4AD vs. Awful Bliss: primeiro torneio de pugilato e medição de forças entre músicas
· 20 Nov 2006 · 08:00 ·

O ESQUEMA
Simples. Com a aproximação da data em que a WWE assentará arraiais no Pavilhão Atlântico, com dupla demonstração de luta-livre da divisão SmackDown!, optou o Bodyspace por uma abordagem diferente à música: sorteá-la aleatoriamente e proporcionar um confronto directo entre as suas qualidades e fragilidades. Serviram como cobaias duas compilações - uma que celebra certezas e outra que promove sólidos talentos e outros tantos aspirantes. Através de sorteio, definiram-se três músicas a cada um dos discos (a segunda compilação é dupla) e as mesmas foram distribuídas por três lotes diferentes. A música vencedora de cada lote garante presença numa final a que se antecipa um difícil juízo. Sendo que, neste caso, avalia-se a faixa isoladamente e não o disco em que se encontra inserida. De seguida, apresenta-se as escolas que fornecem os gladiadores.

PRIMEIRA COMPILAÇÃO
Forward 1980 (4AD / Popstock Portugal), ou um aglomerado riquíssimo de bandas mantidas sob a alçada da inestimável label britânica 4AD, que, com esta compilação comemora os seus 25 anos. Cartão bordado a ouro que junta numa mesma rodela o mais que firmado estatuto lendário dos Cocteau Twins, Pixies (esqueça-se a segunda vida dos mesmos) e Throwing Muses e outros tantos nomes que para lá caminham a passos largo, como é o caso dos bem-amados TV on the Radio e Mountain Goats (algures, os olhos do colega Rodrigo Nogueira brilham intensamente). Quando três quartos dos intervenientes são merecedores de obrigatória atenção, dificilmente falhariam os três tiros no escuro.

SEGUNDA COMPILAÇÃO
Songs for Another Place (Awful Bliss / AnAnAnA), compilação orientada pela italiana Awful Bliss, oferece à causa um tag-team de indie rock recrutado ao eixo Estados Unidos / Canadá e, desta lado do Atlântico, à actualmente orgulhosa Itália (cada um dos territórios contribui com um lutador). De imediato, a compilação tem a seu favor um triunfante artwork muito Tim Burton e o peso de incluir no disco reservado ao continente norte-americano um par de nomes que assinalaram muito positivamente o ano de 2006: a dupla Swearing at Motorists e o recentemente entrevistado Emil Amos com o seu projecto Holy Sons. O factor Materazzi pode eventualmente impor a sua matreirice no duelo e ninguém maldiz um italiano sem antes olhar por cima do ombro.

LOTE 1
Tarnation “Two wrongs won't make things rightâ€
Hirsches “Fill the Houseâ€
Micevice “Laca, the Sailor manâ€


Surpreende, desde logo, o primeiro lote de sorteados pela negativa, por não haver aqui qualidades ou argumentos predominantes que valham a passagem à final. Melodia na rota de sentimentos nostálgicos no caso dos Tarnation e Hirsches (ou Nathan Salsburg, se se preferir). “Two wrongs won’t make things right†denuncia em demasia a colagem ao clássico “Sleepwalk†- que valeu muito tempo de antena à dupla Santo & Jonny - sem arriscar alongar-se em demasia no inimitável slide de guitarra. Hirsches mune-se exclusivamente de guitarra e voz recém-adulta para render uma “Fill the House†que podia ser Ben Lee se tivesse amadurecido graciosamente. Os italianos Micevice não vão além de uma amigável música alternativa para camadas adultas. Pela simpatia e familiaridade, merece a passagem Hirsches num grupo onde era demasiado fácil singrar.

LOTE 2
The Mountain Goats “See America Rightâ€
Dolorean “Jenny place your bets (live)â€
A Toys Orchestra “Nena Lenaâ€


Pela atitude frontalmente lubrificada, “See America Right†é a emancipação em estado condensando que, em nome dos Mountain Goats, arrebata naturalmente o lugar de topo num lote onde a concorrência também não seria a mais forte – a faixa vencedora representa John Darnielle em pico tempestivo de auto-destruição e lançado a 90 milhas por hora num veículo que motoriza guitarra e ritmo que tresandam a asfalto americano. Ou seja, contrariando a ideia do expectante Romeu abandonado do último disco. Os Dolorean ficam-se por sóbria country genérica, enquanto que a Toys Orchestra funde doses equivalentes de Tom Waits em modo decadente e Morricone mais contemplativo. Surte “Nena Lena†o mínimo impacto, mas termina soberana “See America Right†dos Mountain Goats.

LOTE 3
Red House Painters “Summer Dressâ€
The Strugglers "You Win (acoustic)â€
Goodmorningboy “Parallelsâ€


Batalha sangrenta entre songwriters pacifistas. Ou nem tanto, se atendermos a que um dos envolvidos é Mark Kozelek, a que alguns já apontaram considerável dose de mau feitio. Ele que parte na dianteira com uma “Summer Dressâ€, onde a escassez de elementos combinados – voz, guitarra acústica e sofrido arranjo de cordas – denunciam a transição de Red House Painters para o mais intimista projecto Sun Kill Moon. No pelotão que persegue Kozelek, mais um solilóquio sensaborão - daqueles a que nos habitou Brice Bickford II com o enganador desígnio de Strugglers – e a reincidente sensação de que a Itália passa bem com escritores de canções limitados à facilidade feel good e dois acordes sentimentalmente desgostosos. Kozelek, à sombra de uns Red House Painters sobre ele debruçados, segue em frente.

FINAL
Hirsches “Fill the Houseâ€
The Mountain Goats “See America Rightâ€
Red House Painters “Summer Dressâ€


Pódio dominado por songwriters. Sem argumentos de maior que lhe mereçam sequer a presença, Hirsches é rapidamente arredado do ringue. Entre John Darnielle e Mark Kozelek, venha o diabo e escolha. Parece-me, contudo, que o senhor dos chifres morreria de amores pela vertiginosa letra de “See America Right†- I was shaking way too hard to think / Dead on my feet about to drop / Went and got the case of vodka from a car / And walked the two miles to the bus stop. O mais miserável John Darnielle vence justamente a competição.

Miguel Arsénio
migarsenio@yahoo.com

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