As Melhores Canções de 2012
· 11 Dez 2012 · 03:46 ·
© Sofia Miranda

Pode haver programas informáticos malévolos que tentam adivinhar o seu sucesso mas as canções serão sempre uma ciência não exacta, algo do domínio do impalpável, matéria dos sonhos. Não é muito fácil explicar o porquê de uma canção causa mossa e outra passar ao lado. Tendo em conta a sua característica algo fugaz, e ao contrário do que acontece num disco com princípio meio e fim, as canções estão ligadas ao sistema nervoso central de uma forma mais intensa do que qualquer outro formato musical imaginável. E talvez seja por isso que não é tarefa doce explicar por palavras a preferência por uma canção. Mas nós tentamos. Oh, se tentamos. Tantas vezes quanto as permitidas. Dez por cada colaborador. Pode não ser um retrato fiel do que se passou em 2012 – será isso sequer possível? – mas dá uma boa imagem do que se produziu nestes últimos doze meses. Aqui estão elas. André Gomes


Alexandra João Martins
1
"Feels Like We Only Go Backwards"
Tame Impala
Se tivesse que seleccionar uma música para ouvir em loop até ao fim dos meus dias, esta seria a maior candidata. Por si só, está justificada a escolha. À primeira vez que ouvimos Lonerism esta não será, muito provavelmente, a canção que mais nos chama a atenção: há “Keep On Lying”, “Be Above It”, “Mind Mischief”, “Apocalypse Dreams”! Contudo, a simplicidade instrumental e os delírios experimentais de “Feels Like We Only Go Backwards”, em loop, captam e despertam as mais incríveis sensações. Atenta-se em todos os pormenores: o baixo tímido mas perspicaz, a espacialidade causada pelos sintetizadores, os teclados transcendentes, e o cantar de Kevin Parker, também ele dotado de efeitos, como porta de entrada para um inexprimível mundo sensorial.
2
"Something Good "
Alt-J
Os Alt-J fazem nada mais, nada menos que o protótipo de música fofinha, seja lá o que isso for. “Something Good” é apenas um exemplo daquela que poderia ser a melhor canção de An Awesome Wave. Apesar do concerto no Milhões de Festa não ter sido nada de outro mundo, não consegui tirar este álbum do mp3 até ao final do ano. A sintonia perfeita entre bateria e guitarras, dá momentaneamente lugar de destaque às límpidas teclas. Inconfundível, a voz nasalada de Joe Newman, parece sussurrar-nos a letra ao ouvido, debaixo de água, enquanto os múrmuros dos coros nos fazem levitar.
3
"Funtimes in Babylon"
Father John Misty
Tem o prazer de abrir um dos melhores discos do ano, Fear Fun, na estreia a solo de Joshua Tillman como Father John Misty. Nesta canção tudo parece ser preparado ao milímetro e bater certo, desde a entrada dos instrumentos à dos coros e das palmas. Fácil de ouvir e gostar, parece-nos sempre reconhecer a música de outro qualquer lado. Cruza o pop e o folk de forma a soar familiar e nostálgico. O uso pormenorizado do bandolim acaba por imprimir na canção o factor singular.
4
"If Anyone Tells Me ''It's Better To Have Loved And Lost Than To Never Have Loved At All'', I Will Stab Them The Face"
Matt Elliott
É quase unânime a escolha deste tema para vencedor da categoria de “Melhor Título de Música de Sempre” (e maior também). Títulos à parte, Matt Elliott mostra grande parte da sua genialidade nesta canção perfeita. Treze minutos de puro desabafo ao piano sem se tornar aborrecido, apenas triste. Dona de uma carga emotiva claramente pesada, onde os violinos acabam por chorar ao som de um vento só e melancólico. Há tempo para tudo, para a grave desilusão e para o rejuvenescimento puro.
5
"Candela"
VIVA
Victor Herrero foi uma das minhas muito boas descobertas deste ano a nível pessoal. A solo, com Josephine Foster ou com VIVA. Do EP destes últimos, Tiempo Para La Cosecha é difícil escolher apenas uma canção mas opte-se pela primeira que ouvi, “Candela”. Assente em ritmos e percussões de origem afro-tropical, a guitarra eléctrica como que chora a solo o paradeiro desconhecido de Candela. Como se não bastasse, junta-se-lhe um coro de vozes, também elas perdidas, que perguntam delicadamente: Donde estas Candela?. Um quase lamento memorável e transcendente.
6
"Lúcia Lima"
Norberto Lobo
Norberto Lobo já nada tem a provar. Mas se alguém ainda tinha dúvidas, pode sempre dissipa-las ao ouvir Mel Azul. É desse mesmo trabalho que sai o single Lúcia Lima. Preencher uma canção na totalidade apenas com o dedilhar de uma guitarra não é tarefa fácil, mas Norberto parece já sabe-lo fazer sem grandes problemas. Não se sente falta de vozes, de bateria, de baixo, nem de qualquer outro instrumento. As variações de tempo na própria canção criam uma espécie de monólogo que suprime possíveis lacunas de monotonia.
7
"Estrela Morena"
Memória de Peixe
Continuamos em Portugal e, por sinal, a Da Chick colaborou com os Memória de Peixe, nomeadamente no concerto do Milhões de Festa, aclamado por alguns como um dos melhores do festival. São só dois, uma guitarra e uma bateria, e o suficiente para fazer um dos hits de verão. Os riffs de guitarra limpos e refrescantes dão o primeiro passo em direcção à perfeita simbiose de loops, coros, distorções e bateria. Perdemo-nos e voltamos a encontrar-nos nos devaneios de Miguel Nicolau.
8
"Cocktail"
Da Chick
Finalmente uma mulher, finalmente portuguesa. A Da Chick, que filmámos e entrevistámos, foi uma das revelações femininas na música nacional. Com uma atitude sem merdas, regozijou, em parceria com os seus colegas da Discotexas, a electrónica portuguesa. Funk, funk, funk… Com nuances de rap. Quem conhece, não se esquece: "Let me introduce you To my side of the funk Classy, Nasty, Messy, Sassy And that's how I began. I am Freak, I'm Da Chick, it is time for you to know me. Your mom will think i'm pretty, And yes i'm pretty lovely".
9
"One out of Two"
Breakbot ft. Irfane
Mais disco. Desta feita vinda de França. Thibaut Berland sob o pseudónimo de Breakbot lançou este ano o primeiro álbum, By Your Side. No meio de tantas canções escritas hipoteticamente para um bando de adolescentes ébrios dançar, destaca-se o EP One Out of Two. Uma letra quase romântica cantada a vozes polifónicas acompanhadas de guitarras e teclados que por vezes roçam a banalidade. O engraçado é que resulta.
10
"Just Fall In Love"
Poolside
Os Poolside têm um novo álbum engraçado, Pacific Standart Time. Apesar do duo de Los Angeles não merecer um lugar nos trinta melhores álbuns do ano, mostraram que sabem fazer bonitas canções veraneantes, onde relaxar é palavra de ordem. "Just Fall in Love" é uma dessas músicas. Marcadamente disco, quer nas guitarras, quer no ritmo, e repleta de groove, é ideal para um fim-de-tarde ao pé da piscina a dançar ou a conversar, ou o que bem entenderem.

Ana Patrícia Silva
1
"Get Free"
Major Lazer
Não houve melhor antídoto a toda a berraria berrante do trânsito discográfico de 2012. É uma canção a contemplar o infinito, um enorme pântano com impulsos do dub aplicados a um rasto de melancolia e estridências médio-orientais. Sem a habitual sede do ruído e do bombástico dos Major Lazer, este é um tumulto no olho da tempestade movido a um compasso pedrado e contemplativo, com uma letra que alude à situação pós-Katrina e a ânsias de liberdade. Profundamente relaxante e com o seu quê de sedutor, muito por culpa da voz de Amber Coffman (Dirty Projectors), que arde em chama lenta.
2
"I Love You"
2NE1
É uma canção de múltiplos estímulos e do mais fino recorte, com as mãos no coração e os pés nas pistas, a mostrar a capacidade de reinvenção da k-pop. Desenrola-se numa arena de sintetizadores incandescentes, em várias camadas e diferentes segmentos (os Xenomania já foram reis nisto), a desafiar as leis da dance-pop e do formato canção. E as palavras são tão metricamente precisas e tão foneticamente ricas que até me esqueço que não percebo puto do que elas estão a cantar. O amor é um lugar estranho.
3
"King of Hearts"
Cassie
Uma canção como esta fez valer a pena toda a martelada de electrónica que se colou pegajosamente ao r&b. “King of Hearts” coloca Cassie no centro de uma pista de dança, mas não se acomoda nas típicas produções dance-pop. Tão dançável quanto o que tem poluído as ondas sonoras, mas tão mais vívida e cintilante, a produção envolve Cassie num caleidoscópio de sintetizadores e numa batida com balanço pélvico. Uma voz tão frágil como a dela encontra na invencibilidade da maquinaria electrónica um escudo ideal.
4
"Casa no Campo"
Capicua
“Casa no Campo” é Capicua de cadência mais suave, a explorar o potencial mais íntimo e emotivo do rap. O talento lírico encontra um instrumental à altura, produzido por D-One, com o sample do tema homónimo de Elis Regina e a guitarra cálida de Pedro Geraldes (Linda Martini). É uma canção de fôlego grande que tem o dom de descomplicar a vida, com palavras poderosas (“ter porte de mulher forte quando a vida me escolher”) e palavras simples que são setas no coração (“pão quente, terra molhada e manjerico”).
5
"Bombs"
Dawn Richard
Esta nem é a melhor música que ela deu ao mundo este ano – “Black Lipstick” é capaz de levar o prémio – mas, se é para partir tudo, que seja com esta. Uma produção estrondosa de batida dura e uma Dawn Richard guerreira em total controlo da canção, a comandar e apropriar-se do instrumental, fazendo dele seu servo e vergando-o aos imperativos da sua voz. Impõe-se, mas sem se espernear, a mostrar um lado mais agressivo e arrogante nas medidas certas. É isto que toca na minha cabeça quando ando na rua com ar de quem vai partir a cara a alguém.
6
"Climax"
Usher
Ninguém esperava isto – o Usher luxuoso de outrora unido a Diplo no momento alto das suas aventuras sónicas – mas isto é sublime. Diplo soube talhar-se à medida de Usher, numa produção contida mas intrincada (que inclui arranjos orquestrais do compositor Nico Muhly), conforme a intensidade emocional daquele falsete (e ui, que falsete). “Climax” move-se numa cadência pós-coito, mas isto não é música para procriar. É triste e desolada, a atravessar aquele relâmpago onde amor e dor se cruzam e confundem.
7
"Everything is Embarrassing"
Sky Ferreira
Uma canção sufocada de nostalgia que tem a música de dança no seu código genético, mas sem auto-confiança suficiente para pavonear-se na sua plenitude. Respira um minimalismo com os tons quentes da new wave, constelações de electrónica, as teclas pesadas de um piano e uma voz mergulhada em reverberação. Tudo isto a conjurar uma neblina que suspira os cacos de uma relação falhada. Co-criada por Ariel Rechtshaid e Dev Hynes, que produziu a igualmente recomendável canção-irmã “Losing You” de Solange.
8
"Mitologia"
DJ Marfox
O EP Eu Sei Quem Sou foi das coisas mais excitantes que se ouviu em 2012 e, a par do 12'' de Photonz, um aperitivo supremo do que a Príncipe Discos tem para mostrar. Há nele uma sede de explorar o enorme potencial sónico do kuduro e um fascínio pelas possibilidades tecnológicas. “Mitologia” é um escândalo de celebração – sem pudores, com a entrega total do corpo. Condensa um mosaico de culturas num espírito muito vívido e carnavalesco, movido a uma velocidade maníaca por entre estridências elásticas, pirotecnias de percussão, atrofios cerebrais e uma poesia melódica em puro transe.
9
"Disparate Youth"
Santigold
Uma canção com a voz magnética de Santigold, os riffs cáusticos da guitarra de Nick Zinner e os espaços cavernosos do dub não precisaria de mais nada. Acrescente-se a capacidade de juntar comentário social, existencialismo e reflexão numa canção pop de quatro minutos e temos um single triunfante. E quando entra a comunhão melódica do refrão não há como fugir. É um hino com groove no coração, talhado para gerações sem rumo e recheado de farpas anti-apáticas (“We know now we want more / A life worth fighting for”).
10
"Step In The Dance"
Mike Delinquent Project & Lady Leshurr
Mike Delinquent pressiona os botões certos num híbrido garage-grime-d'n'b, mas até fica esquecido pelo meio. Quem aqui governa é a poderosa Lady Leshurrr, promissora MC da nova geração britânica, que se metamorfoseia por entre o instrumental. O sabor da pronúncia dela, o timbre cartoonesco, o flow com bom balanço, a cacofonia de sílabas e onomatopeias, e tiradas líricas como “We've got champs, we've got rosé-é-é”, fazem disto uma delícia de canção. Se não bastar, é ouvi-la no enorme mindfuck de “Wonky” dos Orbital.

André Gomes
1
"So Will Be Now... (feat. Pional)"
John Talabot
Não é estranho que associem esta canção à palavra repeat - nem devem sentir-se culpados por isso. Porque é basicamente tudo aquilo que apetece fazer depois de mergulhar pela primeira vez em "So Will Be Now...", complexo e luxuoso manto emocional feito de sintetizadores, batidas e vozes que John Talabot criou a partir, imagine-se, de máquinas. Ouvir e voltar a ouvir até que esteja alojada no cérebro. Um tratado de luxúria e bom gosto. Um espanto.
2
"Get Free (feat. Amber)
Major Lazer
Uma batida simples, uma linha melódica aparentemente banal. E ainda outra – mais tarde outra ainda. Aparecem umas vozes do nada. E depois surge Amber Coffman (dos Dirty Projectors) a nadar naquela espécie de reggae subaquático. E de repente, quase como que por magia, uma coisa simples transcende-se e torna-se quase mágica. Não há grandes explicações para explicar o porquê de “Get Free” ser uma canção incrível. Raramente há para canções deste calibre. Excepto dizer: tudo aqui funciona.
3
"Running"
Jessie Ware
Veludo. Façam um inquérito na rua: ponham uma data de gente a ouvir esta canção e perguntem-lhes qual é a primeira palavra que lhes vem à cabeça. Será "veludo" 87% das vezes, “sexy” 10% cento, “não sabe/não responde” os restantes 3%. Para além de dados estatísticos, "Running" é um verdadeiro triunfo de Jessie Ware. Não são muitas as canções que à quarta audição parecem já um clássico: “Running” consegue-o. Como aquele robe de veludo que vestiram pela primeira vez, apetece usá-la a todo o momento.
4
"Candela"
VIVA
Quando os ritmos africanos de “Candela” surgem logo no início está toda a gente muito longe de imaginar que isto está prestes a transformar-se numa das grandes canções do ano. Primeiro porque VIVA deve dizer pouco a muita gente, e depois porque só quando as guitarras entram em cena é que entendemos a verdadeira dimensão de “Candela”. Longe de ser uma canção no sentido habitual da palavra, “Candela” é um momento de rara inspiração e um mo(nu)mento à simplicidade. Onde estará afinal Candela?
5
"Cosmo Concerto (Life is People)"
Bill Fay
"Cosmo Concerto (Life is People)" podia resumir – e resume – todos os motives pelos quais o regresso aos discos de Bill Fay é um sucesso. É aquele tipo de canção que se faz quando não se está preocupado em construir, consolidar ou manter de pé uma carreira. É aquele tipo de canção que se consegue quando se colocam ao serviço da música emoções reais e algum deslumbramento com a humanidade. É aquele tipo de canção que define um artista no tempo e no espaço. Ainda bem que Bill Fay achou que tinha mais alguma coisa para dizer.
6
"Fineshrine"
Purity Ring
Havia muitas canções para escolher do disco de estreia da dupla Purity Ring e quase todas podiam ocupar esta posição de destaque. Mas “Fineshrine” é o diamante mais polido entre tantas outras pedras preciosas. Em 3 minutos e 37 segundos, ilustra a urgência, a luxuria e hedonismo com todas as ferramentas certas: batidas entrecortadas, sintetizadores robustos e uma voz que só apetece perseguir até ao infinito. E se os Purity Rings conseguirem levar alguém até ao infinito, aposto que será um lugar impecável.
7
"Shadow"
Wild Nothing
Com seis letrinhas apenas se escreve uma das melhores canções pop de guitarras que 2012 quis parir. É que tem tudo: banho de melodia, aquele ritmo certo para decidir mudar qualquer coisa na vida (ainda que passado meia hora tudo volte ao normal), arranjos de luxo, a dose certa de revivalismo (sem exageros) e emoção. Por emoção, quero dizer aquela sensação de peito cheio. Por peito cheio, quero dizer a capacidade de sonhar. E não é preciso dizer a ninguém o que significa sonhar.
8
"Wax Face"
Thee Oh Sees
Deve ser bem fodido fazer rock 'n' roll na mesma era que estes tipos. E angustiante. Num disco bem amplo nas suas escolhas, salta à vista uma canção que resume tudo aquilo que os Thee Oh Sees representam: “Wax Face” é insanidade, é uma descarga sónica, e, ao mesmo tempo, relevância. A começar nas guitarras vertiginosas e a terminar na voz demencial de John Dwyer, “Wax Face” é uma daquelas canções que chegam para mostrar que os Thee Oh Sees estão milhas à frente da concorrência. É que nem vale a pena tentar.
9
"How Do You Do?"
Hot Chip
Os Hot Chip continuam a perseguir a missão de dar às pistas de dança aquilo que elas querem e nem sempre conseguem ter em quantidade suficiente: canções pop perfeitas. Com o humor habitual (ver o videoclipe oficial é obrigatório), os Hot Chip conseguem em “How Do You Do?” o maior triunfo de In our Heads: todas as curvas certas, todos os botões aconselhados, todos os pontos fortes habituais, um daqueles refrões como só os Hot Chip parecem conseguir alcançar. E toda aquela atenção aos detalhes.
10
"Something Good"
Alt-J
Felizmente os Alt-J não são apenas aquela banda que venceu o prémio Mercury por causa do disco de estreia, An Awesome Wave. Também são uma banda capaz de escrever belíssimas canções pop e com uma simplicidade que chega a ser enternecedora. É certo que aquele piano de "Something Good" é capaz de mover montanhas; mas o resto é tudo quase despido, directo ao assunto, essencial. Sem grandes artefactos, os Alt-J escreveram uma daquelas canções que ficam gravadas na memória colectiva por todos os motivos certos.

Bruno Silva
1
"I Know"
Young Thug
À partida, um nom-de-guerre como Young Thug é tão genérico que imediatamente projecta a imagem de mais um rapper anónimo no seio dos milhares que andam a fazer pela vida por entre vídeos caseiros e incontáveis mixtapes. Neste caso, o mais óbvio dos nomes esconde uma persona distinta. Algures entre o Lil Wayne circa Dedication 2 e a sensibilidade autotuned de rappers de Atlanta como o Future, mas com a confiança de quem procura uma voz única, o jovem mitra vai-se aventurando por entre o canto, um balbuciar ininteligível, frases quebradas e demais desvios ao convencionalismo. Com uma capacidade incrível de sacar ganchos que perduram no meio de toda a experimentação, carrega uma aura incorpórea mas continuamente fascinante de que “I Know” é exemplo glorioso – em todos os sentidos da palavra. Memorável mesmo sem que se perceba quase nada daquilo que está a dizer, “I Know” reveste-se de toda uma euforia galvanizadora, com a voz dele a rasgar as cascatas incandescentes de sintetizador, para conduzir a canção com toda a segurança por entre o caos das rimas e a certeza do refrão. Foi a canção que mais vezes ouvi durante o ano, e também por isso merecia este lugar.
2
"Aaliyah"
Katy B, Geeneus e Jessie Ware
Homenagens à Aaliyah merecem por si só o meu maior respeito – mesmo que os resultados possam soar desajustados. Mais do que o simples reconhecimento choroso da sua grandiosidade e o inevitável sentimento de perda de alguém que partiu demasiado cedo – e no auge das suas capacidades -, “Aaliyah” converge toda a sua singularidade num balanço perfeito entre a resignação apaixonada e a veneração determinada de quem reconhece a imortalidade da cantora norte-americana. Liricamente irrepreensível - Aaliyah please / this is green envy / why must you taunt me, girl -, “Aalyiah” atinge a perfeição da química entre a Katy B e o Geeneus que já tinha dado origem a momentos brilhantes como “As I”, e traz para a equação uma Jessie Ware naquela que será a sua melhor prestação vocal até agora, num ponto de equilíbrio perfeito entre o choro quase beatífico desta última e a leveza intangível da Katy B. Saiu há menos de uma semana, e tem rodado continuamente cá por casa. Poderia e deveria estar no topo desta lista, mas as suas virtudes ultrapassam qualquer listagem mais ou menos inconsequente.
3
"You"
Bicep & Ejeca
Até certo ponto, "You" amplifica tudo aquilo que eu acreditava que alguém como o Burial conseguisse fazer se entrasse de modo bem mais descarado pela House, e se libertasse daquela clausura dormente do "vazio da vivência urbana" e cenas do género e olhasse para a pista como palco privilegiado. É também muito mais do que isso, de um modo particularmente eficaz. O baixo palpitante que se vai reanimando a estalos de percussão, com aquela melodia central a instaurar uma sensualidade misteriosa que se vai tornando vagamente ameaçadora à entrada de uma voz feminina carregada de delay. É a canção perfeita para estar a dançar sozinho no meio da pista, ou para micar a/o gaja/o que o está a fazer. Como se a solidão incitasse ao voyeurismo.
4
"Use Me"
Miguel
Kaleidoscope Dream é um disco praticamente imaculado, e poderia igualmente ter escolhido "Adorn", "Do You" ou o tema título para estarem nesta lista. "Use Me" seria uma escolha quase simbólica, não fosse também a canção que mais vezes me vem à memória. Um miasma denso de sintetizadores, efeitos e guitarras encharcadas em reverb que nunca se sobrepõe à vulnerabilidade da letra - "use me / wanna give you control / with the lights on / if I could just let go...". Com a voz do Miguel num acerto perfeito que nunca cede ao choro auto-comiserativo, "Use Me" equilibra-se entre a grandiloquência da produção e um lado humano quase palpável de uma forma praticamente inimaginável. Capaz de habitar a intimidade do quarto e a vastidão do estádio de igual modo.
5
"The Boys"
Nicki Minaj ft. Cassie
Ou como a Nicki Minaj continua a ser a melhor rapper feminina da actualidade quando não entra pelo crossover EDM rentável de coisas como "Starships" e "Pound the Alarm", e o mundo precisa de mais Cassie. Escrevi sobre ela extensivamente aqui, e na verdade não tenho muito mais a dizer.
6
"Trainman (Tensnake Tranceman Remix)"
Lauer
Na sua versão original, “Trainmann” já era uma das melhores canções de Phillips do Lauer, com o seu balanço nu-disco meets balearic contido a instaurar toda uma envolvência dançável através de uma progressão ordeira que nunca se fazia a grandes crescendos. Antes em voos cósmicos rasantes. Coube ao Tensnake idealizar todo o potencial explosivo de “Trainmann” através da auto-explicativa “Tranceman Remix”. Abrindo espaço por entre a melodia de sintetizador às custas da percussão e de uma melodia de marimba memorável, vai escalando sobre esse eixo continuamente até chegar ao momento de libertação absoluto para braços no ar e sorriso rasgado. Funcional de todas as maneiras certas, num ano que não foi particularmente feliz em hinos capazes de pôr technoheads e betos da linha a dançar num mesmo ritmo.
7
"Climax"
Usher
Algures neste espaço a Ana Patrícia já sintetizou as razões do brilhantismo da "Climax" de modo muito mais certeiro do que eu alguma vez conseguiria fazer. Como tal, resta-me apenas dizer que gostei tanto da "Climax" que nunca senti necessidade de ouvir o Looking 4 Myself, mesmo que possam existir para lá óptimas canções. Não chega para desculpar o Diplo de todo o mal que ele tem vindo a fazer, mas se isto for um indicador de futuro, talvez esteja no caminho certo para a redenção.
8
"Why They Madd"
Sasha Go Hard
Vinda da mesma fértil cena de Chicago de nomes como Chief Keef, Lil Reese ou Lil Durk, a Sasha GoHard rapidamente assumiu o seu papel de contraponto feminino na identidade rap dessa cidade - com a Katie Got Bendz na esteira. Sem entrar pelo "mantra" antémico de hinos como "I Don't Like" ou "Right Here", mas com o mesmo tom de desdém que alimenta os seus pares, a pequena rapper de 20 anos argumenta de modo incisivo sobre as razões pelas quais "os outros" estão fodidos com ela, e ganha a discussão de um modo quase casual. Sob o veneno da voz, o instrumental do Absolut-P vai palpitando de forma tensa, na linha de algumas produções do cada vez mais influente Mike Will, como que a evocar todo perigo latente das ruas, numa altura em que a cidade vê o número de homicídios entre menores a aumentar drasticamente.
9
"Ima Read"
Zebra Katz ft. Njena Reddd Foxxx
Num ano em que não só se ouviu falar sobre algo que rapidamente se apelidou de queer rap, como também se pôde comprovar in loco as razões do burburinho por via dos concertos de Mykki Blanco e Le1f, “Ima Read” continua a perdurar para a posteridade como a grande canção vinda dessa “cena” nova-iorquina. Há uns meses escrevi que ”"Ima Read" amplifica o minimalismo da produção ao ponto de se cingir à tensão do baixo e da batida sem qualquer apetrecho melódico. A voz profunda do Zebra Katz - serei o único a lembrar-me do flow narcótico do Maxi Jazz dos Faithless? - a repetir continuamente "Ima read that bitch" como um mantra dialogante com a coolness sleazy da Njena Reddd Foxxx, a serem tudo aquilo que alimenta a malha sem nunca se desvincular do tom ameaçador que paira sobre isto”. Passado este tempo, o facto de a ter apanhado a tocar um pouco por todo o lado é demonstrativo do quão importante ela foi em 2012. Compreende-se o silêncio editorial do Zebra Katz depois de algo tão imponente como isto. As expectativas serão sempre as maiores, e não esqueçamos a relativa inutilidade da Azealia Banks depois da “212”.
10
"So High"
Shadow Child
Da intercepção entre a House mais hedonista e a elegância oblíqua da UKG, tem vindo alguma da melhor música de dança das Ilhas Britânicas, e coube à Moda Black um papel de destaque nessa exploração. A compilação da subsidiária da Moda foi um exemplar perfeito de uma série de lançamentos infalíveis – com “Plezier Anthem” como hino -, de onde se destaca esta “So High”. Em parte porque a entrada do baixo é reminiscente da enorme “Red Alert” dos Basement Jaxx – nunca esquecer -, mas principalmente pelo confronto benigno entre a melodia em celebração e o abandono da voz que se vai imiscuindo por entre o sintetizador rasteiro. A lembrar Ibiza de todas as maneiras correctas, numa altura em que esta se assume cada vez como um paraíso antropológico, longe dos seus dias de glória.

Hugo Rocha Pereira
1
"Bomba Canção"
Diabo Na Cruz
Folk moda punk de cortar a respiração e levantar os pés pelos colarinhos, ou como detonar uma música em pouco mais de três minutos, espalhando cacos pelo rectângulo. Bateria, guitarra e baixo em vertiginoso ataque juntamente com a voz de Jorge Cruz, lançando pregões atrás de pregões para varrer Portugal de lés-a-lés. Diga-se, em abono da verdade, que esta música tem pujança suficiente para fazer abalar fundações bem mais sólidas do que as deste país a cair de podre à conta de moços de ovelhas que, durante as ultimas décadas, têm dado belos presidentes com queda para presidiários. Convém ouvir várias vezes se quisermos manter o rastilho aceso.
2
"Como Calha "
B Fachada
A atmosfera rejubilante dos fluorescentes anos 80, com um batida ultra-dançável revestida por sintetizador vaporoso, como se regressássemos às festas de garagem da adolescência, que nos ajudaram a perder a inocência por entre experiências alcoólicas e contactos no quarto-escuro. Ou como se entrássemos numa discoteca que já não existe, com bolas de espelhos e máquina de fumo, reaberta para uma noite especial antes de ser devolvida aos arquivos da memória. Se tudo isto não bastasse para rejubilarmos com esta viagem, sempre que escutamos "Como Calha" redescobrimos uma das letras mais desconcertantes desta colheita, que inclui "matar a velha das finanças / ou ser verde e amoroso no andanças / a encher as freaks todas de esperanças e lembranças / uma vida de caganças".
3
"Sábado à Tarde"
Feromona
Uma das belezas da música é adaptar-se a determinadas situações e momentos das nossas vidas. E esta é uma daquelas canções que apetece ouvir em repeat sempre que há energia para fazer tudo aquilo que não tem a ver com trabalho ou obrigações. Sejam actividades lúdicas (vaguear sem rumo aparente, ir para a praia ver miúdas em biquini ou apanhar umas ondas) ou programas que nos motivam especialmente, como discutir bola com os amigos ou sair à noite e beber uns copos. Mas também serve de banda-sonora perfeita para aqueles períodos em que nos apetece simplesmente não fazer nada, gozar o dolce fare niente e aproveitar o sol que brilha lá fora. Seja Julho ou Novembro.
4
"Too Tough to Die"
Neneh Cherry & the Thing
Da revelação (e disco) pessoal da colheita 2012 há muito mais por onde pegar, claro, mas esta malha condensa bastante do que faz de The Cherry Thing um disco soberbo e que vai ganhando pontos a cada audição: camadas de ritmo, experimentalismo e raiva. Free jazz e punk destilados em doses generosas pelos instrumentos deste trio nórdico (destaque para o saxofone lancinante de Mats Gustafsson) e uma voz que tem tanto de melíflua como de ácida, doses repartidas de fragilidade e empowerment - como se vítima e carrasco estivessem personalizados no espírito de Neneh Cherry, resgatada de longo exílio musical para um conjunto de prestações surpreendentes e que ficam registadas para memória futura.
5
"C"
Black Bombaim
Se o terceiro trabalho destes rapazes é Titânico, a faixa para aqui trazida não é menos do que Colossal. Começando no feedback e no riff introdutórios, que preparam o terreno para a chegada do saxofone. Que quando entra em cena é maior do que a vida, seja tocado em estúdio por Steve Mackay ou em cima do palco por Pedro Sousa. Espécie de mescalina sonora que se insinua pelos sentidos e expande a consciência com os toques xamânicos cozinhados pela guitarra de Isaiah Mitchell. Tudo cimentado pelo poder unificador/destrutivo do trio barcelense, que altera cadências emocionais e acelera numa estrada sem fim à vista. Dezasseis minutos de transe garantidos, ou pede-me o teu dinheiro de volta.
6
"Under the Spell of the Handout"
Cody ChesnuTT
A estética lo-fi e toda a vida de malandragem do maravilhoso The Headphone Masterpiece já não moram aqui. Se, por um lado, este Homem descobriu Deus e agora dá catequese a crianças, não se sentindo confortável a cantar músicas como "Bitch, I'm Broke", por outro optou pela sofisticação para construir as suas composições, por vezes orquestrais, onde se encontram pérolas como esta, que mantém o groove como uma das matrizes de Cody Chesnutt. Desde o piano da abertura à voz plena de soul, passando pela guitarra e os metais, tudo nos faz estalar os dedos e colocar os olhos no Céu, mesmo que aqui se fale de fome e falta de esperança na democracia.
7
"Dom Docas"
Pega Monstro
Bem sei que poderia ter optado pela maior complexidade e lirismo de "Akon" ou "Suggah", temas que funcionam (e muito bem) como espécie de contraponto neste álbum homónimo e abrem portas sonoras para o futuro musical das manas Reis; mas a meu ver o ADN de Pega Monstro está mais presente aqui. São 2:16 minutos de pura energia rock descarnada e sem adornos supérfluos (guitarra e bateria ao despique, pois claro), com o discurso directo e desassombrado de quem não tem problemas em repetir no refrão que "há gajas que gostam de levar na boca". Já estas preferem fazer malhas que partem os dentes de leite a muitos meninos.
8
"Le Rêve"
Bro-X
Agora que meio Portugal (como o Jean-Pierre do sonho dourado em formato de canção) volta a encontrar na emigração uma luz que brilha ao fundo deste túnel profundo - chamemos-lhe instinto de sobrevivência ou oportunidade, conforme sejamos realistas ou simplesmente enormes filhosdaputa -, talvez seja útil voltarmos a desenferrujar a mistura da língua materna com outros idiomas, seja o portunhol, o inglês de praia ou este franciú de quem regressa em Agosto de vacances à província. Como sempre fomos desenrascados, havemos de conseguir qualquer coisa para nos safarmos além-fronteiras, nem que seja a improvisar como nesta fábula versão manos do Xangai: "O que é que queres fazer? Eu faço quelque chose."
9
"Avejão"
Gaiteiros de Lisboa
Esta espécie de metáfora musicada a toque marcial conta com a valiosa participação de Sérgio Godinho, que dá ainda mais força a uma das melhores letras da estação. Este “Avejão” dos Gaiteiros faz crítica social e intervenção satirizando, o que não está ao alcance de todos. E o que se satiriza, então, aqui? Uma terra de patos (bravos, claro está) que mais parece um vespeiro, na qual «andam todos à bicada / para chegar ao poleiro»». Um retrato tão realista que faz rir e dói ao mesmo tempo, como se estivéssemos a ler passagens dos «Maias» e déssemos por nós a reflectir que isto não mudou grande coisa. O resto são coros e sopros a lembrar uma enorme gaiola cheia de pássaros esgrouviados.
10
"Here Before"
DJ Ride
O grande das Caldas regressa dos títulos mundiais de scratch (se em 2011 ele e o colega Beatbomber Stereossauro trouxeram o primeiro lugar para Portugal, este ano acabaram de conquistar a prata) com um disco menos arrojado em termos electrónicos do que o antecessor Psychedelic Sound Waves, mais próximo de registos que tinham o hip hop e o jazz como pontos de partidas referenciais. Nesta música faz uma síntese de luxo entre esses dois universos, batidas e efeitos em harmonia com a participação de Sarah Linhares, que nos transporta para um espaço e um tempo que misturam sonho e dança. p.s. - menção especial para outro malhão deste ano que conta com o talento de Ride no scratch: “Erasmus Girls”, de DJ Renato Alexandre.

Nuno Catarino
1
"Dream baby dream"
Neneh Cherry & The Thing
Com mais de uma década de vida, o trio The Thing - de Mats Gustafsson (saxofones), Ingebrigt Håker-Flaten (contrabaixo) e Paal Nilssen-Love (bateria) - vem trabalhando uma música improvisada de raíz jazzística, muitas vezes tendo como base o rock. Quando foi anunciado o encontro do trio com a cantora Neneh Cherry (estrela pop dos early 90's, enteada de Don Cherry), ficámos sem saber o que esperar, com medo que o resultado se aproximasse dos terrenos pantanosos do típico “jazz vocal”. Felizmente, o medo não se confirmou. O quarteto meteu-se entre material original e temas alheios e o disco abre com uma arrojada revisão de uma canção dos Suicide: com o trio a expandir a essência melódica do tema e a voz a explorar a letra como nunca se ouviu. Atenção, ali pelo meio há batota, além do quarteto surgem sopros adicionais, mas ninguém se importa com isso. Se a ideia original do encontro era uma homenagem ao trompetista Don Cherry (objectivo conseguido), não se ficou por aí; Alan Vega e Martin Rev foram também homenageados com esta belíssima revisão, que se estica quase até aos nove minutos de duração.
2
"Bad Religion"
Frank Ocean
É hora de ponta, um trânsito do caraças, Frank Ocean entra num taxi e faz do taxista o seu psicólogo. Um órgão de igreja dá a entrada solene para uma canção onde Ocean discorre sobre a infelicidade que é “amar e não ser amado” (AKA dor de corno). Produção simples, canção arrastada, em tempo lento, com a entrada das cordas a enfatizar a toada sentimental. Bem, já todos passámos por isto, não é verdade?
3
"Flagrante"
António Zambujo
Entre o fado e a canção ligeira inteligente, Zambujo encontrou um espaço/nicho muito seu. Com uma carreira em crescendo, este “Quinto” confirma-se como pico de popularidade e um dos destaques do álbum passa pelo apelo desta quase-single “Flagrante”. A partir de uma letra divertida, esta cançoneta irresistível descreve o rídículo da situação de se ser apanhado em pleno acto. Bem, já todos passámos por isto, não é verdade?
4
"Something Good"
Alt-J
Existem desde 2007, mas foi apenas este ano, com o lançamento do álbum de estreia An Awesome Wave, que ganharam visibilidade (e fãs e prémios e etc.). “Something Good” é um caleidoscópico referencial - batida trepidante, pontual pianada em espiral, uma voz enjoadinha/estranha. Estranhamente, o resultado é viciante - editado pela Infectious Music, esta malha é um vírus absolutamente infeccioso para os canais auditivos (desculpem, era irresistível).
5
"If Not I'll Just Die"
Lambchop
É verdade que os Lambchop nunca precisam de se esforçar muito para nos conquistar. Mas neste Mr. M Kurt Wagner volta a usar os trunfos todos e faz um incrível disco de canções aveludadas do princípio ao fim. A excelência do disco é espelhada nesta “If not I'll just die”: um título que arrepia, uma perfeição dos arranjos, a voz imaculadamente imperfeita de Wagner. Herdeira de um classicismo límpido, isto não é deste tempo, é uma canção desde sempre e para sempre.
6
"Medo do medo"
Capicua
“Ouve o que eu te digo, vou-te contar um segredo: é muito lucrativo que o mundo tenha medo.” É assim que arranca um dos grandes temas do disco de estreia da MC portuense Capicua (via Optimus Discos, de borla e legal). Numa altura em que a intervenção social e política é um dever cívico, Capicua usa as palavras para transmitir uma mensagem fortíssima, por cima dos beats certeiros de Ruas. Está na altura de deixarmos de ter medo.
7
"Become Someone Else's"
Jens Lekman
Um dos mais adorados escritores de canções vem da Suécia e há algum tempo que não dava notícias... Jens Lekman sobreviveu ao H1N1 e volta agora a mostrar um conjunto de magníficas canções indie-choninhas com as letras mais divertidas, irónicas e surreais. “Become Someone Else's” apresenta novas personagens numa conversa à volta do amor envoltas em arranjos sofisticados até que se desagua naquele imenso refrão repetido “become someone else's”.
8
"Going Home"
Leonard Cohen
Mais um dos grandes que está de volta e em grande. Neste novo Old Ideas o velho Cohen sussurra aos nossos ouvidos como quem seduz a Janis Joplin num corredor do Chelsea Hotel. A canção começa com Cohen a sair para fora da sua personagem: “I love to speak with Leonard, he's a sportsman and a shepherd, he's a lazy bastard living in a suit”. Esta apresentação irónica basta para sabermos que estamos perante o melhor Cohen, que aqui dá a voz a Deus, que diz ao cantor que deve ir para casa sem mágoas. Lá terá razão, já que depois de todos os discos e de todas estas canções, já estará na altura de descansar. Mais uma grande canção, dentro de um grande disco, que não fica mal ao lado dos clássicos.
9
"Myth"
Beach House
Quando chega um novo disco dos Beach House pensamos sempre “ah, ok, mais um disco...”. Mas assim que se carrega no botão do play somos absorvidos para dentro de um universo especial qualquer e ficamos lá suspensos, completamente vidrados por aquela ambiência poética juvenil, de onde não conseguimos sair até que o disco acabe. É um fenómeno inexplicável, que deve ter a ver com as guitarras espaciais, ou os teclados sonhadores, ou o charme burgês de Victoria Legrand ou...
10
"The Coast No Man Can Tell"
Bill Fay
O songwriter regressado ao activo, com o apoio de Jeff Tweedy e amigos, tem neste tema um final perfeito para encerrar o álbum, depois do grandioso “Cosmic Concerto (Life is people)”: “it's time to leave, to say goodbye”. O piano é a base simples sobre a qual a voz gasta de Fay alimenta esta pequena canção, de emoção - até a respiração faz arrepiar. Despedida perfeita, pois claro.

Nuno Leal
1
"Cosmo Concerto (Life is People)"
Bill Fay
Os regressos são sempre difíceis. Mas o belo está nisso, no regressar e constatar o que mudou, o que passou, em rever e se ainda der tempo, refazer, recomeçar. Bill Fay deve saber disso tudo bem mais do que nós, já está entradote como se diz, e longe vão os tempos em que deixou uns grãos de areia no oceano da música, grãos esses que deram praias formidáveis a quem as procurou. Bill confessou algures que foi o pai que o inspirou, porque sempre lhe dizia, era ele um miúdo, que a vida são pessoas. E canta isso de uma maneira que faz um eremita sair a correr para a cidade e abraçar a multidão.
2
"Hatch The Plan"
Andy Stott
Dois minutos iniciais de túnel industrial até chegar a voz da professora de música de Manchester (o próprio Stott o confessou), reciclada aqui como anjo não de Charlie, mas de Andy, e apesar deste DJ cada vez mais um músico contemporâneo berlinense de espírito, apesar de ser da cidade dos Joy Division, New Order, Smiths e Stone Roses e 808 State, onde nunca faltou cinzento, fábricas, nem pop nem eletrónica, mas os discos de Andy são ich bin ein berliner como este tema: fazem mesmo lembrar a entrada da mítica discoteca Berghain, a.k.a Panorama, o efeito do tal túnel de som que lá é uma escadaria, até ao céu do minimal, a pista central onde o techno é assim, sujo, industrial, ventoso, sensual mas com tara por máquinas.
3
"Walk Like A Giant"
Neil Young with Crazy Horse
Poucos poderiam cantar isto como Neil Young, 16 minutos de Grateful Alive com a sua banda de sempre a acompanhar o seu passo de GIGANTE, porque o é, dos maiores de sempre da história do rock, sendo Neil um dos poucos, quase nenhuns, que à medida que envelhece, permanece, absolutamente incólume, como se hoje ainda fosse ontem. Ironia justiceira do destino, o sobrenome de Neil Percival até é Young, e bem poderia ser Younger Than Yesterday de seu nome completo, como diziam os The Byrds. E no fim falo-vos do fim deste épico: pára tudo e fica a distorção a falar com o silêncio durante minutos. GIGANTE.
4
"Balada dos que já nascem mortos"
Tropa Macaca
Lado B de um disco que o tempo dirá como absolutamente essencial na história da música portuguesa, um colosso de ruído manipulado que os levou por esse mundo fora numa onda de boas críticas, isto apesar do monólogo português que nos leva a brincar com o estéreo questionando outras coisas, automaticamente a caminho para paragens psicoabsínticas, se é que existe esse adjetivo. Se não há, não importa, o que interessa é que como dizem os mais séniores, os jovens de hoje deviam é ir à tropa. Sublinho, sim, vão à Tropa. Macaca. Experimentem.
5
"Never Leave"
XXYYXX
Tem 17 anos. Tem 17 anos. Tem 17 anos. Tem 17 anos. É impossível ouvir esta faixa do seu disco homónimo misteriosamente com o símbolo dos Illuminati na capa e não pensar na idade de Marcel Everett, tal é a mestria com que domina, baralha e dá cartas numa sucessão de portentosos temas a la 2012, ou seja, apenas disponíveis em mp3, nada de físico, apenas uma imensa química imediata que o leva a ter milhares de downloads pagos no bandcamp e milhões de views no youtube apesar de ter apenas um video oficial e todas as outras canções surgirem no youtube ilustradas por fotos de mulheres tão apetecíveis como este pós-dubstep, cold-soul-chillwave, whateverdelic intensamente viciante.
6
"Epizootics!"
Scott Walker
Poucos conhecem tão bem outro lado espelho como o espantoso Scott Walker. Nele tudo evoluiu de uma forma invulgar e provavelmente sem paralelo. A sua música outrora entre a pop perfeita e a obsessão por Brel, entrou num vaudeville David Lynchiano de emoções e experiências que aos poucos descolou como nave espacial num universo próprio, único e inquestionavelmente surpreendente. Epizootics! é uma espécie de ponta deste icebergue, amostra de um disco maior, parte de uma obra imensa.
7
"Dance for You"
Dirty Projectors
Vem de um disco que merece palmas do princípio ao fim, começa com palmas como outra canção gémea que podia ser a que vos falo - Just from Chevron - a escolha foi difícil, obriga ao castigo de as ouvir dezenas e dezenas de vezes até decidir, oh castigo doce, e palmas para Dance for You. A forma como brinca com a melodia, a interação entre palmas, voz, guitarras e cordas assumem a condição de canção pop perfeita que num mundo perfeito deveria dar em todas as rádios de manhãzinha, ecoando There is an answer, but I haven’t found it, but I will keep dancing till I do uh uh uh dance for you pela porra da vida fora.
8
"Oblivion"
Grimes
De Vancouver para Montreal e daí para o mundo com Halfaxa e agora daí para o universo com Visions , na editora mais que certa, 4AD, esta miúda algures entre a vocalista dos Cranes a cantar algo ssopinha de masssa nos Cocteau Twins versão Seefeel remix, dá-lhe mas dá-lhe - passe a expressão - é empiricamente contagiante e não há remédio que nos cure.
9
"N.E.W."
Actress
Acreditem ou não se o falecido Neil Armstrong esteve lá, na verdade isso não interessa. O que importa é saber e reconhecer como e quando Richard D. James chegou lá, esteve lá. Onde? Ao outro lado, de onde já não se vê a Terra azul. Se calhar foi o primeiro a chegar lá. Este “N.E.W.” é o vaivém espacial que levou a bordo Actress até às pisadas do gémeo Aphex. Eletrónica quase sem toque humano, a beleza fria só possível com temperaturas extraterrenas, a canção de embalar do marciano turista.
10
"Better"
Teen
Grupo da a caminho de ser mítica Carpark, editora que lançou por exemplo os Beach House, lançaram um disco interessante mas que não está à altura deste single que tem a varinha de condão que emprega magia a umas notas simples e um refrão igualmente simples, mas que num ano como 2012 entra como faca na manteiga fora do frigorífico: I’ll do it better, better than anybody else ah! merece ser hino de uma claque, no mínimo. Obrigado miúdas, vou tentar seguir o conselho.

Paulo Cecílio
1
"Akon"
Pega Monstro
Sim, quem mais senão a juventude, a única fatia da população mundial que leva as emoções - ou seja, aquilo que nos distingue dos animais - aos pólos tal qual um baloiço vai e vem para nos relembrar o que é importante? Que as Pega Monstro são do que mais vital se fez nos últimos anos não haja dúvidas. Que continuarão a trilhar um caminho de sucesso por entre as sombras e o lixo do ódio estúpido e sem sentido (gajos do nunca ouvi mas odeio Pega Monstro, estou a olhar para vocês) haverão menos. Que "Akon" é a puta da melhor canção do álbum de estreia das manas lisboetas, mesmo com a forte concorrência das gajas que gostam de levar na boca e da valente escarra na cara das más-línguas que é "Suggah" (deixem-me, deixem-me confessar, eu sorrio que nem um niño de cada vez que ouço a Maria cantar este refrão), nunca existiram dúvidas sequer. O agradecimento é todo meu por terem-na tocado das duas vezes que a pedi, juntamente com malta que sabe tanto daquilo que é gostar de Pega quanto eu (olá, Ricardo Santos!). O agradecimento é todo meu por poder ouvir esta guitarra, esta maravilhosa guitarra cyan, sempre que posso. O agradecimento é meu por poder gritar a plenos pulmões EU JÁ NÃO QUERO IR MAIS À ESCOLA É SEMPRE A MESMA MERDA sem me sentir o tolo que sou. O agradecimento é meu mas é igualmente de tantos outros que não pensavam ser possível encontrar algo tão grandioso em tempos de cinismo. Tal como a malha: uma puta de vénia às Pega Monstro, se faz favor.
2
"Ay Shawty: THE SHREKONING!!!! (feat. Dankte)"
Kitty Pryde
Lembram-se daquele parágrafo sobre os miúdos a fazer música que já começam a irritar severamente? Pois, equivoquei-me. Ainda existe a Kitty Pryde, esse híbrido de Powerpuff Girl, geek do ciberespaço e ruiva petrarquista, que apareceu assim do quase nada (como aparecem todos aqueles que começam pela Internet) para brincar ao rap como se fosse gente grande. O que se destaca em "Ay Shawty" é sobretudo este beat escandalosamente belo e estranhamente drogado, uma nuvem de poeira que se instala no coração - não na cabeça - e um sussurro romântico que só uma miúda desta idade consegue ter - à medida que se cresce o amor parece que deixa de fazer sentido. Ah, quem mais senão a juventude para nos relembrar aquilo que é realmente importante? Meu Deus, sinto-me velho.
3
"A"
Black Bombaim
Não há palavras para descrever esta canção. Apenas o riff, o sentimento cósmico oriundo desta guitarra como se Barcelos fosse o centro espiritual do globo terrestre e de planetas por imaginar, e a voz do único senhor capaz de arrebatar o troféu "melhor vocalista português de sempre". Titânico. Simplesmente titânico.
4
"Start"
C(u)ore & Colours
Todas as listas precisam da certa credibilidade indie que lhes confira um estatuto especial; no caso desta, essa credibilidade não provirá tanto dos BnP como dos C(u)ore & Colours, duo de Lamego que anda há dez meses para responder a uma entrevista - esperemos que de demasiado ocupados a compor mais malhas como esta. "Start" parte de um sample dos enormes Can para criar uma canção demasiado bonita para existir apenas num EP. Tem de andar pela rádio, pelas bocas num assobio, por cadernos escrita por Bics adolescentes. Não pode ficar confinada àquele "disco porreiro que se ouviu um par de vezes". Tem de ir pelo mundo, começar um novo mundo. Tem de ficar em quarto lugar, infelizmente - mas se serve de consolo andou pelo primeiro durante bastante tempo. A malta de Lamego que comece já a pensar em novas aventuras ou iremos ficar muito chateados.
5
"Ashtray Wasp"
Burial
Com Kindred Burial voltou a reinventar-se - o que é uma excelente notícia e um ponto contra quem acusa a "cena actual", seja lá o que isso for, de já não conter em si qualquer tipo de originalidade. Isto, sim, cyberpunk na acepção literária da palavra, evocativo de futuros distópicos onde o ser humano e a máquina encontraram uma forma de procriar - e uma verdadeira sinfonia dubstep vinda de um dos melhores produtores dos últimos anos. Merece ser sobretudo escutada em vinil, por causa dos graves. Ou num comboio perdido rumo ao apartamento chato de subúrbio. Ou seja como for; não perder doze minutos a apreciar esta pérola é não gostar de música.
6
"Bodies In The Dunes"
Pop. 1280
Se a canção dos BnP nos faz querer gritar que queremos matar pessoas, "Bodies In The Dunes" ameaça levar-nos ao acto. Rock de ponta e mola, escandalosamente assassino e experimental ao estilo Sacred Bones. Eles chamam-lhe cyberpunk, eu prefiro pensar que é uma maneira de acabar na prisão por tempo indeterminado, após sermos encontrados de faca na mão junto a um corpo nu e sangrento pendurado num vão de escada. Ainda que o restante de The Horror, tirando um ou outro momento, não tenha aquecido nem arrefecido a lâmina. Patrick Bateman é capaz de gostar disto.
7
"The Apostate"
Swans
Swans é Swans. Vivos ou mortos. Industriais ou de abordagem mais tranquila. Com discos de quarenta minutos ou duas horas. The Seer, apesar da sua ambição - da sua salutar ambição - ficou uns furos abaixo daquilo que havia sido o regresso da banda em 2010, mas de um longo disco retira-se uma enorme faixa: aquela inspirada pelo demónio interior de Lady Gaga, aquela que o encerra em modo pós-rock-fim-do-mundo, esse mesmo que aí vem, e se for esta a banda-sonora que venha então rapidamente, morramos mas morramos com os olhos no céu a fitar a corda que de lá desce. GET OUT! GET OUT! GET OUT! Caro Michael Gira, Ben Frost é que o disse melhor. Nós amamos-te.
8
"The Fever (Aye Aye)"
Death Grips
Punk ou rap, não faz diferença - até porque quando os Clash lançaram a magnífica (eh) "The Magnificent Seven" ninguém se preocupou em rotulá-la num género específico. Entre mixtapes que correram meio mundo indie e confusões com editoras mainstream os Death Grips lançaram The Money Store, um disco "a sério" após a primeira experiência com Exmilitary, no qual se contava esta "The Fever"; ritmo louco, cuspidela atrás de cuspidela, e um dos melhores ganchos que se ouviram em 2012. Terá existido muito pouca gente imune e percebe-se o porquê.
9
"Cleanliness"
BnP
Do outro lado do mundo existe o punk. Niilista, agressivo q.b., e, ao mesmo tempo, fantasticamente slacker na sua execução: são os BnP, ora pois, banda Neo-Zelandesa que poucos ouviram, tal como em '77 ninguém ouvia as bandas de garagem que interessavam e que esquecidas estão agora pelo tempo. "Cleanliness", minuto e meio de rosnado, primeira faixa do EP de estreia, e dona de um verso que apetece gritar oh-tantas-vezes: I just gotta kill some people!. Se é isto a mediocridade - e se somos todos medíocres, que o somos - abracemo-la sem receios.
10
"About You"
XXYYXX
Tal como inúmeros outros géneros provenientes do mundo indie, a electrónica de semblante carregado e sorvedora do r&b e do dubstep atingiu rapidamente um ponto sem retorno de saturação - o que mais se ouve e o que mais se nota fazer mover a máquina do hype é o número infindável de projectos saídos da penumbra de um quarto de apartamento para a Internet, e, quanto mais novos os seus intervenientes e quão mais hábeis no manejar do Fruity Loops, melhor. XXYYXX, para mal dos nossos pecados, é isto tudo - bastava ter estado num Lounge a abarrotar de criançada sedenta de sangue, numa certa noite de Setembro de 2012, para o compreender. No entanto, pese a banalidade que foi a sua apresentação, há que dar o ouvido a torcer: "About You" é lânguida, sensual, e tristemente amarga, tal como o r&b, parece-me, deve ser. De tal forma que merece entrar aqui à frente dos novos mestres nesse campo. Desculpa, Miguel.

Pedro Rios
1
"EFX"
Teengirl Fantasy
Uma desconhecida Kekela ajuda a fazer de “EFX” o melhor momento de Tracer e uma canção que sintetiza muitas ideias contemporâneas (Laurel Halo, Fatima Al Qadiri, Ferraro). É um exercício R&B futurista com um maravilhoso refrão e um instrumental cheio de ideias. Maravilhoso jogo entre vozes sintetizadas e teclados, rumo ao futuro.
2
"Dean Blunt"
The Narcissist ft. Inga Copeland
Pós-dubstep devia ser isto, balanço narcótico quase descarnado de ritmo, fumo, fumo, fumo, uma voz frágil (a de Inga, companheira de Dean nos Hype Williams) e outra negra, profunda (a de Dean). Mas isto não é pós-dubstep: é mais uma peça no universo fascinante e que recusa rótulos de Dean Blunt e Inga Copeland.
3
"Como Calha"
B Fachada
Levados pelo sintetizador que glorifica o piroso e pela batida de órgão de feira, gingamos com cada palavra cantada por B Fachada, que em Criôlo tem mais um portento.
4
"Carlos T"
B Fachada
Não resistimos à dobradinha fachadesca. Cantiga de génio: pianinho insistente, sintetizadores a entrar de rompante como nos oitentas, Bernardo numa das suas melhores letras (“assentar até talvez casar/aquecer na cama o teu lugar/à espera de te ver chegar”).
5
"Nothing That Has Happened So Far Has Been Anything We Could Control"
Tame Impala
Escolho esta, mas é quase pim-pam-pum: Lonerism é rico em canções do ano. Espantoso monumento de sintetizadores dolentes, uma cantoria digna do cancioneiro dourado dos anos 60. O melhor argumento a favor do rockism em muito tempo (ou não será antes “Elephant”? Ou “Feels Like We Only Go Backwards”?).
6
"House"
Kindness
Ah, dançar juntinho; ah, melancolia na pista… Batida seca, teclados suaves, sugestões de música de dança que não se concretizam e um refrão lindíssimo (”I can't give you all that you need / but I'll give you all I can feel”).
7
"Only In My Dreams"
Ariel Pink
Mature Themes não nos convenceu por inteiro, mas guarda suficientes méritos para fazer roer de inveja qualquer tipo que se decida a fazer canções pop. “Only In My Dreams” é particularmente incrível: guitarras em filigrana ao jeito dos Byrds, Ariel impecável na cantoria, incrível jogo de vozes que demonstra conhecimento elevado do artifício pop. A arte da cantiga.
8
"Work"
The 2 Bears
Um disco sobre discos. Em ano de Hot Chip, o outro projecto de Joe Goddard passou relativamente despercebido. Não devia, sobretudo por culpa de uma mão cheia de canções. “Work” é previsível na forma como se apropria das fórmulas house-pop, mas é contagiante e confiante como poucas canções são em 2012. Totalmente não irónica, grande carta de amor à pista.
9
"Flutes"
Hot Chip
Sinto que não prestei demasiada atenção ao álbum dos Hot Chip, mas 2013 também é ano. Cantiga incrível que volta a ligar pop à música da dança como ninguém está a fazer (batota: “Night and Day”, do mesmo disco, também devia estar aqui só por causa do seu refrão).
10
"Akon"
Pega Monstro
O álbum das Pega é tudo aquilo que o rock português precisava – se bem que, se lhe dissermos isso, elas são capazes de se rir na nossa cara (e bem: o rock não precisa de nada, o rock quer-se tocado, ressuscitado de cada vez que um puto percebe que uma guitarra é um portal para o perigo). Mas “Akon” é particularmente incrível (e sabemos que já usamos esta formulação neste texto) quando Maria liga o fuzz e nos estarrece e estremece.

Rodrigo Nogueira
1
"Sorry"
T.I. feat. Andre 3000
À medida que uma pessoa cresce – e terá havido no mundo alguém que tenha crescido realmente? – percebe quando errou – e, convenhamos, estamos todos errados 99,9% do tempo – e tenta pedir desculpa ou emendar as coisas. Mas isso é óbvio. O importante, aqui, é que isto é o Andre 3000 em excelente forma (e o T.I. possibilita isso com a parte dele, claro, nunca o menosprezemos), numa prestação que ainda vamos estar a analisar daqui a uns anos.
2
"Chum"
Earl Sweatshirt
É tipo a biografia, a vida toda do Earl resumida numa canção tocante, mais tocante do que seria de esperar de algo saído da malta de Odd Future. Não que a sinceridade seja o indicador supremo para julgar música, mas acho que prefiro estar a ouvir sobre a vida dele do que os colegas a falarem sobre violar raparigas.
3
"Swimming Pools (Drank)"
Kendrick Lamar
Crescer num mundo, rodeado de uma cultura pouco ou nada saudável, mas não fazer parte dela? Observá-la à distância, envolvendo-se aqui e ali com ela, mas sempre de longe? São cenas que me dizem mesmo muito, e esta é capaz de ser a melhor canção do good kid, m.A.A.d city para incluir numa lista delas, mesmo que não seja a melhor.
4
"Losing You"
Solange
Tal como pessoas de quem gostas se metem em coisas horríveis (Jay-Z, estou a olhar para ti e para o teu disco com os Linkin Park, além de 40% do que gravaste na vida), gente de quem não gostas pode fazer algo que te diga muito. É algo que tens de aprender ao longo da vida. Se tentasse muito, não me lembraria de uma canção de Test Icycles ou de Lightspeed Champion, os dois projectos anteriores do Dev Hynes, só me lembro de que odiei o que ouvi, mas lembro-me disto. Mesmo não sendo perfeita – e isso há-de ser mais culpa dele que da Solange –, é óptima.
5
"Everything is Embarrassing"
Sky Ferreira
Esta e a anterior têm muito em comum, ou não tivesse o dedo do Dev Hynes (cuja voz também aparece no refrão, ou pelo menos ache que sim). O que me ensinou – estou a brincar, já tinha aprendido há uns tempos – que não podemos riscar pessoas para sempre. Um dia o Seth MacFarlane poderá fazer algo de jeito (estou a brincar, isso nunca vai acontecer).
6
"The Don"
Nas
Há uma série de anúncios da GAP em que o Nas aparece abraçado ao Olu Dara, o pai dele. São os melhores, a sério. Isso não tem nada a ver com a "The Don", mas apeteceu-me mencioná-los. que, apesar de não trazer nada de particularmente ao novo, é um daqueles hinos nova-iorquinos incríveis, em especial para um gajo que nunca saiu da Europa.
7
"This Summer"
Superchunk
Malha essencial que aparece em duas das compilações que andam em rotação constante no carro da minha namorada, banda sonora para viagens à praia e a Barcelos. E o Jon Wurster, baterista deles, continua a ser a melhor pessoa de sempre. 'nough said.
8
"Ecce Homo"
Titus Andronicus
Não há nada que eu possa dizer sobre isto que se compare ao que o Patrick Stickles diz no início desta cantiga: "OK, by now I think we've established everything is inherently worthless and there's nothing in the universe with any kind of objective purpose." Cabe-nos a nós, portanto, criar e encontrar esse valor. Acho eu.
9
"The Boys"
Nicki Minaj feat. Cassie
Melhor vídeo de sempre? Uma orgia de cor e luz e magia e um ambiente cartoonesco? Um festival disso tudo? A melhor máquina donde tirar GIFs animados do mundo? É isso que é "The Boys", e a canção, sacarina até ao tutano, mas com espaço para a persona Nicki Minaj roubada ao melhor do Busta Rhymes, também rende muito.
10
"Fuckin' Problems"
A$AP Rocky feat. Drake, 2 Chainz & Kendrick Lamar
Aquilo que eu disse sobre pessoas de quem não gostamos minimamente fazerem algo decente? É outra vez verdade, neste caso para o Noah "40" Shebib. Podemos finalmente admitir que não é só o facto de o Drake ter uma das vozes mais irritantes de sempre que faz com que a música dele seja má? E que o 40 não é, tirando excepções como esta, grande fazedor de instrumentais? Felizmente há excepções à regra.

Tiago Dias
1
"$4 Vic / FTL (Me and You)"
El-P
Sempre fui permeável a um certo hip-hop norte-americano que terá tido um pico aquando da explosão da Anticon. “Cancer for Cure” de El-P é um dos álbuns do ano e a canção que o encerra um épico para lá dos oito minutos que é a cereja no topo do bolo. “There are ghosts here, There's a presence there's a power, For the tightrope over tank with the piranhas, For the frazzled it's a moment it's a promise, To be broke down to be lowdown to be honest”. Há algo de religioso nisto. Algo de justiça bíblica do Novo Testamento. “I've always had the cancer for the cure. That's what the fuck I am”.
2
"To Carry the Flame"
Old Man Gloom
No estará a par de qualquer outro álbum que possa ser dos meus registos favoritos do ano. Confesso-me pouco impressionado pelos trabalhos anteriores da única superbanda a quem reconheço mérito. No será a despedida perfeita da Hydrahead, que este ano anunciou que tinha falido. É como as críticas a um vinho de qualidade: denso, complexo, expansivo no nariz, mas só mostra verdadeiramente o que vale na boca.
3
"Mladic"
Godspeed You ! Black Emperor
Durante anos andei a ouvir a maldita “Albanian” sem saber bem definir os meus sentimentos para com ela. Toda essa confusão se desfez quando a ouvir integrada e redesignada por “Mladic” no novo de Godspeed. Aquele excerto paraquedista parece mais árabe do que balcânico, mas, ainda assim, foi a melhor forma de acolher o regresso dos GY!BE.
4
"Cherokee (Nicolas Jaar Remix)"
Cat Power
O álbum ouve-se, mas esta versão do grande Nicholas Jaar é que vale realmente a pena. É a canção de amor do ano, com os desequilíbrios de Cat Power compensados pela electrónica do norte-americano. Não tenho muito a escrever sobre a música. É estranhamente surpreendente.
5
"Sun on Earth"
Dodsengel
Por falar em black metal, a melhor canção do ano vem de uma dupla habituada a grandes feitos. Norugueses comme il faut, há muito que produzem das coisas mais interessantes do meio e são, naturalmente, recônditos. O álbum de onde “Sun on Earth” sai é um duplo (!), ligeiramente conceptual, e esta malha tem a curiosidade de ter a duração de um single. Em repetição durante semanas cá por casa.
6
"I Fade Away"
Downfall of Gaia
No ano passado a honra do álbum mais raivoso do ano coube aos italianos The Secret. Apesar de terem tentado repetir a proeza com um esforço abaixo do nível de Solve et Coagula, em 2012 o título vai para uns alemães de nome Downfall of Gaia. Ao começo ainda pensei que eram rapazolas de emos e coisas afins. A fórmula que mistura algo melódico que cheira a emo com black metal continua a render (saudades dos espanhóis Ekkaia) e continua a ser das melhores bandas sonoras para anos miseráveis como 2012.
7
" Be Above It"
Tame Impala
Podia escolher muitas outras de Lonerism, mas não há canção que me faça querer voltar a ela como a abertura. Não me importa que seja apenas uma introdução. Não quero saber. É lá que ouço as vozes mais beatlescas do álbum, é lá que mais me apetece dançar, é lá a preparação para tudo o resto. “Elephant” pode ser a “Seven Nation Army” de Tame Impala, mas esta é a minha pérola pessoal.
8
"Yet Again"
Grizzly Bear
Escrever sobre “Yet Again” em Dezembro já implica algum desgaste, mas a escolha da canção, depois de algum tempo em escuta, mostra a resistência e a sua força. Um crescimento de Grizzly Bear, uma mudança da banda que fez a banda sonora de Blue Valentine para uma vida diferente após a rutura.
9
"Nations / Never Enough"
Gallows
O empurrão do ano na saudade de um bom mosh. Aquela voz rasgada, um arranque sólido, mas que inspira dúvida, seguido da transição que assegura que tudo vai correr bem. Depois lá vem o tão esperado riff, aquele momento em que os empurrões se suspendem e o movimento fica mais lento, os três minutos que parecem parados e quando chega o silêncio questionamos para onde foi o resto?
10
"Avatar"
Swans
É incrível. Como são muitas outras de The Seer. Venham mais, que pelo que se ouviu das inéditas, vão ser tão boas ou melhores. Swans em crescendo. Já estou farto de vos moer os olhos e os ouvidos com Swans.

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