Matando dois coelhos de uma só cajadada #3 - Parcerias excelentes mas mesmo assim não transcendentais
· 02 Dez 2005 · 08:00 ·

Esta é a segunda instalação desta rubrica de frequência ocasional, tendo focado a primeira Sufjan Stevens e New Pornographers, sem lhe ter sido dado título. Talvez por preguiça, ou por se acreditar que há algo de comum em objectos díspares, ou mesmo por pura estupidez, temos aqui dois discos de 2005. As escolhas são quase aleatórias, podendo haver discos recentes ou discos mais antigos, mas sempre com alguma actualidade. Um deles é o EP resultado da colaboração entre o barbudo Sam Beam, o homem por detrás do projecto Iron & Wine e Calexico, de Joey Burns e John Convertino. São quase 30 minutos de bonitas canções tipicamente Iron & Wine (já eram todas antigas) com arranjos dos Calexico. Para quem não sabe, 30 minutos é a duração média de um disco dos Weezer ou de um tema dos Godspeed You! Black Emperor (ou Godspeed You Black Emperor!, ponham o ponto de exclamação onde quiserem). O outro é um longa duração de Danger Doom, a colaboração entre MF Doom e Danger Mouse, respectivamente, MC e produtor/DJ.

Ambas são colaborações que fazem todo o sentido. Os Iron & Wine e os Calexico vão beber à mesma fonte da folk americana, sendo que a barba de Sam Beam vai buscar referências bíblicas e uma paleta musical mais limitada – mas, ainda assim, vasta, como provou Woman King EP, também lançado este ano –, mantendo-se nos Estados Unidos da América, e os Calexico se viram para a fronteira com o México, com metais e festas mariachi. MF Doom usa uma máscara de metal (o que acaba por lhe tirar muita seriedade) e alude a todo um universo de personagens animadas, e já no ano passado, ao lado de Madlib, no projecto Madvillain, tinha feito de super-vilão. Danger Mouse tirou o seu nome do ratinho animado que tinha uma pala no olho e combatia o crime na velha Londres, e toda a sua música também parece assentar na transposição para a música do universo da animação. Ficou famoso por juntar o Black Album de Jay-Z ao White Album dos Beatles num muito mediatizado White Album e já teve outra oportunidade de ouro este ano onde mostrou o que valia: Demon Days dos Gorillaz.

Apesar de virem de espectros diferentes, um da folk, outro do hip-hop, estes são dois objectos pop que documentam colaborações de gente em pico de forma, mas mesmo assim não vão mudar o mundo nem são discos incontornáveis e/ou transcendentais. Mas isso não quer dizer que não sejam apaixonantes, extremamente bons e apreciáveis.

Iron & Wine/Calexico In The Reins
Overcoat Records
2005

O disco dos Iron & Wine com os Calexico soa exactamente como se esperava que soasse: são as canções de Iron & Wine com arranjos dos Calexico. E mais nada. Isso não é necessariamente mau, e até é bom, visto serem ambos projectos excelentes. É bom ouvir o barbudo em registo que não lo-fi, especial com as texturas todas que os Calexico adicionam à sua música. Slide-guitar, as baterias típicas de John Convertino e os metais (que soam pouco a festa, como é comum nos Calexico) são os ingredientes. Mas, mesmo assim, o todo é maior do que a soma das partes. “He Lays in the Reins†tem voz operática a cantar em espanhol e uma linha de contrabaixo poderosa e “Burn that Broken Bead†tem um trompetes com surdina, esta última numa urbanidade para a qual não existe paralelo nem nos discos de Iron & Wine nem nos discos de Calexico.

As canções são todas suaves e doces, a voz de Sam Beam está mais bonita do que nunca, é um disco perfeito para adormecer (não sendo nada aborrecido) e para embalar. O exemplo máximo disto é “16, Maybe Lessâ€, que tem vozes femininas dóceis e uma das mais bonitas prestações vocais de sempre de Beam. Fala de dois amantes adolescentes e é uma das melhores canções do disco. As composições não foram feitas especialmente para este EP, algumas delas tendo já algum tempo, Como é curto, In the Reins convida à repetição, é fácil ouvi-lo duas vezes seguidas e nem dar por isso. Mas, mesmo assim, consegue impor a sua presença na nossa cabeça, sendo memorável e um dos discos mais bonitos de 2005.

Danger Doom The Mouse and the Mask
Epitaph
2005

The Mouse and the Mask é um desenho-animado. O tema com Cee-Lo Green, ex-Goodie Mob e Dungeon Family, chamado “Benzie Box†epitomiza tudo: “His name’s Doom / they wonder just who is he / but don’t worry / believe he’ll get busy / when it comes / to poetry he’s got plenty / la la la / la la la la la laâ€. Um baixo sintetizado e uma bateria simples, com um sintetizador e um piano por cima. Logo a seguir entra a voz grave de MF Doom, no seu flow característico. Para além de Cee-Lo, há temas com Ghostface dos Wu-Tang Clan (“The Maskâ€) e Talib Kweli, de Black Star/Reflection Eternal (“Old Schoolâ€). As batidas passam por samples de metais, de violinos, de assobios e vibrafones, de teclados, de acordeões demoníacos, de velhos temas de programas de televisão, tudo muito lúdico e ao mais alto nível, tal como as letras. “Just as the mask / some people wear a mask / Don't mean that they did somethingâ€, no final de “Basket Case†e a introdução de “No Names (Black Debbi)†(“No, no, the other Debbi, Debbi, the teacher – Oh, you mean black Debbi – Whoa, whoa, whoa, why is she black Debbi? – No, not in a bad way, it’s just to tell them apart because she’s blackâ€) talvez sejam as letras menos cómicas e mais sérias do disco, mas, tirando isso, são apenas dois tipos, em pico de forma, a divertirem-se. Com a ajuda de alguns amigos, nomeadamente da malta da noite do Cartoon Network, como Space Ghost, que aparece num dos melhores temas do disco, “Space Ho’sâ€. E o resultado é aquilo que esperávamos que fosse: um óptimo disco. Algo correu bem quando o único defeito que podemos apontar a um disco é o de ter cumprido as nossas expectativas.as.

Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net

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