Kim Cascone / Victor Gama - Número Projecto ‘06
Cinema S. Jorge, Lisboa
11/11/2006
O Festival Número, chama-se agora Número Projecta e festejou este ano a sua quinta edição. Entre 2 e 12 de Novembro, o cinema São Jorge em Lisboa, foi a montra de dezenas e dezenas de projectos híbridos que exploram os diversos campos das artes visuais e sonoras. Este ano, foi o austríaco Fennesz, com as suas sinfonias electrónicas, que mais gente chamou ao cinema da Avenida da Liberdade. Outras noites houveram. A de 11, Sábado, encabeçada por um DJ Set do canadiano Akufen e pelas ambiências criadas por Kim Cascone, ficará marcada pela genial performance de Victor Gama. Sim, o adjectivo não surge ao desbarato, mas já lá vamos.
Victor Gama, angolano de ascendência portuguesa, é compositor, designer, artista sonoro e engenheiro electrónico. Apaixonado por instrumentos tradicionais africanos como o Kissange e o Hungo, cria em 1993 o projecto Pangeia com o objectivo de abordar de forma exploratória o uso destes instrumentos, assim como desenvolver novos instrumentos essencialmente acústicos, aliando técnicas tradicionais às tecnologias mais recentes. Para Gama, a música transporta uma carga cultural, social e, por vezes, mística. No seu longo curriculum destacam-se as colaborações com Naná Vasconcelos, William Parker, Guillermo Brown e Max Eastley. O disco Pangeia instrumentos, foi editado em 2004 pela londrina Rephlex fundada por Aphex Twin e a última edição da revista Wire dedica-lhe uma página.
Em palco, apenas o músico e os seus instrumentos - autênticas obras de arte, cuidadosamente alinhados. Em fundo, a gigante tela do S. Jorge projecta imagens a preto-e-branco de uma viagem de automóvel. Apesar do suporte audiovisual, é nos cinco instrumentos-escultura que o nosso olhar se foca. Durante pouco mais de quarenta minutos, Victor Gama vai saltando de instrumento em instrumento, dedicando, apenas e só, uma peça musical a cada instrumento. Musicalmente, as peças desenvolvem-se sob melodias repetitivas ou, pelo contrário, inconstantes, mas sempre hipnóticas. Gama, ora percute, ora dedilha, dependendo do instrumento. Da delicadeza do toha (próximo da kora) à ressonância da mbira (vulgo lamelofone) passando pelo acrux (constituído por pequenos pratos de metal sobrepostos sob uma semi-esfera iluminada), provavelmente o instrumento mais fascinante em palco, em todos Gama é um exímio executante. Pensamos na música gamelan indonésia e no minimalismo de compositores como Arvo Pärt ou Steve Reich. Um criador assim urge ser redescoberto.
No próximo fim-de-semana, Victor Gama actua no festival Atlantic Waves em Londres, na companhia de Thomas Köner, Asmus Tietchens e Max Eastley. A noite será de improvisação total e favorecida por um fenómeno cosmológico único: a Terra estará alinhada com a Lua, o Sol e
o resto da constelação. "Um momento único e irrepetível" confidencia o músico à revista Wire.