Matando dois coelhos de uma só cajadada #4 - É natal
· 24 Dez 2005 · 08:00 ·

É natal. Os sinos dobram. Os pássaros cantam. As pessoas, feitas parvas, param para ver uma árvore enorme feita de luzes. Descobrimos quem é que matou o António. Em “I’m getting back into getting back into youâ€, dos Silver Jews, há sinos quase natalícios. Ou pelo menos podemos fingir que sim. Também podemos, com alguma imaginação, ouvir natal em “Brown Eyes†do londrino Kano. Mas porquê tudo isto? Tudo isto é basicamente apenas porque não há assim tanto a ver entre os dois discos, e, para matar dois coelhos de uma só cajadada, junta-se os dois como música de natal. Sim, é melhor ignorar o disco de natal do Brian Wilson, da Diana Krall, ou do Gary Coleman (aqui é uma suposição, mas o Gary Coleman lança discos de natal todos os anos, veste o seu pullover mais natalício e lança um disco de natal). É melhor dar atenção a dois discos já com algum tempo que de natalício têm pouco, a não ser que a imaginação nos leve para lá.

Os Silver Jews sempre foram “a outra banda do Stephen Malkmusâ€, aquela que não eram os Pavement e à qual pouca gente ligava. Claro que se ignorava sempre a figura central da banda, o poeta-escritor de canções Dave Berman. Mas agora os Pavement já não existem e Stephen Malkmus já não canta em Tanglewood Numbers, o mais recente trabalho dos Silver Jews, apenas toca guitarra. A sua voz foi substituída pela voz da mulher de Berman, Cassie. Há que dizer que Berman é um rapazinho simpático, que usa t-shirts de manga cava a dizer “I HATE REPUBLICANS†e se manifesta, ao lado do enfant-terrible Harmony Korine, contra estupores americanos xenófobos que odeiam imigração, nomeadamente um radialista chamado Johnny B, que eles queriam deportar para o “pussy-stan†e que queriam substituir, tal como os outros xenófobos, com “mexicanos fixesâ€. Berman tem uma barba enorme, ar de velho e um medo irracional de apresentar as suas canções ao vivo. Kano tem 19 anos, é MC, vem da onda do grime, de Londres, e pergunta-se constantemente porque é que há tanta atenção sobre ele. É esta constante duvida que aparece em Home Sweet Home, o seu disco de estreia. Há quem diga que Kano é o novo Dizzee Rascal. Mas Kano não é bem o novo Dizzee Rascal. É muito mais comedido, a sua voz muito mais suave, e as suas letras, regra geral, percebem-se bem, e consegue fazer isso sem perder um flow invejável.

Silver Jews Tanglewood Numbers
Drag City
2005

“Haven’t you heard the news? / Adam and Eve were jewsâ€. Adão e Eva eram judeus. É o riff de guitarra de “Punks in the Beerlight†que anuncia a chegada do nat…perdão, de Tanglewood Numbers. Mas o tal optimismo não é assim tão optimista. Talvez possamos ouvir na mulher de Berman algum optimismo (ou menos pessimismo). “If it ever get really really badâ€, canta ela, para vir o marido assegurar “Let’s not kid ourselves / it gets really really badâ€. Logo a seguir há animais em “Sometimes a Pony gets Depressed†(onde é que está o optimismo nos póneis e na depressão?), que regressam em “Animal Shapesâ€, que tem a voz de Cassie no refrão e até tem violino, o que faz com que pareça ter saído de um celeiro. “How can I love you (if you won’t lie down)†começa logo por dizer “Fast cars / fine ass / these things / will pass†e “Time is a game only children play wellâ€. Há outras pérolas, como “You might as well say ‘fuck me’ ‘cause I’m gonna keep on lovin’ you†em “Sleeping is the only loveâ€, mas estes são alguns dos trechos mais memoráveis de Tanglewood Numbers. Musicalmente é mais campo do que cidade, para uma “banda†que vem de Nova Iorque, com country e folk numa mistura rock’n’roll sempre com o barítono de Dave Berman.

Kano Home Sweet Home
679 Recordings
2005

Kano é alguém que vive de contradições. No presente, podemos estabelecer um paralelo entre ele e Kanye West – e não é só por este rimar sobre o seu disco aparecer nas lojas ao lado do de Kanye West. Ambos concentram dentro deles a confiança e a insegurança. Assim, o mesmo Kano que se questiona sobre a atenção que lhe dão, sobre se não existirá gente a fazer o mesmo do que ele de uma forma melhor (“Sometimesâ€) é o mesmo que diz que é o Kano e que as pessoas deveriam saber o seu nome (“I Don’t Know Whyâ€). “I Don’t Know Why†é, aliás, o equivalente de 2005 a “99 Problems†de Jay-Z, com um riff samplado de “War Pigs†dos Black Sabbath e cowbell. É um dos bangers deste disco, e o que funciona melhor (o outro, “Typical Meâ€, acaba por ser um pouco banal). Home Sweet Home é uma estreia sólida, ecléctica, passa por muitos estilos, que não se cinge à cena grime que viu nascer Kano. Há um piscar de olhos a Dizzee Rascal, no tema “Nobody Don’t Dance No Moreâ€, que podia ser Dizzee se o flow de Kano não deixasse perceber o que este diz.

Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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