For Tune: catálogo afortunado
· 08 Abr 2015 · 23:01 ·
Obara International

Apesar do seu afastamento político e geográfico dos Estados Unidos da América, na Polónia sempre floresceu uma semente jazz, mesmo durante o período da “guerra fria”. Tal como vimos no recente filme Ida, até numa pequena cidade polaca se fazia uma ligação directa com o jazz americano (ouvia-se “Naima” de Coltrane), e a colectânea “Polish Jazz: Modern Jazz From Poland 1963-75”, editada em 1999, é uma boa porta de entrada na cena local, para quem esteja interessado nessa contextualização histórica. Entretanto os nomes de Tomasz Stańko (trompete) e Krzysztof Komeda (piano) ultrapassaram fronteiras geográficas e foram fundamentais na evolução da cena jazz europeia.

Mais recentemente, no último par de anos, a editora For Tune tem sido fundamental ao documentar a actual cena jazz e improvisada polaca. Como nota de curiosidade, a label arrancou com o disco Power of the Horns, um ensemble onde se incluía o baterista português Gabriel Ferrandini. O catálogo tem também acolhido grandes e históricos nomes americanos, como William Parker e Anthony Braxton, e editou discos de membros da geração americana mais recente, como Mary Halvorson e Chess Smith. E para breve estão prometidas edições de Evan Parker, Samuel Blaser, Sex Mob e Mostly Other People Do the Killing, entre outros.

Apesar dessa crescente dimensão internacional, o principal mérito da For Tune tem sido registar a recente vaga de improvisação polaca, pelo que será aí que vamos concentrar a atenção. Podemos começar por destacar quatro nomes que se têm afirmado pela produtividade e influência: Waclaw Zimpel, Maciej Obara, Piotr Damasiewicz e Gerard Lebik. Zimpel é um expressivo clarinetista de referência internacional (clarinete, clarinete baixo e tarogato). O saxofonista Maciej Obara é, apesar da juventude, um músico com uma actividade extensa, liderando um quarteto internacional, tendo-se já apresentando ao vivo em Portugal no Festival 12 Points (Casa da Música, 2012). Piotr Damasiewicz é trompetista imaginativo, Gerard Lebik é um saxofonista expansivo - ambos tocaram recentemente com o português RED Trio, numa colaboração que ficou registada no disco Mineral, que será editado muito em breve.



Um dos grupos mais representativos da estética For Tune será o quarteto Obara International, liderado por Maciej Obara, que conta com o pianista polaco Dominik Wania e dois noregueses: Ole Morten Vaagan (contrabaixo, já gravou com Júlio Resende) e Gard Nilssen (bateria, também dos Cortex e Bushmen’s Revenge). Se o primeiro disco do grupo, Komeda (2012), era uma homenagem ao histórico pianista e compositor polaco Krzysztof Komeda (1931-1969), o mais recente Live In Manghaa (2014) funciona como natural continuação. Nesta gravação ao vivo o quarteto apresenta um som eminentemente coltraneano, não só pela constituição instrumental, como pela energia do grupo, como pela liderança do saxofonista. Nem só de força vive este grupo, também se incluem momentos de ritmo mais baixo mas de alta intensidade sentimental (ouça-se “Unloved”).



Disco representativo da ligação da cena polaca com a cena americana (via Nova Iorque), é este quinteto Wojtczak NYConnection. Este grupo junta o palhetista Irek Wojtczak (saxofones soprano e tenor e clarinete baixo) com os quatro membros do Fonda/Stevens Group: Michael Stevens (piano), Joe Fonda (contrabaixo), Herb Robertson (trompete) e Harvey Sorgen (percussão). Fazendo jus ao título Folk Five, o grupo trabalha a partir de canções populares do folclore polaco, com arranjos de Wojtczak. O quinteto desenvolve um jazz aberto, com o soprador a integrar-se facilmente na dinâmica colectiva do quarteto histórico, numa articulação bem delineada.



Um dos mais atípicos registos da colecção For Tune será o álbum Chord Nation, gravado pela Nikola Kołodziejczyk Orchestra. Kołodziejczyk é pianista, compositor e líder deste ensemble de grande dimensão, além de assinar todas as composições. Incluindo um total de vinte e cinco músicos (!), aqui não se trata de uma tradicional orquestra de jazz, uma vez que junta músicos de três países diferentes, oriundos de universos distintos: da clássica, do jazz mainstream e da improvisação. A música da orquestra atravessa diferentes ambientes, com uma grande versatilidade, elegância e imaginação.



Contrabaixista com múltiplos interesses, Ksawery Wójciński vem desenvolvendo um percurso interessante, apesar da jovem idade (n. 1983). Integra um trio com Charles Gayle e Kaus Kugel e já colaborou com músicos como Uri Caine, Satoko Fuji, Nicole Mitchell, Ken Vandermark, Mats Gustafsson e Waclaw Zimpel, entre outros. Neste seu disco a solo, The Soul, além do manejo do contrabaixo (sobretudo no pizzicato, mas também no arco), Wójciński também se serve de outras fontes sonoras - piano, guitarra, bateria, percussão - incluindo a experimentação vocal (ouça-se “Hold on”).



Originário da Polónia mas actualmente a residir na Dinamarca, o trompetista polaco Tomasz Dąbrowski, convidou dois músicos dinamarqueses para o seu Tom Trio: Nils Bo Davidsen no contrabaixo e Anders Mogensen na bateria. Tendo estreado o grupo cm um registo homónimo na editora ILK Music, em 2012, este segundo disco Radical Moves vem confirmar as expectativas. Dąbrowski assina todos os temas e explana aqui o seu trompete sedoso, bem acompanhado por uma dupla rítmica sólida.

Além dos nomes já referidos, a label polaca vem revelando outros instrumentistas, compositores e improvisadores a merecer muita atenção, com edições que chegam numa regularidade pouco comum. Não ignorem este catálogo afortunado.
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com

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