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DANCE, DANCE, DANCE TO THE RADIO



"Dance, dance, dance to the radio." - Ian Curtis, Joy Division - "Transmission", 1979

Em 1979, Ian Curtis, pedia a todos para dançar ao som da rádio. Uma das pessoas que fazia com que esse rádio fizesse as pessoas dançar morreu a semana passada - John Peel. Muito já foi escrito sobre o radialista inglês, milhares de tributos apareceram um pouco por todo o lado. Este não vai ser um deles, mas fica aqui a deixa.

Nesta altura, apareciam bandas como os Gang of Four, miúdos brancos esquisitos que: 1) não sabiam tocar, 2) gamavam linhas de baixo ao James Brown e ao George Clinton, 3) só se queriam divertir. Sim, o punk depois dos Clash nunca mais foi o mesmo. Havia aquela necessidade de abanar o rabiosque, de dançar. Sim, de dançar - a palavra mais temida pelos miúdos brancos esquisitos.
Os Joy Division eram depressivos, Ian Curtis suicidou-se, mas tinha aquela forma de dançar, de sentir a música, que continuou em muitos dos miúdos anos após a sua morte. Os Joy Division depois deram origem aos New Order, que, com outras bandas de Manchester, tais como os A Certain Ratio, entraram na new wave dando uma grande importância à dança. Isto coincide com a editora Factory, de Tony Wilson, e com a Hacienda. Mais ou menos ao mesmo tempo em que apareciam os Joy Division, tipos mais intelectuais em Nova Iorque davam origem a uma nova revolução - a no wave. Liquid Liquid, DNA, Teenage Jesus & The Jerks, James Chance & The Contortions, eram tudo bandas dessa onda. Não sabiam tocar os seus próprios instrumentos, sendo a sua maior parte como que uma subversão da música negra, do funk. Tal como acontecera anos antes, quando apareceu o rock'n'roll ocorreu uma apropriação da música negra por brancos limitados. E todos queriam dançar. Bandas começavam aqui e ali, com mais ou menos qualidade. E depois havia o chamado rock'n'roll normal. Ainda dava para dançar, mas numa dança totalmente diferente. Putos aos saltos na cama, a ouvir no quarto "Psychocandy" dos Jesus & Mary Chain, os Smiths, os Pixies, os Hüsker Dü, milhares de bandas que vieram na explosão do rock chamado alternativo. Uma dança nervosa, que ninguém podia ver. Não era propriamente uma dança de discoteca, era uma dança inocente, secreta. Algures em Nova Iorque, ou perto, em Nova Jérsia, também os The Feelies ajudavam a isso. Entretanto, John Peel continuava a gravar estas e aquelas bandas, financiando-as ou gravando as chamadas "Peel Sessions", nos estúdios da BBC. Os ritmos dançáveis dos New Order e outros passam ao mainstream.
Voltando a Manchester, no final dos anos 80, e princípio dos anos 90, bandas como os Happy Mondays, os Primal Scream ou os Stone Roses também queriam fazer a malta dançar. Alguns singles dos Blur e afins passados, já ninguém queria dançar. Os chamados miúdos indie queriam lá saber disso. Até que chega o chamamento. O ano era 1997, e os Dismemberment Plan viraram-se para dizer: "And we're doing the standing still." Ninguém percebeu, ninguém quis saber.
Chegamos ao novo milénio, a 2002. A DFA, "Death from Above", da dupla de produtores James Murphy/Tim Goldsworthy, lança "House of Jealous Lovers", dos Rapture. Nova Iorque volta à linha da frente. Os músicos voltam a não saber tocar, os putos voltam a não saber dançar. E somos todos felizes assim.
O ano é 2004, está quase a chegar ao fim. Mesmo assim, os miúdos indie voltam a ter razões para dançar. Nesta altura, as maiores razões para tal são duas, dois singles: "Your Cover's Blown" dos Belle & Sebastian e "New Health Rock" dos TV on the Radio. Os Belle & Sebastian eram xoninhas de Glasgow. Stuart Murdoch & Cia. eram como que poetas de caderninho nas mãos saídos da aula de pintura. Usavam roupas esquisitas e cantavam sobre coisas xoxinhas, com um som muito xoninhas. Estava tudo bem assim. Até que conheceram um tal de Trevor Horn. Trevor Horn era um produtor simpático, porreiro, esteve por detrás de muitas coisas, muitas delas muito más, "Video Killed the Radio Star", dos Buggles, "Owner of a lonely heart" dos Yes - para muitos, o tema que estragou tudo, para outros, os Yes sempre tinham sido foleiros e péssimos. Tinha acabado de produzir um certo disco de uma certa banda de duas pseudo-lésbicas russas. Tinha posto por lá um cover dos Smiths, por isso não havia de ser má pessoa de todo. Um tipo porreiro. Produziu "Dear Catastrophe Waitress", o último disco dos Belle & Sebastian. Ninguém sabe ao certo o que ele lhes fez, mas de certeza que o que quer que lhes tenha feito passou por uma dose enorme de discos do James Brown, alguma rockalhada, discos de Natal e compilações dos melhores singles da era do disco-sound, ou coisa que o valha. Esta coisa do funk e dos Belle & Sebastian culmina com "Your Cover's Blown", do EP "Books". O funk xoninhas tem em "Your Cover's Blown" a sua obra-prima. É a modos que o "Paranoid Android" xoninhas. Começa com uma melodia chinesa, uns telefones altamente manhosos a tocar, cowbells, um sample de voz, tudo muito adoravelmente kitsch, e eis que entra um baixo e a voz. "Say what you want and leave your shyness home" dá o mote. A partir de agora é proibido não se abanar ao som disto. Um absoluto deleite do princípio ao fim. Os TV on the Radio são diferentes. Em vez de uns xoninhas chorões de Glasgow que conheceram um produtor, temos a banda de um produtor de Brooklyn. E temos a vantagem de o vocalista ser realmente herdeiro da música negra, ter soul, e até saber cantar, não sendo um bando de brancos a tocar a sua versão inepta da música negra. "New Health Rock" é um dos melhores singles dos últimos tempos. Que não haja dúvidas disso. Tunde Adebimpe, o vocalista, e David Andrek Sitek, produtor e multi-instrumentista, praticam um som como talvez nunca tenham ouvido antes. Já tinham dado provas das suas capacidades no EP "Young Liars", do ano passado, que continua uma curiosa versão a cappella de "Mr. Grieves", dos Pixies, e este ano, com o álbum "Desperate Youth, Blood Thirsty Babes". É impossível descrever o som deles. Tem um bocado, disto, um bocado daquilo. Pós-punk com o som de máquinas a trabalhar misturado com soul e rock'n'roll. É uma definição estúpida, que não diz nada, mesmo, mas é o que se arranja.
Para além destes dois magníficos temas, os miúdos também têm mais algumas razões para dançar. Também de Glasgow temos os Franz Ferdinand, de que toda a gente já ouviu falar, e que lançam uma média de 25,6 singles por mês. "Take me Out", "Dark of the Matinee", "Michael", "This Fire", são tudo grandes singles para se bater o pé vestido com estilo, muito estilo. Mas neste momento, o que talvez mais interesse são os lados B, como "Van Tango" ou "All for you Sophia". Depois temos os !!!, com o seu disco "Louden Up Now", ao qual talvez falte uma malha perfeita, um single perfeito. Tem "Me & Guiliani Down By The Schoolyard (A True Story)", que é dos mais brilhantes singles dançáveis dos últimos tempos, mas tem dois problemas: para além de ser do ano passado, precedeu a edição do disco, pelo que não conta bem como um single do disco. Ainda temos os Radio 4. Os Radio 4 são de Nova Iorque e estão ligados à DFA. Nunca foram grande coisa. Nem em álbum, nem em singles ("Dance to the Underground" era uma excepção). Gostavam muito, muito dos Gang of Four, mas hoje em dia querem ser os New Order. "Absolute Affirmation" prova exactamente isso. Retirado do disco "Stealing of a Nation" (viva as referências políticas a George W. Bush), não é um mau single, de todo. Os New Order escreviam óptimas canções, com a particularidade de serem extremamente dançáveis. "São as melhores canções do mundo e também dão para dançar", alguém hiperbolizou um dia. Não é bem assim, mas percebe-se mais ou menos. É esse o problema de "Absolute Affirmation", tem uma melodia porreira e tal, mas falta-lhe a pujança que os New Order antes davam às suas canções.

É claro que há mais razões para bater os pés, mas estas são bons exemplos de como hoje em dia os esquisitos ainda podem dançar. A inépcia nunca impedirá os mais envergonhados de fazê-lo. Só precisam de um espaço só para eles. Mais uma vez, o rock'n'roll e o funk estão juntos na mesma cruzada: abanar o capacete. Nos anos 70, nos anos 80, numa parte dos anos 90 e agora nos anos 00, em 2004. E esperemos que também em 2005 aconteça o mesmo. Já não há mais desculpas. Rock'n'"dance, dance, dance, to the radio!"


Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
20/11/2004