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Os cantautores que Abril esqueceu



As portas que Abril abriu, naquela Primavera gloriosa de 74, não se mantiveram abertas para todas. Poderíamos estar a falar de Política; dos direitos retirados, da reforma agrária revertida lentamente ou do pensamento reaccionário que, hoje, se metamorfoseou em neoliberalismo chico-espertista (como se ele pudesse ser outra coisa). Poderíamos…mas não estamos. Bem, quase…
 
A cantiga é uma arma! Sabias palavras estas, as de José Mário Branco. Naquele tempo sem tempo nos idos de setenta, em que a vontade amordaçada se fez grito de liberdade, muitos, como o imortal José Mário fizeram da voz e da guitarra manifestos de intervenção. Ele, Zeca, Fausto, Sérgio Godinho, Paulo de Carvalho, Manuel Freire, Francisco Fanhais, Adriano Correia de Oliveira, Ary dos Santos e a sua prosa poético-trágica de intervenção fizeram da Revolução uma festa, a festa merecida sim, porque pessoas felizes cantam a alma. Neste caso, a alma do Povo, assim com letra bem grande, porque se há quem o mereça é ele, somos nós, o Povo.
 
Bem, eles nasceram, cresceram e ficaram. Todos nós, mais ou menos velhos, somos capazes de enumerar muitos deles. Porém, alguns, apenas nasceram e passaram. O correr do ditador tempo enclausurou-os para sempre na redoma do esquecimento. São eles, agora, tirados desse baú chamado memória que, aqui, nos pretendemos recordar neste 1º de Maio.

Ermelinda Duarte



“Somos Livres” (Valentim de Carvalho) ou, simplesmente “Uma gaivota voava, voava…”, canção que cristalizou Ermelinda nos idos de Abril. Criada e cantada por Ermelinda Duarte, produzida por José Cid, “Somos Livres” e parte da peça de teatro Lisboa 72/74” da autoria de Luzia Maria Martins, esta música acabou por ser a pièce de resisténce, e quase única, da cantora que, acabaria por se esfumar em esquecimento no arrefecimento da Revolução. Ainda lançou um par de singles ("Cantar Lisboa" e "Lisboa Num Pregão “ – 1981). Porém, algo poderá explicá-lo. Ermelinda sempre foi actriz e as cantigas um aparte. Participou em várias peças de teatro e séries televisivas dedicando-se, agora, à dobragem de desenhos animados.
 
Ermelinda Duarte, “Somos Livres”




Maria do Amparo




Ex-mulher de Carlos Alberto Moniz integrou, com este, os grupos Efe5, Improviso e Grupo de Outubro (o mais importante na “luta” de entre os três) e do qual saíram diversos discos. Depois daqueles verões quentes de 74 e 75 ainda chegou a participar no Festival RTP da Canção. Actualmente é casada com Samuel Quedas, antigo músico de “Abril” e arqueólogo da música popular portuguesa, e continua ligada à música através dos projectos que mantém com este.
 
Maria do Amparo com o Grupo Outubro em “A Luta Vai Ser Dura Companheiro”:
 
 
Maria do Amparo e Carlos Alberto Moniz no Festival RTP da Canção 79’ com “A Outra Banda”:
 



Samuel Quedas




Apadrinhado por Zeca, Samuel entra na onda subversiva (aos olhos do regime) em 1972 com a música “Cantigueiro”. Depois do 25 de Abril participa, à semelhança dos seus “camaradas de armas”, em várias sessões de Canto Livre e atira-se à feitura de um EP onde se poderiam encontrar músicas como “O Povo Unido”, “Venceremos” ou “De Pé Pela Revolução”. De lá para cá, participou em vários festivais RTP da Canção, que quase vence em 1984). Em 1997 grava o disco Trovas do Vento que Passa, álbum integralmente composto com temas de Adriano Correia de Oliveira. Em 2011 foi galardoado com o “Prémio Carlos Paredes” pelos 40 anos de música. Continua a gravar e a compor para outros artistas apesar de nunca ter atingido o apogeu como no período pré e pós revolucionário.
 
Samuel Quedas e o seu “Cantigueiro”:
 



Luís Cília


 
Um pouco mais conhecido do que os restantes, Luís Cília, é o autor de “Avante Camarda”, hino não oficial do Partido Comunista Português. Depois da “resistência” passada em França, e doa qual resultou o “Avante”, Luís editou durante três discos durante o período revolucionário. O Guerrilheiro (74), O povo unido jamais será vencido/Uma Palavra antiga (74) e Resposta (75). Vários discos depois e muita poesia à mistura, o último registo discográfico de originais de Cília data já de 1995, altura em que editou Bailados - Música para bailados.
 
Luís Cília e este emblemático “O Povo Unido Jamais Será Vencido” de 1974:
 


António Macedo

 
Carreira curta, canção enorme. Assim poderia ser descrito António Macedo. Particularmente interventivo na Revolução, este cantor é o autor da música “Canta, Amigo, Canta”, canção que se lhe sobreviveu (faleceu em 1999) e se tornou um dos ícones do 25 de Abril. Para além desta, compôs e gravou “Só Te Peço Que Não Pares”, bem como “Casamento da Menina Manuela”, “Rei Posto” e “Cigana”, estas duas, parte integrante de um single (edição de autor) em 1986, última referência musical deste cantor de Abril.
 
António Macedo e o seu “Canta, Amigo, Canta”:
 


Fernando Gonçalves
f.guimaraesgoncalves@gmail.com
01/05/2016