Ray
Josua (Saul Williams), poeta e rapper, vive num bairro de fraca reputação de
Washington D.C. Um dia é apanhado juntamente com o seu dealer, que acaba por
ser abatido em plena rua pela polícia. Ray é detido por posse de cannabis e
encerrado numa prisão federal, dividida em dois grupos irreconciliáveis. Atrás
das grades, e com a improvisação lírica com batida rap como escudo, e o apoio
de Lauren Bell (Sonja Sohn) – a professora que dá aulas de alfabetização –,
mostrará uma nova e brilhante via de esperança para os que sentem a pressão
das penas a que foram condenados.
O movimento Slam, próximo do hip-hop e do rap, floresce
na atmosfera punk dos anos 80 de uma Chicago suburbana, coberta de nevoeiro
e de reputação duvidosa. A poesia Slam situa-se na vontade férrea de acabar
com a individualidade criativa do acto poético, para a partilhar e construir
um diálogo enérgico e vital.
Um
feito isolado serve de rampa de lançamento, o delírio de um rapaz com ar provocador,
Jérôme Salla, que recita o seu poema “Give piss a chance”, – depois da morte
de John Lennon – encurralado entre as cordas de um ringue, acompanhado de outro
poeta, ambos com roupas de pugilista, improvisam e aquecem um público receptivo
que faz de júri.
Está claro que a árvore cresce, e que desde São Paulo, Filadélfia, Nova Iorque,
L.A., Londres, Paris, Praga, Roma, Frankfurt a Berlim, a cultura Slam se expande
como um rastilho, dos pulmões dos
slamers às consciências dos que escutam.
Talvez no carácter espontâneo do Slam, como movimento que se sustém a si próprio,
esteja implícito o seu carácter combativo e se esclareça a ideia de que, mesmo
em algo circular, existem pontos de fuga.
A sua onda expansiva congrega várias artes: poesia, música, cinema, pintura,
dança, etc. Informação que não passou ao lado da faminta indústria publicitária
que “flirta” descaradamente com a tendência burguesa de incluir o marginal no
espaço estreito do chique. Muito poucos duvidam que, nas margens do Sena, “vendível/comprável”
são adjectivos que “dão lucro”, e que a poesia Slam, fiel às metáforas de Ray
Josua, é servida em doses de cavalo. A sua integração como fórmula que define
um grande número de poetas e artistas, como os reunidos na compilação
The
Cuban Hip-Hop All Stars, Vol. 1. Various Artists, Ursula Rucker no ponto
exacto entre Slam em estado puro e as bases rítmicas com que ilustra os seus
poemas, Spearhead, Jungle Brothers, Omar, Jazzanova, Gilles Peterson, que além
de um militante é um austero mecenas, Gil Scott-Heron, e muitos com o selo americano
Parental Advisory Label, etc.
Outras vozes começam a fazer-se ouvir nesta pátria, os
que participaram na primeira edição do festival Experimentaclub 03 (Poesia /
Polipoesia), celebrado em La Casa Encendida, em Madrid, nos dias 4 e 5 de Outubro
passado… Participaram jovens autores europeus: Jörg Piringer, Dídac P. Lagarriga
e Anne-James Chatton, e nomes fortes do underground poético de Barcelona: Enric
Casasses, Bartolomeu Ferrando e Jordi Teixidó.
O
contacto directo com o público e uma busca devastadora entre a vanguarda e a
tradição, para realçar o potencial do espaço enérgico e vital da poesia como
ferramenta de expressão, foram os seus cartões de visita. Um convite ao mundo
da palavra e um protesto estrondoso dirigido ao rompimento com a imagem inacessível,
hermética, da poesia refugiada entre as elites e a arraia-miúda.