O longo braço representado na compilação Bor Land Can Take You Anywhere You
Want - que comemora os cinco anos da editora portuense – é digno de tantas
leituras quanto os destinos que pode oferecer. Uma delas tem como ponto de partida
a perspectiva de quem a desenhou como representação de cinco anos de actividade.
Na extremidade de um braço extraordinariamente longo, encontramos o nome da
editora sobre a face dorsal da mão. Pois se à palma da mão se lê a sina e tenta
adivinhar um futuro (que habitualmente é fruto da imaginação do vigário), o
verso fica reservado a uma representação muito mais concreta da personalidade
e antecedentes do manobrador. É por aí que se descobre a cor escolhida para
as unhas, as porções avermelhadas dos polegares ruídos nervosamente, a graciosidade
a quem nasceu abençoado por dedos esguios.
Faz por isso todo o sentido que a Bor Land opte por essa superfície como painel
propício à comemoração de um quinto aniversário, que, enquanto ponto de situação,
reflecte sobre os resultados obtidos junto dos nomes tatuados no braço esticado
(em jeito de elegia) e, a partir daí, tece um plano que venha a arrecadar dividendos
(não necessariamente monetários) ao que é “promissor” desde início. Opta-se
pela face dorsal tão simplesmente porque representa radiograficamente a Bor
Land desde a sua fundação e antevê o destino à ponta dos seus dedos. A mão em
toda a sua economia de meios e exemplo de que como de pouco se faz muito. Um
braço nu, sem truques na manga. O mesmo que há cinco anos procurava algo, pouco
tempo depois já almejava às estrelas e agora até já pode conduzir até elas,
ou até onde alguém quiser. Uma enorme margem de progresso invisível operada
pelo mesmo membro incansável e convicto. Passados alguns anos sobre o penta
que a Invicta comemorou apaixonadamente, importa agora soprar as velas a mais
um milagre com o número cinco como signo.
Os membros do Bodyspace revelam o momento em que se sentiram
tocados pela milagrosa mão da Bor Land:
Miguel Arsénio
Quando no Natal de 2003 a Avenida de Berna ganhava aquele aspecto natalício,
a minha paciência para encontrar um lugar vago para o carro era substancialmente
afectada pelas luzes e enfeites próprios da quadra que abundavam pelas monstras.
Nessas alturas dependia dos recorrentes discos de Elliott Smith ou Cat Power
para não desesperar e optar por um qualquer espaço vago, independentemente de
estar ou não a infringir uma regra de trânsito. O meu colega Hélder Gomes (de
faculdade e nesta casa) tinha-me dito maravilhas sobre April de Old Jerusalem.
“Maravilhas”, no caso dele, corresponde a um maior ênfase na palavra “giro”
ou “engraçado” (são sempre esses os adjectivos que usa para classificar os discos
verbalmente). Tinha o disco à mão, mas, dado o seu nome, achei que o devia reservar
para o mês das águas mil. Antecipei as coisas. Não foi preciso chegar até à
quarta faixa para dar por mim com o carro bem estacionado, instantaneamente
surpreendido com o disco que acabara de conhecer e com o facto de, pela primeira
vez em alguns anos, Elliott Smith e Cat Power não me terem acompanhado nos momentos
mais problemáticos de Dezembro.
Nuno Catarino
Num certo fim de tarde outonal combinei um café com uma amiga, numa loja de
discos do Chiado. Fomos para o barzinho da tal loja, pedi uma imperial, ela
pediu um chá de qualquer coisa, esperamos pelo showcase que ia começar.
No palco surgiu apenas um homem acompanhado pelo seu contrabaixo. O homem pegava
no arco e o contrabaixo sussurrava-lhe histórias bonitas, os dedos tocavam e
o contrabaixo gemia, cantava, embalava. Aquele monstro de madeira e cordas fez
brotar um mar de música, música enorme, música imensa. O homem era famoso, chamava-se
Carlos Bica e tinha acabado de editar um glorioso disco de contrabaixo solo
por uma tal editora chamada Bor Land. Eu e a amiga saímos da loja de alma mais
cheia e com um disco novo nas mãos.
Rodrigo Nogueira
Não terei histórias com amigas giras como as do Nuno para contar – se bem que
não me possa queixar no departamento das amigas giras, mesmo aquelas que não
se vêem a elas próprias como tal (erradamente); já agora gostaria de lhes deixar
uns cumprimentos, elas sabem quem são, mesmo que não saibam (estupidamente,
mas sem ofensa) que são giras - mas ontem estava na cama a adormecer a ouvir
o April de Old Jerusalem e não conseguia dormir com uma constipação brutal.
Não ouvia April há que tempos, e mesmo em Outubro faz todo o sentido.
Por cima da cama tenho uma prateleira cheia de CDs que não ouço há anos, de
um passado não muito distante do qual não me envergonho assim tanto, mas do
qual me desliguei - se bem que de vez em quando pisque os olhos a esse mesmo
passado. A tal prateleira todos os dias faz um estranho barulho, como se estivesse
prestes a cair. Ontem foi durante "Is this April?", na parte em que se canta
"Someday"... fiquei cheio de medo, será que um dia vai cair? Esta foi
a mesma cama onde me apareceu no outro dia a compilação comemorativa dos 5 da
Bor Land, depois de o meu pai ter trazido para casa uma edição autografada de Single, o belíssimo disco de contrabaixo solo de Carlos Bica. Por isto,
pela belíssima Petra a cantar com Old Jerusalem no Santiago Alquimista e na
Antena 3, parabéns Bor Land. E pode ser que daqui a 5 anos a prateleira ainda
esteja lá.
Eugénia Azevedo
Como segundo maior centro urbano do país, o Porto poderia transparecer um estilo
de vida em consonância com o dia-a-dia de uma grande cidade: o individualismo
à cabeça e a falta de cooperação de quem muitas vezes não conhece nem o vizinho
do lado. Mas se já esta não é uma realidade que se possa atribuir ao Porto,
muito menos tal se verifica no meio musical. Nestes meandros, toda a gente parece
conhecer o lugar de toda a gente. E foi assim que, de vários quadrantes, me
foram chegando notícias de que uma editora da cidade vinha desenvolvendo um
trabalho a ter em conta. E, entre amigos, diziam-me que se tratava de "boa gente".
Um dia confrontei-me com essa realidade. Estava em causa decidir com os responsáveis
da editora qual seria a melhor altura para entrevistar um músico da casa. Tinha
ficado assente que aconteceria por altura de uma actuação ao vivo. Foi então
que ouvi o convite: "Porque não vens jantar connosco?" (entenda-se editora
+ músico em questão). Aceitei a proposta e dei por mim a partilhar talheres
com pessoas com quem nunca tinha estado, mas que me proporcionariam nessa noite
uma tertúlia entusiasmante. E apercebi-me de que a preocupação em dar a conhecer
boa música rouba-lhes todo o tempo para pretensiosismos bacocos ou pavoneamento
inútil. À mesa falou-se de sons feitos por cá. Por falar em mesa, o jantar estava
óptimo.
João Pedro Barros
O meu primeiro contacto com a Bor Land surgiu por intermédio de um amigo que,
para um trabalho académico, entrevistou o Rodrigo Cardoso, mentor da editora. Mesmo antes
da parte musical propriamente dita, impressionou-me o espírito de iniciativa
e o conceito da Bor Land que, com poucos meios, se tornava emergente no panorama
cultural do Porto, pouco mais do que adormecido desde o Porto 2001, especialmente
em termos de iniciativa. O ano de 2003 já caminhava para o fim e daí resultou
a minha descoberta de Old Jerusalem. O meu segundo momento Bor Land surgiu em
Fevereiro de 2004: também para um trabalho académico (sobre o tema “Música moderna
em Portugal – Que alternativas?”), resolvi entrevistar o inevitável Rodrigo
Cardoso, que desenvolveu ideias concretas e inteligentes sobre as questões que
lhe coloquei. Sobre a eventual falta de dinheiro para financiar os projectos,
a resposta foi lapidar e com um toque de humor: "Não há dinheiro, inventa-se!".
Por essa altura, a editora portuense já me era bem conhecida e April,
de Old Jerusalem, e o split Why Not You?, dos Alla Polacca e dos
Stowaways, já estavam bem posicionados na tabela do meu airplay pessoal.
Curioso é também pensar que foi através do Rodrigo, nessa entrevista, que ouvi
falar pela primeira vez dos Animal Collective…
André Gomes
Nestes últimos cinco frutíferos anos, é por demais complicado apontar um momento
específico de sedução ou empatia para com a Bor Land. Em meia década de existência,
muitos são os momentos proporcionados pela editora do Rodrigo Cardoso e companhia
em jeito de álbum de fotografias, mas o mais forte talvez seja – para mim e
para muitos – o contacto com April, o disco de estreia de Old Jerusalem.
Mas mais do que os discos, a Bor Land é – e quem trata com eles sabe-o – um
dos melhores exemplos nacionais de como gerir uma editora: desde a perfeição
que procuram incutir no artwork dos discos até à organização dos concertos,
passando pela forma exemplar como se relacionam com a imprensa, tudo é levado
a cabo com o maior dos cuidados e atenção. A compilação dupla Can Take You
Anywhere You Want e Single, o disco de Carlos Bica que abre novos
horizontes à editora, parecem ser motivos mais do que suficientes para acreditar
que os próximos cinco anos sejam tão ou mais sorridentes do que os que agora
se celebram.