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Guilherme Rodrigues x 3



© Kezzyn Andrey

Tem sido difícil acompanhar todo o material publicado pela editora Creative Sources, a editora portuguesa que se tem afirmado internacionalmente na área da improvisação livre. Fundada no ano de 2001, da iniciativa de Ernesto Rodrigues (viola d’arco), a editora tem não só documentado o percurso do fundador, como vem publicando registos de músicos que vêm definido a música improvisada no século XXI: Tetuzi Akiyama, Oren Marshall, Rhodri Davies, Axel Dörner, Peter Evans, Franz Hautzinger, Radu Malfatti, Jean-Luc Guionnet ou Martin Küchen. Com cerca de quinhentos discos editados(!), a editora tem sido também fundamental a documentar a produção dos improvisadores portugueses, tendo editado trabalhos de Manuel Mota, Sei Miguel, Luís Lopes, Carlos Santos, Paulo Chagas, Miguel Ângelo, Abdul Moimême, Hernâni Faustino e Nuno Torres, entre outros.

Filho de Ernesto, o violoncelista Guilherme Rodrigues (n. 1988) tem seguido as pisadas do pai e vem construindo um sólido percurso na música improvisada entre Lisboa e Berlim. Já participou em mais de quarenta discos, muitos deles em parceria com o pai, e vem trabalhando a sua própria história. Entre o final de 2017 e o início deste ano de 2018 foram publicados estes três discos que contam com a participação de Guilherme Rodrigues: “Zweige”, “As we read along...” e “Laura” (todas edições da Creative Sources).

O disco “Zweige” junta um improvável sexteto, onde um quinteto de cordas conta com a companhia da percussão. Participam aqui Harald Kimmig (violino), Ernesto Rodrigues (viola), Miguel Mira (do Motion Trio, violoncelo), Guilherme Rodrigues (violoncelo), Alvaro Rosso (contrabaixo) e Vasco Trilla (percussão). Apesar da configuração presumir uma vertente de música de câmara, raras vezes o grupo evoca momentos de puro classicismo. Ao longo de dois temas o sexteto improvisa livremente tentando procurar caminhos comuns, a partir de pontas soltas, ideias que vão surgindo, comunicação e conflito, respostas e desafios. Numa mescla de sons diversos das cordas, entre as cordas graves e agudas, entre os sons prolongados com o arco e o pizzicato, vai crescendo uma massa sonora comum, complementada com os apontamentos subtis da percussão.



Num registo substancialmente diferente, o trio Bistre propõe uma proposta mais directa. O disco “As we read along” reúne um trio com o violoncelo de Guilherme Rodrigues, o trombone de Matthias Müller e a guitarra de Eric Wong. O trio começa por pesquisar, numa amálgama de sons, até que o trombone assume a liderança: lança um fraseado que é sublinhado pelo arco do violoncelo e pela guitarra, até que o trio foge dessa situação de conforto, desconstrói e volta à pesquisa. O trombone não se expõe em demasia, por vezes deixa-se ficar com um som quase sussurrado; o violoncelo trabalha com o arco, por vezes discreto na sombra do grupo, outras vezes lançando ideias e faíscas; e a guitarra é alvo de uma abordagem pontilhística, quase minimal. Ao longo dos cinco temas que compõem o disco, além dos típicos momentos de exploração e pesquisa, encontramos aqui registados diversos instantes em que o trio se encontra, momentos de verdadeira unidade sonora. Um dos pontos altos do disco acontece por volta dos cinco minutos do segundo tema, quando o feedback áspero da guitarra se cruza com o trombone (aqui menos contido) e com o arco irrequieto do violoncelo, criando uma enorme tensão.

Num outro registo, o disco “Laura” junta um trio de cordas com um trio de sopros. Do lado das cordas estão, além de Guilherme Rodrigues (violoncelo), Ernesto Rodrigues (viola) e Tristan Honsinger (violoncelo). Já a equipa de sopros junta Axel Dörner (trompete), Mia Dyberg e Pierre Borel (ambos no saxofone alto). Gravado em Berlim, em Outubro de 2017, este disco reúne um total de sete temas. Não se trata de confronto de famílias de instrumentos, o grupo trabalha a partir da soma das ideias individuais, o sexteto vai alimentando uma comunicação fluida, lançando ideias, sem medo do confronto, raramente se fixando numa ideia sonora única, favorecendo a multiplicidade de ideias em simultâneo, em permanente desafio e evolução (atenção à convulsão sónica depois dos vinte minutos do segundo tema, "Zusammen gehen", o mais longo do disco). Mais um volume para a sólida discografia de Guilherme Rodrigues, que continua a crescer a uma velocidade vertiginosa.


Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
16/03/2018