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O jornalista, o crítico e o artista



Nas últimas semanas, a propósito de textos publicados no bodyspace, muito se tem discutido em torno do papel do jornalista e do crítico. Se uns não defendem e admitem uma separação de papéis, outros, acertadamente fazem-no. Na realidade existem diferenças significativas entre ambos. O crítico é um indivíduo opinante, logo desprovido de isenção e imparcialidade. Pessoalmente, nunca gostei muito da designação crítico. O conceito em si tem logo à partida uma conotação negativa. No entanto, o termo encaixa na perfeição porque quando alguém faz uma análise de conteúdo a algo fá-lo (ou deveria faze-lo) numa perspectiva crítica. E como envolve sempre os sentidos humanos, torna-se inevitável dar-lhe um toque pessoal. Aliás, o que se pede a um crítico é uma opinião sobre uma obra no plano técnico e, essencialmente, sensorial, criativo e estético.

Para G. Durozoi e A. Roussel, no seu Dicionário de Filosofia, editado pela Porto Editora, a crítica “hoje em dia significa exame de um facto, de uma obra de arte, de um comportamento, tendo em vista formular um juízo de valor que pode ser lógico, estético, moral, etc. (…)”. Outro dicionário da mesma editora, elaborado por vários autores com créditos firmados, mas de Ciências da Comunicação, define crítica como “(…) trata-se da capacidade de avaliar o mérito de obras científicas, literárias e artísticas”. Esta última definição é muito semelhante às que se encontram em vários dicionários de língua portuguesa.

Criticar é, então, emitir opiniões sobre algo. Logo, uma crítica nunca pode ser imparcial. Na arte é-o impossível. Tomando a música como exemplo, e posso afirmar que os únicos momentos em que a função de jornalista e crítico se fundem é na aplicação das regras de escrita e na cobertura de eventos – aqui, como jornalista o sujeito relata factos e como crítico opiniões. Mas, se ele as pode e deve emitir, em sinceridade e relativamente a um objecto artístico, podendo mesmo questionar a sua validação enquanto obra de arte e conferindo-lhe as de aberração, também o criador tem o direito de apresentar os seus argumentos. A isto, correntemente, chama-se Direito de Resposta, um direito que o bodyspace respeita de forma exemplar.

Já a Lei de Imprensa Portuguesa de 10 de Novembro de 1837 instituía o direito de resposta às pessoas que, por vários motivos, se sentissem lesadas em artigos publicados por jornalistas e críticos. Actualmente, o direito de resposta e rectificação é «o poder, que assiste a todo aquele que seja pessoalmente afectado por notícia, comentário ou referência saída num órgão de comunicação social, de fazer publicar ou transmitir nesse mesmo órgão, gratuitamente, um texto seu contendo um desmentido, rectificação ou defesa». Como tal, o bodyspace faculta esse direito através da possibilidade de inserção de comentários em local apropriado. Mais não se poderia pedir.

Resumindo, um jornalista é todo aquele que exerce uma profissão que tem por objectivo relatar factos de forma imparcial. Um crítico aquele que avalia obras de arte e/ou opina sobre situações do quotidiano. O artista o que cria. O bodyspace um local que informa, respeitando a liberdade de imprensa e opinião, e permitindo a defesa a quem de direito se sinta lesado de alguma forma. Isto não quer dizer que estamos perante profissões e situações incompatíveis. Um artista pode ser jornalista e crítico. Nada o impede. Exemplos não faltam. O importante é desempenhar o seu papel de forma digna e coerente.

No meio disto tudo, o interessante acaba por ser a relação cínica, de amor e ódio, entre artistas e críticos. Na generalidade, os críticos são bons ou maus consoante o que escrevem. E, tal como a própria arte, também a “crítica” está sujeita à avaliação de terceiros. Irónico, não?

Os homens e as mulheres distinguem-se pelos seus feitos, personalidade e opinião. Os críticos e os artistas não fogem à regra. Ambos estão sujeitos à crítica e têm que saber aceitá-la. O mais importante é que ambos se mantenham fiéis aos seus princípios e possam sempre aprender algo mais. Porque é esse o intuito da crítica, chamar a atenção para o que está mal e, assim, potenciar a evolução. O importante é que seja justa na forma como se manifesta, ou seja, com base numa opinião e nunca influenciada por factores externos. A realidade é que, seja lá no que for, estamos todos sujeitos a ela.


Jorge Baldaia
10/02/2004