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As dez melhores canções de sempre neste preciso momento #19 - Tiago Ferreira | Cavalheiro



Fazendo justiça ao seu sobrenome, Cavalheiro, que é como quem diz Tiago Ferreira (ex-Veados com Fome e Território), aceitou o convite do Bodyspace para escolher as suas 10 melhores canções de sempre neste preciso momento, aceitando os riscos e as consequências de tão malfadada eleição. De uma escolha que recaiu entre clássicos e menos clássicos (e até alguma musica erudita), conseguimos, num imenso golpe de rins, apanhar a espinha dorsal que permite ir de Veados com Fome até Cavalheiro, passando por Território, sem lesões musculares nem luxações. Na cabeça de Tiago Ferreira convivem alegremente os Led Zeppelin e os Low, The Field e Carlos Paredes, Schubert e Flaming Lips. A comunidade melómana agradece.



"Blessed Black Wings" , High on Fire: Foi a caminho, ou já em Gijón, que o meu caro amigo Joca me mostrou esta música, cujo riff inicial me derrotou retumbantemente de imediato. Sempre tive um fraquinho por stoner, acho até que quem não tem não é gente de bem, e esta música parece conseguir cristalizar tudo aquilo que me apela no género. Estende-se por quase oito minutos sem nunca perder, por um instante que seja, a intensidade, na verdade acrescenta-a castigando-me até ao zénite final.

Untitled, The Field + !!!: Nem nome, nem álbum nem edição tem esta colaboração entre o diamante da Kompact e os rapazes da Califórnia. Soa-me a um tratado de bom gosto que cruza o techno hipnótico de Alex Willner com a incrível toada rítmica do defunto Jerry Fuchs. Carregando-me em palminhas pulsantes. as guitarras fazem um jogo intrincado de arranjos ruidosos e discretos e o baixo dá as mesmas 3 notas do início ao fim, mas não precisa de mais.

"Since I've Been Loving You", Led Zeppelin: Tudo nesta música é extraordinário e falar de Led Zeppelin requer certamente muito mais categoria literária do que a que me calhou na rifa. Por outro lado falar do quê exactamente? Só me apetece dizer que foi gravada ao vivo e num só take e que ainda se consegue escutar o pedal de John Bonham a ranger antes de atingir o bombo. Um destes dias vinha na A3 à noite e ouvi esta música bem alto, fiquei emocionado.

"A Noite", Carlos Paredes: É a meu ver a música mais sombria de Carlos Paredes, cria uma tensão desconfortável nos primeiros versos, desapertando depois o garrote apenas para nos deixar respirar mais um sopro de medo. Escuta-se essa mesma respiração pesada, em esforço que contrasta com a fluidez das cordas tocadas por um homem que arquivou radiografias toda a vida.

"Are You Lonesome Tonight", Elvis Presley: Só recentemente soube que esta música se tratava na verdade de um clássico americano dos anos ’20. Pouco me interessou. É sem dúvida alguma das mais belas canções que já escutei, apenas uma guitarra e um coro amparam o colosso vocal, sobretudo quando este repete num quase-choro forçado “is your heart full of pain, shall I come back again?”. É também uma das melhores opções para quem gosta de dançar amarradinho.

"Plaster Casts of Everything", Liars: Tema comummente designado como um “malhão”. Lembro-me de ter ficado assustado a primeira vez que o ouvi, talvez por ser uma daquelas músicas que sempre quis ter feito mas afinal já existem. E esta em particular existe com um fulgor que só os Liars lhe podem dar. Fui vê-los a Guimarães há uns dois anos e o Angus disse que o cruzeiro iluminado da Penha lhe estava a segredar palavras. Assim é fácil, eles têm ajuda.

"Words", Low: Low foi provavelmente das primeiras bandas que escutei seriamente na minha vida. Considero ainda hoje o I could live in hope, um disco brilhante, música mais crua e despida que esta não existe. É estanho constatar que já se passaram 16 anos desde que isto foi editado, parecendo-me que o poderia ser amanhã.

"Piano trio in E-flat, Op. 100", Franz Schubert: Não sou de forma alguma um erudito da música clássica, mas este movimento é absolutamente arrebatador. Escutei-o pela primeira vez na banda sonora do Barry Lyndon, no qual é apresentado em diversas variações, sendo esta a minha favorita. Soube mais tarde que Schubert morreu jovem, doente, pobre e num quase total anonimato, o que me parece francamente injusto para quem compôs peças destas.

"I am the Walrus", The Beatles: Escolher uma música dos Beatles para integrar o que quer que seja, é das tarefas mais ingratas que se pode propor a um ser humano civilizado. Decidi por esta, mas podia ter escolhido outras duzentas. Não faz sentido, é uma manta de retalhos deliciosamente cosida pelo psicadelismo de Jonh Lennon (que nem é o meu Beatle favorito). É uma incrível embrulhada de LSD no fundo.

"Race for the prize", The Flaming Lips: Era ainda catraio quando vi a primeira vez Flaming Lips ao vivo, bem para lá das internets e da partilha desenfreada de música, que para o bem e para o mal, nos mantinha numa quase idade média musical até aos concertos. E ouvir esta música tocada ao vivo é uma experiência da qual ninguém deveria ser privado. É um hino triunfante de beleza e esperança, e provavelmente das melhores músicas que já alguma vez ouvi.


André Gomes
andregomes@bodyspace.net
22/02/2010