrica e acústica), efeitos e voz, tudo trabalhado em tempo real, sobrepôs através do sampler os sons que ia gravando, colou efeitos, processou sons da voz e guitarra, numa amálgama orgânica que se transmutava desde aproximações a ruído cinzento até formas melódicas quase folk, numa actuação que durou aproximadamente uma hora.

Seguiu-se a dupla Blood Stereo, projecto de Dylan Nyoukis com a sua companheira Karen Constance. Nyoukis tratou principalmente de produzir experimentações vocais, como se Phil Minton despisse a capa do virtuosismo e enveredasse por um visceralismo desmedido. Ao seu lado, Karen desenvolvia alguns esboços electrónicos, arrítmicos e texturalmente frágeis, que acompanhavam os delírios vocais de Nyoukis. O trio Volcano The Bear encerrou a primeira noite do festival. Se por um lado foram utilizando instrumentação “séria” (guitarras, bateria, saxofone, teclado, clarinete, etc.), a manipulação de tapes e ruído contrastou com a elaboração instrumental mais tradicional. Recolhendo uma série abordagens provindas de estilos por vezes inconciliáveis, evidenciou-se bastas vezes incoerência formal. Na salganhada sonora houve espaço para tudo: improvisação, experimentalismo, free jazz, pop, tudo misturado. A ousadia (que faz parte da personalidade destes Volcano) é muito bem-vinda, mas por vezes o excesso acaba por redundar em formas pouco coesas.

O segundo dia começou com a dupla Bohman Brothers. Cultivando um experimentalismo extremo, sem qualquer âncora regular, a música deste duo pode ser considerada como uma aproximação às linhas da livre improvisação, mas carece das suas regras e rigidez formal. Na abordagem dos Bohman a música é coisa lúdica, a visão é subversiva e o humor é evidente. Enquanto é difundida uma voz pré-gravada, os irmãos recitam um texto e a experiência reside na diversidade das vozes sobrepostas. Sobre uma mesa está uma multiplicidade de objectos, que os dois vão abordando de modo a criar uma fundação sonora, embora pouco estável: subversão, humor e criação desregrada. Para o meio da noite os Aufgehoben ameaçaram destruir a Sala 2 da Casa da Música com o seu free rock bruto. Tendo duas baterias - quase sincronizadas - em cada lado do palco, uma guitarra e electrónicas produziam ao centro a essência da música que alcançava o seu expoente quando se encontravam com a brutalidade conjunta das baterias. É impossível não lembrar o caos dos portugueses Fish & Sheep, se bem que imaginamos que a dupla nacional conseguísse concretizar, apesar de usar menos recursos, maior devastação sónica. Ainda assim serviu para dar bom uso aos tampões para os ouvidos que eram oferecidos na compra da revista.

Para o encerramento do festival ficou guardado o maior nome do cartaz. Os Spring Heel Jack trouxeram à Casa da Música a sua improvisação com raízes no jazz mais livre europeu. Depois da sua fase electrónica, esta segunda vida da dupla inglesa é decididamente guiada pelas pessoas com quem colaboram – e principalmente (e felizmente) têm recorrido a nomes grandes da improvisação europeia. Se no fantástico “Live” tiveram a companhia de gente como Han Bennink, Evan Parker, William Parker e Matthew Shipp, à Casa da Música vieram acompanhados por um trio menos estrelar: John Edwards (contrabaixo), Steve Noble (bateria) e Alan Wilkinson (saxofones). Edwards acabou por ser o elemento mais interessante do quinteto, com o seu contrabaixo amplificado a arrancar improvisações excitantes ou marcando ou ritmo compassado com a bateria pouco expansiva de Noble. Dos saxofones (barítono e tenor, alternadamente) de Wilkinson os solos nunca mostraram expressividade e acabou por ser o menos atractivo. A dupla SHJ (Ashley Wales não apareceu, mas estava lá um substituto) construía uma estratégia-choque, entre a acção construtiva do sintetizador e a abordagem destrutiva da guitarra (John Coxon). Apesar de se poder almejar outro nível de transcendência, no geral acabou por ser um belo concerto de improvisação colectiva. E assim se encerrou um festival que se espera que regresse para trazer formas menos convencionais de som avançado à grande sala do Porto.

Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
01/12/2006