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Bandas Sonoras: The Cinematic Orchestra e Matthew Herbert



© Angela Costa

O mundo ainda sonha com a ideia da banda sonora perfeita. Com as melodias dramáticas envolventes. Com os ritmos de perseguição certos. Com a capacidade de um som modelar apadrinhar a imagem exemplar. Desde sempre houve a preocupação de associar a música a uma imagem e vice-versa. De associar um tom a um sentimento. De colocar a tónica sonora num acontecimento comovente ou numa cena pungente. De rir e chorar, de amar ou odiar personagens fictícias elaboradas com a finalidade de criar um universo paralelo para escape da realidade. É aliás completamente impossível dissociar hoje em dia um filme, uma peça teatral ou um bailado das suas devidas bandas sonoras.

O que seria da história do cinema, e a relação que temos com ela, se Also sprach Zarathustra de Richard Strauss não tivesse sido incluído em 2001: Odisseia no Espaço? Se a arte da composição de poemas sinfónicos de Strauss não tivesse sido inscrita na imagem ficcional de Stanley Kubrick? Talvez a ligação que temos com um clássico incontornável da sétima arte não fosse a mesma. Talvez os sentimentos de prazer durante o bailado espacial não fossem suficientes para gravar na memória tão singular momento estético. Ou o que seria de um James Bond sem um John Barry ou de Star Wars sem John Williams? O som com a devida envergadura dramática não só marca o cinema enquanto género artístico, marca também as gerações que assimilaram as histórias e com elas fantasiaram.

Concebido propositadamente, ou não, para um filme, ou criado para um filme imaginário e ainda por realizar, as bandas sonoras fazem parte da vida de todos quer haja um filme ficcionado e projectado numa tela quer o filme seja a realidade que nos abraça o quotidiano. E acaba por ser irrelevante se existe ou não uma película. Desde que a música imaginada sirva os propósitos, as próprias imagens surgirão na mente como resultado da sugestão. Cada mente realizará o seu próprio filme. A cada frame seu som. E a cada momento da vida uma trilha sonora.

Certo é que todo o músico ambiciona uma oportunidade de criar a banda sonora perfeita. E as novas gerações têm tido essa oportunidade, seja a The Cinematic Orchestra, Matthew Herbert ou até mesmo os Jazzanova. E algo os tem estimulado criativamente, porque os trabalhos produzidos têm sido na sua maioria eficientes e pundonorosos. Em baixo ficam as opiniões específicas para dois discos recentemente editados que têm o silver screen como alvo. Uns escrevem bandas sonoras de filmes que não existem. O outro faz uma súmula de verdadeiras trilhas sonoras. Vejamos...

The Cinematic Orchestra Ma Fleur
2007
Ninja Tune

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Um dos exemplos paradigmáticos na elaboração de bandas sonoras imaginárias é a The Cinematic Orchestra que desde 1999 – na estreia que foi Motion – se dedicou à causa da escrita inteligente onde a electrónica camuflada interage com o jazz, criando ambientes atmosféricos, intrigantes e resistentes tal qual tivessme sido concebidos para um qualquer filme. Desde sempre que Jason Swinscoe e sua pandilha imaginaram imagens inexistentes e compuseram a sua banda sonora. E disso têm feito sua vida, dentro e fora do estúdio. Excepção feita ao único verdadeiro momento de escrita sonora para cinema: a sonorização do documentário russo de 1929 Man with a Movie Camera de Dziga Vertov (que inaugurou o Porto Capital da Cultura).
O novo Ma Fleur marca a viragem do colectivo para outros quadrantes. A folk e a pop passam a fazer parte do léxico. A eloquência jazzística mantem-se, a humilde ambição de escrita para um filme também. O piano ganha visibilidade num sector folk, tal como a guitarra acústica. Os ambientes melancólicos sentem-se na pele. E as vozes de Patrick Watson ou da repetente Fontella Bass asseguram que o arrepio é eficiente. Ma Fleur é um mimo intimista que muitos estranharão ao início, mas o tempo acabará por provar que a viragem talvez tenha sido a melhor opção num período menos feliz para o nu-jazz e cada vez mais favorável à nova folk. Excelente.

Matthew Herbert Score
2007
!K7 / Popstock

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Por seu lado, o proficiente Matthew Herbert, homem capaz das mais invulgares arquitecturas sonoras, nunca escondeu o seu interesse pela composição de bandas sonoras. Os convites para escrita para o grande ecrã não foram regulares, mas houve convites que Herbert não desperdiçou. Juntando agora num único disco todos os temas criados desde Nicotine em 1997 até aos recentemente rejeitados de Manolete, o produtor britânico tem procurado para cada filme um tom caracterizador, independentemente de ser uma curta ou longa-metragem.
Nem todos os dias são dias de génio e Herbert também nem sempre faz valer os seus argumentos. Score sofre de problemas de carácter. Sofre de dualidades psicológicas que retiram o brilho ao pensamento. A qualidade da escrita mantém-se, mas não cativa. Os momentos big band estão uns furos abaixo de Goodbye Swingtime. A faceta mais experimentalista de Dr. Rockit acomoda-se ao piano e deixa cair o paradigma dramático da imagem. E por fim o próprio Matthew Herbert ignora o estilo de produção - coerente na grande maioria - que o tem caracterizado a ele e ao equipamento de estúdio, avançando de olhos fechados em direcção de terrenos pantanosos que ainda não domina com certeza. Scale (2006) mostrava um produtor abrangente mas integro. Score mostra uma amálgama de personalidades que não revelam a mística necessária para concluirmos que o disco não passa de um colectânea irregular e com poucos motivos de verdadeiro interesse dramático.


Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com
14/05/2007