Grilos Drone: um guia para "electrónica étnica"
· 17 Fev 2014 · 15:50 ·


Estava em São Tomé quando vi pela primeira vez um filme do Apichatpong Weerasethakul. Não surpreentemente comecei com o Uncle Bonmee who can Recall his Past Lives. Uma das características mais marcantes nos filmes deste realizador tailandês é a presença constante de ruído de fundo – um cri-crilar que invade a acção, fazendo parte dela e ao mesmo tempo desprezando-a enquanto primeiro plano da narrativa. Tive a sorte de ver esse filme num contexto em que o ruído da natureza e da “vida real” quase se sobrepunha ao do filme. O buzz envolvente nos filmes de Weerasethakul que convive de igual para igual com o mundo humano é comovente por isso mesmo: coloca-nos enquanto porção de um todo que é muito mais do que a soma das partes.

Na música, não poucas vezes sinto uma sensação parecida. Em compositores minimalistas como Terry Riley e Phill Niblock ou no drone dos Sunn O))), por exemplo, existe uma componente espiritual altamente viciante. Entre muitos possíveis, escolho três projectos musicais que considero tão bons como o som de grilos num clima tropical: música electrónica “étnica” e espiritual.

Kink Gong é Laurent Jeanneau, um francês a viver e viajar desde o final dos anos 1990 pelo sudeste asiático. Tem vindo a gravar música de minorias étnicas, que mais tarde trabalha enquanto field recordings misturando, sobrepondo partes do seu banco de sons e acrescentando uma componente electrónica aos sons captados. Colabora igualmente com o músico chinês Li Dai Guo. O seu segundo álbum, Voices (Discrepant, 2013), é uma das grandes pérolas musicais que o ano passado produziu.

Tuluum Shimmering é Jake Webster, metade dos Clime, um grupo britânico psicadélico-tribal. A solo, tem vindo a lançar desde 2008 inúmeras cassetes em edição própria ou pequenas labels. Com um som entre a música minimal e uma dream pop tropical, o white noise das suas gravações lo-fi e o vibe das suas composições transportam-nos para esses cenários de Weerasethakul com grilos e espíritos. Duas gravações recentes que merecem ser ouvidas são, por exemplo, Before us is our Ocean (Rotifer, 2013) e Raag Wichikapache/ Lake of Mapang (Space Slave, 2013).

O nome do projecto Rainforest Spiritual Enslavement encerra em si todo este conceito. O homem por detrás desta aventura é Dominick Fernow, mais conhecido enquanto Prurient, mago do noise. De todos, este é o projecto mais negro. A fórmula é, de certa forma, simples e altamente eficiente: percussões minimais processadas, um drone de fundo e algumas captações de pássaros para nos lembrar que estamos numa selva tropical assombrada por um qualquer Hearth of Darkness. Apesar de todos estes músicos serem ocidentais, o despretensiosismo com que trabalham a sua música felizmente afasta-os das ideias exoticizadas de world music, onde só existem gentios bonzinhos e pobrezinhos a cantar músicas alegres. Podemos encontrar nestes projectos exemplos de música tão universal como a espiritualidade.

Bernardo Álvares

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