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ONE EYED JACKS - Dançar em Família



Formada em 2011 por Marco Rodrigues e Miguel Evaristo – que em conjunto são os Photonz – a ONE EYED JACKS tem vindo calma e subtilmente a cimentar uma posição fulcral no seio da música electrónica mais dançável. Mais do que uma simples editora, a OEJ funciona como uma verdadeira crew de produtores, DJ's e designers, unidos por ligações puras de amizade e respeito mútuo. Uma família, portanto. A conversa com alguns dos seus elementos teve então lugar numa mais do que adequada festa de aniversário, em casa da Inês Coutinho – AKA Violet -, como que a cimentar esse mesmo lado sentimental e de transparência que a faz pulsar. Aquele sentimento inicial algo estranho de ser um party crasher rapidamente se dissipou perante a simpatia dos anfitriões, e do modo mais descontraído possível começámos a conversa com o Marco – Photonz, Sangue de Cristo e Escravos de Zonk – com a Violet – também das A.M.O.R. - a que se juntariam depois, vindos do Algarve, o Igor Inácio – AKA Lost in Space e metade dos Roundhouse Kick na companhia da Adriana Lourinho – e o Fernado Silva – Pal + -.



Inevitavelmente, há que traçar a génese da OEJ. Nas palavras do Marco “a OEJ surgiu um bocado de um impasse. Nós tínhamos lançado os discos na Dissident, e o pessoal começou a associar-nos com o House old school exclusivamente, e a procurar apenas malhas nessa onda. E então, nós começámos a fazer coisas diferentes e não conseguíamos editora para prosseguirmos na direcção das coisas que queríamos fazer”. A essa necessidade juntou-se o sentido de oportunidade, potenciado pelo encontro entre os Photonz e o Jackmaster – na altura parte da Rub a Dub - na Red Bull Academy. “E fizemos-lhe a pergunta meio à parva, se ele estaria interessado, e ele disse que sim”. Um processo quase casual, formalizando um sonho que de modo mais ou menos latente já há muito passeava pela cabeça do duo, com nome “roubado” ao bordel do Twin Peaks. Inicialmente, a ideia passava por editar apenas discos de Photonz, como condição da Rub a Dub em que “eles financiavam a cena, se fosse só Photonz”. “E depois começámos a tentar convecê-los a editar mais pessoas, à medida que fossem aparecendo artistas mais ou menos próximos a começar a desenvolver-se”. Numa espécie de alinhamento cósmico, tudo isso veio a formar um “puzzle um bocado difuso”, para onde foram convergindo diversas identidades em mutação – a formação dos Roundhouse Kick ou as primeiras experiências de Pal + no anonimato - e que viriam a formar esse núcleo duro da OEJ.



No entanto, ainda antes dessa visão da OEJ como crew, tinham já sido lançadas as sementes da editora, através dos essenciais Aquarian Ball e Lamborghini Funk dos Photonz. Discos onde a música do duo se espraiava para o psicadelismo com o coração do lado certo – a melodia central da “Xabregas” ou o build-up absoluto de “Aquarian Ball” romantizam os anos de ouro da KAOS e das compilações da Alcântara Mar para a eternidade – e a mente a vaguear por todo o lado. Ponto de partida que teria com a edição de Ponta do Mato / Cova do Vapor de Sangue de Cristo – projecto que une os Photonz a Tiago Miranda – a primeira investida para fora do epicentro Photonz, sem cortar o cordão umbilical. Criada a identidade da editora, para a qual em muito contribui também a singularidade do trabalho gráfico de Márcio Matos – AKA Javenger Dourado e “primeira e única escolha para definir a imagem do grupo” -, seria na passagem de ano de 2011 para 2012 que as esta rede de ligações se estreita para algo mais comunal.

Um dos momentos chave para o Marco, onde sentiu de modo mais presente que “havia uma crew de certos artistas que queríamos editar. E o pessoal dava-se bem, e havia uma espécie de mindset igual”. Algo que, no caso da relação deste com o Igor já vinha sendo “desenvolvido há muitos anos” mas que, em maior ou menor escala existia já em potência entre todos, através do conhecimento da música que vinham a criar. O contínuo natural de uma relação que partindo de afinidades partilhadas evolui para uma amizade, a que acresce o factor importantíssimo de todos eles fazerem alguma da música mais urgente do agora, com reconhecimento mútuo disso mesmo. São essas as premissas bases que sustentam a OEJ, sem qualquer tipo de agenda com vista a uma entidade estanque e fechada.



Acentuando “esse mecanismo já existente” Marco vê a crew como “uma plataforma que nos ajuda a todos”. Algo “que começasse a despegar de uma cena muito em volta de Photonz para ser a plataforma deste grupo. Para editar música deste pessoal e promover a interacção entre eles”. Em jeito de brincadeira falou-se até num live act de um OEJ All-Stars em que seria “cada um com uma máquina”, mas se algum dia essa ideia for levada mais a sério, certamente podem vir dali óptimos resultados. No fundo, o “plano para o futuro é continuar a curtir, e curtir cada vez mais. E dar as boas vindas aos novos membros”. De onde se depreende que apesar da cumplicidade criada entre estes artistas numa base de “mentalidades semelhantes”, a OEJ não é sinónimo de um clube exclusivo e impermeável.

Até porque a partir desta rede, criam-se elos de ligação para outros artistas por intermédio de cada um. Encontrando pessoas em que se “sente o vibe, que é família de certa forma”. Como as jams dos Roundhouse Kick com o Theodore Allen e descobertas fortuitas com produtores que de algum modo não “encaixam em lado algum e que é o que une estes vários artistas”. Ou seja, a demanda progressiva pela idiossincrasia e a personalidade enquanto vias para a criação. Fora de referências óbvias e facilmente cartografáveis. “Ter uma crew forte e consolidada, não necessariamente fechada, mas com o vibe certo. E fazer com que haja mais pessoas a comprar os discos, e possamos editar mais discos e mais pessoas. Mas não dispersar muito o vibe também. Acho que têm de ser as pessoas certas. Eu não queria agora pegar num artista já com following e editar. Isso não faz sentido na OEJ. O que faz sentido é editar esta malta que tem esta visão que teima em demorar a acontecer”, resume Marco para concluir que “para ter esta vibe precisas de ter pessoas que acreditam mesmo nisto e se inter-ajudam”.

Patente em todas as actividades que envolvem a OEJ, está essa mentalidade de recusa perante o mercantilismo estéril, assente numa pureza de princípios quase casual, mas audaz na procura pelo único e singular. Apesar destas tentativas de traçar um perfil geral que abarque todos estes projectos, apenas centrando as atenções em cada um destes projectos se consegue chegar a uma visão mais compreensiva daquilo que faz a OEJ. Desde logo, na relação que cada um deles tem com o clubbing e a música de dança. Da parte do Igor e dos Photonz trata-se de uma ligação já com longo historial e com profundo conhecimento dessa realidade. O primeiro embrenhado na magia clubber numa altura em que ainda “existia uma cena rave no Algarve, em particular da Locomia”. Falando também de “festas no campo organizadas por ingleses” como fundamentais para uma compreensão alargada e in loco de todo essa euforia. Já o Marco dos Photonz é um digger compulsivo, que das cassetes gravadas pelo irmão em plena efervescência da Kaos ou Question of Time, passou pela troca de ficheiros no saudoso Soulseek – que foi once conheceu o Igor – e acumula já incontáveis horas de aprumo técnico e narrativo atrás dos pratos.



No caso da Violet, foi “pelo hip-hop, e depois do hip-hop para a bass music. E só depois para a house e para o techno”. Em parte através da exposição motivada pela participação na Red Bull Music Academy e pelo na trabalho na Flur. “Historicamente gostava house comercial, mas por exemplo, quando ia ao Lux podia curtir, não adorava a cena da martelada”, o que lhe veio a possibilitar uma “visão um bocado naïf da música de dança”. Ou como sem um leque referencial muito vasto, atinge o estado de graça anímico e físico do 4/4 de um modo quase inconsciente e subliminar. Aquilo que se ouve em Collective Data, onde a house intercepta a via da uk bass carregando consigo uma parte significativa da sua árvore genealógica – grime, 2-step, etc.

Assumindo claramente uma faceta de diletante pouco preocupado, o Fernando passou por uma adolescência enredado naquilo que outrora era apelidado sem qualquer vergonha ou descaramento de rock alternativo - “coisas óbvias, como Pearl Jam ou Smashing Pumpkins” - com passagem natural pelos sucedâneos industriais high profile de uns Ministry ou Nine Inch Nails. Até chegar ao Dig Your Own Hole dos Chemical Brothers, e com isso a “um admirável mundo novo”. Ainda hoje, um álbum fundamental para que começasse a criar música. Estávamos em 1998. Hoje, considera-se um gajo pouco atento e disperso, mas pelo caminho vai largando nomes como To Rococo Rot, Mouse on Mars ou Kraftwerk enquanto referências absolutas ao longo destes anos. Geograficamente, a Alemanha enquanto ponto de convergência. Como consciente ou inconscientemente tudo desemboca no kraut.

Tomado esse ponto de partida e de alguma forma dependendo dele mesmo, a obra que têm vindo a criar dispersa-se ao ritmo dos seus próprios processos. Tendo já bastante reconhecimento enquanto MC nas A.M.O.R., a Violet aproveitou o relativo hiato destas – com disco quase pronto, mas de encontros demasiado esporádicos para o completar – para desenvolver a técnica enquanto produtora, trabalhando aquelas que viriam ser as suas primeiras malhas a solo. O Fernando com passagem por projectos diversos como The Beatnick – onde cada música tinha o nome de uma pessoa – ou O Plano, até chegar ao colossal The Forest. Primeira edição de Pal + pela OEJ , onde procura “criar música que tente retratar paisagens”. Ouvidos os sintetizadores panorâmicos que atiram com o triturar rítmico em direcção ao cosmos, existe algo inegável nessa mesma afirmação. Com a imagem em mente, retrata-a “quase como um comboio, com aquele ritmo cíclico a contrastar com a melancolia da melodia”.

Com uma longa amizade de “mais de dez anos” por trás, Igor e Adriana têm vindo a explorar múltiplas ideias em jams que alimentam o pulso dos Roundhouse Kick, depois de tanto tempo em produção isolada. Algumas semanas antes desta entrevista, deixaram marca com um live act surpreendentemente fluído, preciso e libertador no Lounge. Agora que se ultimam os preparativos para o lançamento de Arm1x pela OEJ – obviamente – pode-se desde já adiantar que está para chegar mais uma peça fulcral para este work in progress fascinante. Dois originais em constante mutação, com um coração melódico que vai palpitando ao ritmo dos fractais que se vão encadeando, e uma remix do escocês Auntie Flo para o tema título envolta em círculos de marimba e percussão rasteira. Conseguindo a proeza adaptar todo o capture & release constante de uma jam gigantesca ao formato de uma canção.



Já para os Photonz, 2012 tem sido um ano de intensa actividade. Com dois óptimos lançamentos pelas britânicas Don't Be Afraid - Love Spectre - e Unknown to the Unknown - Veracruz - e um logo no início do ano pela igualmente essencial Príncipe - WEO/Chunk Hiss, regressam agora à sua residência no Music Box já no próximo dia 8 de Novembro, na companhia de DJ Haus, Violet e Mo Junkie, depois de terem andado a espalhar boas vibrações por Londres e um pouco por todo o lado aqui pelo burgo. Sem nunca descurar os planos de crescimento salutar da OEJ, ficam lançadas algumas sementes para um futuro mais próximo : “uma compilação temática chamada Dead Cities, o disco de Roundhouse e uma outra compilação chamada Untied Knots”. E também para um futuro mais distante, que pode passar por edições de Kruton – outro “expatriado” aquando da implosão da Dissident – e Mharia – alter-ego de Ivo Pacheco, onde uma dança sufocante se revela algo com bastante mais interesse que as investidas sorumbático-bacocas de IVVVO – entre outros projectos mais ou menos vagos. No final e apesar de um certo desconforto perante algumas algumas metodologias pouco francas de alguns promotores e agentes culturais sobre as quais não vale a pena estar aqui a dissertar, Marco não deixa de constatar que “em termos de potencial o futuro está bastante luminoso”.


Bruno Silva
celasdeathsquad@gmail.com
06/11/2012