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Festival Para Gente Sentada 2006
Teatro António Lamoso, Santa Maria da Feira
24-25/11/2006


A terceira edição do Festival Para Gente Sentada teve início em dia de temporal um pouco por todo o país, ingrediente que tornou ainda mais apetecível a deslocação ao Teatro António Lamoso, em Santa Maria da Feira. O certame ganhou já um lugar próprio, apesar de nesta terceira edição se apresentar com um cartaz inferior ao 2º festival, mas sobretudo à estreia do Sentados (para os amigos) em 2004, verdadeiro marco que deixou a sua presença no palco daquele Teatro. Em 2004 subiram ao palco Sufjan Stevens, Rosie Thomas e Devendra Banhart, entre outros. A decoração continua com muito sucesso a puxar aos sentimentos relativos ao frio e ao Outono/Inverno.

No primeiro dia de Festival, sexta-feira, o primeiro a subir ao palco foi Stuart Robertson, o cantautor que editou em 2004 The Furthest Shelter. Apresentou-se ao vivo ao com a companhia de um piano e apresentou canções que na sua maioria roçaram o desinteressante, com a excepção de “Reveal”, a fazer lembrar Red House Painters (mais em disco do que em concerto). As suas canções fazem a espaços lembrar REM ou algum quase-jazz pouco interessante (como em “Uniforms”). E nem a apresentação de algumas canções do seu próximo álbum, a editar algures no início de 2007, serviu para transformar o seu concerto em algo de positivo. Apesar de não ser um grande escritor de canções, Stuart Robertson consegue ser um pouco mais interessante em disco do que ao vivo.

DJ transformado em escritor de canções, Fin Greenall, figura principal do projecto Fink, foi o próximo a subir ao palco do Teatro António Lamoso. A acompanha-lo dois músicos: um no baixo e outro na bateria. Veterano da Ninja Tune, Fin Greenall pôs de parte a música electrónica para compor canções na guitarra e não se sai mal com isso. Não sendo um grande disco, Biscuits for Breakfast forneceu as bases para um concerto aceitável, com alguns bons momentos. O som é bem trabalhado e há alguma química entre os músicos; as canções sobrevivem bem e em alguns casos até superam o disco. O som é meio despido, a voz de Fin Greenall cai bem. “Pills in my pockets” foi um bom momento, “Pretty Little Thing” e “All Cried Out” também. Segundas vozes, trabalho de guitarra sem nódoas, canções por vezes interessantes. Fink não foi excelente mas também não desiludiu.

Cabia a Adam Green fechar a noite. O norte-americano (conhecido pelo trabalho com os Moldy Peaches) é conhecido pelas suas actuações excêntricas, provocadas ou não por aditivos alteradores do estado de consciência. A sua actuação no Festival Para Gente Sentada, que marcou a sua estreia em Portugal, foi uma mistura de canções bem-humoradas (a maior parte delas com constantes interrupções, esquecimentos de letras e acordes e gargalhadas) com situações curiosas, como a leitura de expressões em português (tais como gravidez e outras) e outras manifestações nonsense.

Canções como "Jessica" (“Jessica / Jessica Simpson / You've got it all wrong / Your fraudulant smile / The way that you faked it / The day that you died”) ou “Carolina” foram pontos altos. De resto, entre os temas habituais estão a morte e o suicidio e as drogas. Sarcástico, mordaz e alienado, Adam Green foi o claro vencedor da noite. Tocou e fez de entertainer, aceitou pedidos de canções e mesmo concretizou a maior deles (quando não se esquecia entretanto) e teve de voltar para encore. Se tivesse que haver um vencedor da noite seria Adam Green.A chegada ao segundo dia do Festival para Gente Sentada reservava uma desagradável surpresa afixada nas portas do Teatro: Emiliana Torrini havia cancelado a sua actuação por motivos de saúde (diz-se que estava afónica), mas promete marcar uma data em breve para compensar. A mudança de planos deixava a Ed Harcourt mais espaço para mostrar as suas canções. O escritor de canções britânico apresentou-se sozinho mas com alguns “amigos” que se revelaram importantes: os pedais e os loops. Com a ausência de uma banda real, Ed Harcourt foi criando bases para as suas músicas através de instrumentos de percussão e guitarras que depois colocava em loop. Aí, e sem desprimor para as canções que apresentou só ao piano ou na guitarra (eléctrico, que confessou odiar), Ed Harcourt mostrou-se rei e senhor. Foi aí que conseguiu alguns dos melhores momentos do concerto.

As suas canções lembram um trio curioso: Jeff Buckley, Ryan Adams e Rufus Wainwright. Tanto na sua voz como na instrumentação, Ed Harcourt é um resultado curioso da fusão dos três. A comparação pode parecer algo injusta, mas é a essa a impressão que fica, especialmente nos concertos. Além do sucesso de alguns temas, Ed Harcourt mostrou ser bem-humorado e comunicativo, sem grandes demonstrações de timidez. “The Last Cigarette” e “Born in the 70's”, por exemplo foram bons momentos. No final arregaçou as mangas, aumentou o volume da guitarra e mostrou o seu lado mais rock, a fechar um concerto positivo.

A fechar a noite e o festival apresentaram-se os Sparklehorse, outras das estreias em Portugal orgulhosamente programadas pela organização do festival. Conduzidos por Mark Linkous, figura central da banda iniciada em 1995, os Sparklehorse acabaram por não se tanto centrar em Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain (quarto disco da carreira dos Sparklehorse, editado em 2006), como se poderia esperar. Mas numa coisa foram aquilo que se esperava dos Sparklehorse: o saltitar constante entre temas rock e temas dados a uma profundo intimismo, ou então ambas as coisas como acontece em “Don't Take My Sunshine Away”, o tema que abre Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain.

Como seria de esperar foram até 2001 e até para dele trazerem dois dos seus melhores temas: “Apple Bed” e “Gold Day”, já em encore, onde Mark Linkous luminosamente canta: “Good morning my child / stay with me a while / and evaporate in the sun / sometimes it can weigh a ton”, “Keep all your crows away / hold skinny wolves at bay / in silver piles of smiles / may all your days be gold my child”. A actuação dos Sparklehorse, por esta e por outras razões, espalharam um certo sentimento de sonho e utopia, de esperança. Apesar de algumas ausências de temas de do último Dreamt for Light Years in the Belly of a Mountain, os Sparklehorse assinaram um belo concerto, talvez o melhor de todo o festival.

André Gomes
andregomes@bodyspace.net
24/11/2006