Keith Jarrett / Gary Peacock / Jack DeJohnette
Centro Cultural de Belém, Lisboa
12/11/2006
Seria difícil haver um concerto mais aguardado este ano. Depois de uma conturbada actuação a solo no longínquo ano 1981 no Coliseu dos Recreios, o regresso de Keith Jarrett a terras lusas foi acompanhado por uma onda de histeria como há muito não se via, que esgotou o grande auditório do CCB nos primeiros dias de venda de bilhetes. É, antes de mais, importante notar o entusiasmo que rodeou este concerto do afamado Standards Trio - não será todos os dias que temos a oportunidade de partilhar a plateia com o senhor presidente da Comissão Europeia.
Foi assim um público ansioso que assistiu à entrada do trio em palco: a bateria de Jack DeJohnette à direita, o contrabaixo de Gary Peacock no centro, o piano de Keith Jarrett à esquerda. Aquele que é unanimemente considerado o melhor pianista do mundo foi explorando as melodias em improvisos imparáveis, enquanto a dupla rítmica ficava maioritariamente restringida à função de acompanhamento. Ao contrabaixo de Peacock eram dadas algumas oportunidades de solar, que o americano aproveitava para mostrar a conhecida veia melódica. A bateria de DeJohnette acabou por se manter quase sempre na rectaguarda, impondo um ritmo regular – mas ainda assim mostrou oportunidade num par de bons solos.
Depois de terminada uma belíssima interpretação de “Bye Bye Blackbird”, o pianista esboça um novo tema que é bruscamente interrompido devido a um problema técnico relativo ao som de retorno. O pânico instala-se na sala – voltará o pianista a abandonar um palco português? Afinal não há motivo para preocupação, Jarrett volta ao piano e recomeça, desta vez sem mais interrupções. Os temas seguem-se plenos de graciosidade nas mãos de Keith Jarrett, num festival de harmonia e improviso para o qual contribuem também, embora mais discretamente, Peacock e DeJohnette.
A meio da segunda parte é evocado outro pianista, o génio do bebop Thelonious Monk, através de uma bela recriação do seu tema “’Round Midnight”. Sem deixar créditos por mãos alheias, o pianista vai criando uma sequência de rendilhados melódicos que impressionam pela aparente naturalidade com que surgem. A precisão imensa da secção rítmica quase que se faz passar despercebida, pelo modo como encaixa cada pormenor de forma certeira. Particularmente intensos, os finais de cada tema aproveitam a tensão acumulada para criar picos de emoção. Sem dirigir a palavra ao público o pianista despede-se, agradece e afasta-se, para ainda voltar para dois encores.
No segundo encore, depois da enorme stand up ovation, o trio atira-se à balada hiper-romântica “When I Fall In Love”. Belíssima em cada nota do piano, foi o final mais que perfeito para um concerto que conseguiu concretizar as elevadíssimas expectativas. Keith Jarrett, Gary Peacock e Jack De Johnette criaram um monumento superior de emoção e inteligência musical. Confiamos que até o senhor presidente da Comissão Europeia será da mesma opinião.