O Verão já não é o que era. Seja por causa dos efeitos castradores da crise ou pela crescente imprevisibilidade do clima, a verdade é que aquele perÃodo que ia de Junho a Setembro tem cada vez menos significado real. ImbuÃdo nesse espÃrito, também o Bodyspace se espraia com uma selecção de escolhas adequadas aos mais diversos settings. Canções que tanto servem para giros solitários pelos subúrbios como para aquelas viagens em regime de road movie; para sonhar com a praia escarrapachado no sofá ou de companhia no trajecto entre casa e trabalho debaixo de um calor infernal; para a alimentar a euforia destas noites tórridas ou como convite à reclusão nocturna. Tudo facetas de um Verão que teima em ser datado, mas assume as mais diversas formas. Algures nestas canções está certamente uma banda sonora capaz de tornar mÃtica a mais mundana das actividades. Ou para as esquecer rapidamente. Afinal de contas, o poder de evasão é uma qualidade a ter em conta. Bruno Silva
Fotografia: Angela Costa
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Bruno Silva
"We're Here"
Meat Puppets |
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Quase todos os dias, Meat Puppets II é o melhor disco do mundo, e qualquer oportunidade deveria servir para frisar isso mesmo. Esta é uma daquelas imperdÃveis, até porque foi o disco que mais rodou durante o Verão passado, numa daquelas viagens inesquecÃveis por uma estrada nacional que, não sendo propriamente a paisagem inóspita dos wide open spaces do Arizona, carrega também consigo um sentimento de abandono. Mais do que o apogeu da fórmula ultra-redutora country + punk – teoricamente igual a cowpunk, mas esse termo é meio idiota – Meat Puppets II eleva de um modo aparentemente displicente as noções de espaço para um patamar onde fÃsico e mental se confundem. Condição do psicadelismo, que não deixa também de ser um reflexo de férias, enquanto escape possÃvel a uma realidade por vezes bem merdosa – duas noções que até costumam andar de mãos dadas. “We're Here†tem aquele ritmo on the road bem descansado que se pede para uma voz slacker, mas deixa-se inundar por uma névoa de ecos que tornam a aura muito mais difusa, com um solo de guitarra a abrir caminho para todo e qualquer o lado. Assombrada pelo desconhecido, até no tÃtulo “We're Here†deixa no ar a noção de algo que existe para além do visÃvel e mundano. E de como podemos muito bem estar já a ser visitados – como se alguém ainda se lembrasse dos X-Files. Acredite-se ou não em tudo isso, não deixa de ser uma óptima banda sonora para olhar as estrelas. Ou para os cafés e restaurantes abandonados ao longo do Canal Caveira. Há um mesmo vazio a revestir tudo isto, e “We´re Here†trata de lhe conferir algum significado. E sim, é do mesmo disco que tem as três canções – igualmente brilhantes – que os Nirvana tocaram no Unplugged. |
"Veracruz"
Photonz |
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Seja ou não uma referência directa a esse paraÃso tropical brasileiro, “Veracruz†é um tÃtulo com imagética suficiente para se ficar desde logo a sonhar com praias e palmeiras ainda antes de chegar aos ouvidos. Não tão balear quanto seria de esperar – digamos, as digressões de Sangue de Cristo - “Veracruz†não deixa de insinuar o mesmo calor tropical através de um prisma caleidoscópico. É a malha mais psicadélica dos Photonz até hoje, com a refracção de melodias vagamente caribeñas a enredar-se por entre a profusão de hi-hats e palmas para máximo efeito sensorial e em constante mutação. Mais do progredir numa lógica que leve ao inevitável momento de euforia colectiva, “Veracruz†vai-se sustentando sobre o ritmo num frenesim harmónico que nunca perde a sua noção de espaço, projectando-se muito para além das areias movediças em que temas tão densos se costumam atolar. Duvido muito que a venha a ouvir em contexto de pista, mas isso é apenas um problema a ser corrigido por todos aqueles que se auto-intitulam de DJ's. |
"Love's a Dancer"
Flights of Fancy |
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Por esta altura já toda a gente devia estar mais do que farta de recuperações pós-irónicas de tudo aquilo que era-foleiro-mas-deixou-de-ser nesta época estival. E enquanto não anda tudo a revisitar o legado do yacht rock, a uruguaia International Feel vai fazendo jus ao seu nome com um catálogo que é a banda sonora perfeita para aquelas festas num iate por águas internacionais onde tudo é permitido. Sem um pingo do cinismo que permeia grande parte destas investidas. “Love's a Dancer†é uma canção sem qualquer pejo em maximizar as premissas da balearic beat e da funk branca até ao ponto auto-referencial que se permite a quem sabe como fazer uma festa em qualquer parte do globo. Em menos de seis minutos, “Love's a Dancer†é quase um épico dedicado à boa onda, com um pseudo-refrão de teclas irresistÃvel a encontrar a keytar que Jan Hammer perdeu algures durante as gravações de Miami Vice. Se alguém não achar isto uma malha de Verão, não haverá mais que se possa fazer. |
Nuno Catarino
“Today is the Dayâ€
Yo La Tengo, |
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Verão não é verão sem Summer Sun, um dos mais intemporais "discos de verão" desta vida. Ainda com a memória fresca da passagem do trio de Hoboken pelo Primavera Sound do Porto (perfeição naquele sol de fim de tarde), este disco virou escolha obrigatória. Mais difÃcil é escolher apenas uma canção do disco, tarefa quase impossÃvel entre tantas possibilidades válidas, escolha complicadÃssima. Não se tratando de uma canção que verse directamente temáticas imprescindÃveis como o verão, o sol, a praia ou os bikinis, "Today is the day" evoca musicalmente, naquela arrastada lentidão, a preguiça de um fim de tarde de Agosto. A linha da guitarra deixa-se levar, submissa ao calor inebriante. E a voz de Georgia cristaliza definitivamente a canção como marco estival. Hoje e para sempre. |
“Summerâ€
Joe Hisaishi |
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Peça central da banda-sonora do filme O Verão de Kikujiro, "Summer" é uma simples melodia de piano. Que vai crescendo de forma obsessiva, à s voltas sobre si mesma, espiralando, como que esperando um clÃmax que nunca chega. No filme a música segue um miúdo perdido no Verão, road movie ternurento de quem procura algo que já se perdeu há muito, atravessando estradas, com desvios em apostas em corridas de cavalos, mergulhos em piscinas, boleias falhadas, amizades improváveis, melancias. Perfeita no filme de Takeshi Kitano, continua igualmente perfeita isolada do contexto original. A composição do pianista Joe Hisaishi (também responsável da música de filmes animados de culto como Princesa Mononoke, A Viagem de Chihiro e O Castelo Andante), é capaz de expressar um sentimentalismo imenso, sem se desviar um milÃmetro da sua estrutura quase cientÃfica.
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“Saharaâ€
McCoy Tyner |
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Após ter sido co-responsável pela construção do brilhante e gigantesco edifÃcio coltraneano, o pianista McCoy Tyner seguiu o seu caminho em nome próprio. Em 1967 gravaria um óptimo The Real McCoy (melhor tÃtulo auto-referencial), na companhia de um trio estrelar - Joe Henderson, Ron Carter e Elvin Jones - mas seria em 1972 que chegaria um dos maiores marcos (senão mesmo o maior) da sua carreira na condição de lÃder. Em Sahara McCoy tem a companhia de Sonny Fortune (saxofones), Calvin Hill (contrabaixo) e Alphonse Mouzon (percussão), um quarteto altamente criativo que espelhava fortes influências norte-africanas. A faixa que encerra o álbum, de tÃtulo homónimo, é um épico monumento de quase vinte e cinco minutos. Além de trabalhar uma base jazzÃstica ampla, assente no pianismo ritmicamente rico de Tyner, o grupo demonstrava uma imensa abertura à cultura africana, particularmente evidente pela utilização de diversas percussões e flautas. O resultado é esta música profusamente intensa, plena de cor e calor. |
Nuno Leal
"The Curse"
Gatto Fritto |
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Este verão tem tido fogos a mais. Por causa do vento a mais. Vento em todas as praias, de Norte a Sul, uma praga, uma praga, que só nos deixa a sonhar com praias baleares talvez sem tanto vento, com o mar sem tantas ondas, nem o pessoal com tantas ondas, onde um dos nomes com mais mau gosto da história se torna a banda-sonora que nos torna a todos em volta em algo felinamente resplandecente, com sete vidas todas belas, em que o frito afinal é de não usar protetor solar, e de dançar ao sol, dançar meio na água meio no ar, as canções de um dos melhores discos esquecidos de 2011, canções desde "Beachy Head" a "The Curse", mais esta última porque este vento tem sido uma praga, porra que a ventania chata vem do mar, ponto final |
"Hinter Den Bergen"
Grauzone |
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Um dos grupos da Deutsche Welle, a New Wave alemã, eram obviamente germânicos na lÃngua mas curiosamente suiços, e em 1981 fizeram história para lá dos Alpes com grandes temas, entre a agressividade industrial e a sensibilidade pop, decididamente experimentais, neste tema em particular, desafio a quem gosta de Radiohead se não reconhecerão a suposta ainda não provada influência que tiveram no seu famoso tema "Everything's In The Right Place", ouvir para crer e depois descobrir a valer, basta youtube-querer, "Hinter Den Bergen", atrás das montanhas há o sol, ponto de exclamação
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"I Can't Get Satisfaction"
Träd Gräs och Stenar |
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O Julian Cope ainda não lhes dedicou atenção, ou pelo menos um livro, mas a Suécia tanto pode surpreender por ter uns belos dias de verão como também pelo seu rico e algo desconhecido passado musical nos anos 60 e 70, com muitas pérolas psicadélicas, dignas de um Scandinaviarocksampler, e estes Träd, Gräs och Stenar estariam lá certamente, em inglês Trees, Grass and Stones, Ãrvores, Erva e Pedras, nem de propósito uma espécie de Jefferson Airplane suecos, cuja versão do clássico dos Stones (esta) está lá entre as grandes, Devo incluÃdos, conseguem torná-la quase uma música dos Can lá para a frente tal é o ritmo infernal imposto, para não falar dos longos duelos entre as guitarras, que atingem proporções ultrassónicas, hipnoticamente perto do trance, por isso caro Julian, para quando um livrinho, ponto de interrogação |
Nuno Proença
"Don’t Like"
CHIEF KEEF |
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Justin Vernon isolou-se numa cabana porque quis. Keith “Chief Keef†Cozart na casa da avó em Chicago porque os tribunais assim ordenaram. O primeiro saiu com “For Emma, Forever Ago†pronto. O segundo tratou logo de colocar músicas no YouTube, e conseguir, aos 16 anos, almejar um apreciável número de fãs. A música de Keef tem sido englobada numa suposta renovação dos trâmites do gangsta rap, e o facto é que em “Don’t Likeâ€o ambiente criado pelas suas rimas e refrão, e pela produção sufocante de Young Chop, apresenta-se carregado de calor, suor e testosterona. Keef possui uma voz e um ritmo que dir-se-ia assemelhar-se ao de um skate que desliza, ora mais ora menos depressa, com fortes nÃveis de assertividade no refrão, dedicado à s personalidades que não lhe merecem respeito Estamos já numa fase pós-LexLuger/Waka Flocka Flame no que diz respeito ao hiphop como fight music. E Keef, Lil’Reese e Young Chop trazem, com “Don’t Likeâ€, um desafio quase impossÃvel a quem planeava descontrair-se neste Verão. Cuidado com as ondas! |
"Road To Hell"
SLEIGH BELLS |
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“Reign Of Terror†é um disco onde Alexis Krauss e Derek Taylor resolveram esticar o fio. De um lado “Demons†ou “True Shred Guitarâ€. Do outro “End Of The Line†e esta que aqui escolhi. Mas, se a voz de Alexis está aqui particularmente melÃflua, e a música dá vontade de abanar os braços no ar, a temática não é propriamente uma de felicidade. Depois de dizer “Don’t turn away from me, baby / Just go away from me, babyâ€, surge o refrão em que o tÃtulo é repetido oito vezes, qual passos de dança numa valsa sádica. Quanto a Taylor, resiste a introduzir na música os riffs ruidosos que têm sido sua imagem de marca desde que formou os Sleigh Bells, preferindo um acompanhamento como um extracto de um solo de uma power ballad, do qual foram removidos as partes mais agudas e mais tirilililititantes. Esta é igualmente uma das músicas mais simples dos Sleigh Bells. Não tão pop como “Rill Rillâ€, nem tão espástica como “A/B Machinesâ€. Dá, no entanto, perfeitamente para colocar uma assembleia em hipnose, capaz de seguir Alexis até...
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"Your Fucking Sunny Day"
LAMBCHOP |
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Qual “Up With People†qual carapuça. Não há música mais pop que Kurt Wagner e companheiros tenham escrito até hoje. E como, para vos ser sincero, nunca fui muito dessa ideia das “Canções de Verão†(faz lembrar reggae-pop foleiro, power-pop apatetado ou indie twee do mais infantilóide que existe), porque não escolher uma música com o tÃtulo desta? Wagner começa logo por dizer “Bent the hose to stop the sprinkler / Hosing off the sidewalkâ€. Acabou-se o banho, mas permanence uma atmosfera festiva. Kurt estica as sÃlabas, brinca com as palavras. A banda por detrás cria arranjos com sopros sorridentes e guitarras a tilintar. Foi a primeira vez que ouvi os Lambchop, algures em 1997/8, pertencendo esta música ao álbum “Thrillerâ€. E estava longe de pensar que estariam para vir aà maravilhas como “Nixonâ€, “Is A Woman?†ou o mais recente “Mr. Mâ€. Mas Wagner, além de ser um magnÃfico e terno pintor impressionista do quotidiano, nunca perdeu o sentido de humor que esta música é um óptimo exemplo. Podia escolher outra? Quem sabe a “Summer Here Kids†dos Grandaddy… |
Paulo CecÃlio
"Sketch For Summerg"
The Durutti Column |
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Não existe estação em que Durutti Column não calhe bem, mas esta "Sketch For Summer" merece ser guardada religiosamente para os dias de maior calor, com o sol lá em cima a abençoar-nos a pele com um belÃssimo tom moreno, uma temperatura reconfortante e relaxante e, à falta de cuidados, um portentoso cancro. Mas deixemos o humor negro para outras paragens. Este ano a edição há muito aguardada de Short Stories For Pauline tem enchido medidas, mas é mesmo o primeiro disco do projecto de Vini Reilly que nos leva para outras paragens: e aqui, como em quase todas as suas canções, a guitarra impele, suavemente, ao sono e ao sonho, o ritmo quase hipnótico vai ajudando a cerrar as pálpebras, e quando damos por nós o disco já parou de tocar faz três ou quatro horas e percebemos que desperdiçámos uma tarde. Bem, não desperdiçámos: estivemos entretidos a escutar uma das grandes maravilhas saÃdas do perÃodo pós-punk inglês.
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"Come Sta, La Luna"
Can |
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Tal como com Durutti, os Can foram um objecto revisitado neste 2012 retromanÃaco (se bem que já o haviam sido, em 2011, aquando da reedição do essencial Tago Mago). As Lost Tapes poderiam ser a banda-sonora de uma longa viagem de férias por mundo afora, mas aqueles entre nós sem amigos, sem carta e sem dinheiro - ou seja, apenas eu - têm de se contentar com as mesmas paisagens ano após ano, ecoponto após ecoponto. Não que isso seja triste, em si. Uma caminhada nocturna pela cidade que se ama e odeia em doses não tão iguais quanto isso (odeia-se, basicamente) é o suficiente para lavar a alma por mais um dia. E por serem nocturnas, a lua tem de merecer honras de destaque. "Come Sta, La Luna" contém em si o tropicalismo perfeito para dançar sozinho no meio do viaduto sob a linha férrea, com os comboios a não andarem para trás. Por vezes o álcool e a droga também ajudam a este estado de espÃrito, mas é raro – quando se é assim estranho é-se por genética. |
"Alison"
Slowdive |
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Esta canção tem dedicatória. Vendo bem, as outras duas também poderiam ter sido substituÃdas por outras que cumprissem igual desÃgnio, mas, se no caso de uma não vale de todo a pena (Galaxie 500, "Summertime"), no caso da outra "limitar-se-ia" a representar algo de extraordinariamente bonito (The Cure, "The Kiss"), em vez de algo tão ao osso como "Alison" o vai fazer. E é apenas isto. De Souvlaki poder-se-iam retirar inúmeros hits para o verão ("When The Sun Hits" talvez fosse mais óbvia), ele que é um dos melhores discos de sempre e o qual, por vezes, penso ser dez vezes melhor que Loveless, até que alguém me esbofeteia a cara. Regressamos ao ponto inicial, a razão para a presença de "Sketch For Summer": esta canção faz sonhar, e no verão não existe desejo maior. E agora que libertei toda a conice faço um pedido expresso para que o inverno chegue rápido. Quero voltar a ouvir os meus discos de black metal com uma atmosfera propÃcia. |
Rafael Santos
"Calle F"
Mala |
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Mala, cara-metade dos Digital Mystikz, foi a Cuba com Gilles Peterson no ano passado e deixou-se encantar com os músicos locais; da interacção resultou um álbum – que será editado brevemente pela Brownswood Records intitulado Mala in Cuba – do qual o EP Cuba Electronic é a primeira amostra. “Calle Fâ€, o lado B do EP, é um apurado e intenso cocktail jazzistico onde os ritmos de Cuba se cruzam com uma electrónica profundamente enraizada na bass-music, repleta de laivos de broken beat e possessa pelo desejo de escape do dub. Orgânico e espiritual q.b. para deliciar os curiosos de pá e picareta em busca de novos sons exóticos. Malha especialmente recomendada aqueles que ainda não desistiram de tentar entender o triângulo amoroso entre Londres, Kingston e Havana.
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"Ready"
Jacques Greene |
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Greene não pára de nos provocar lá do seu cantinho em Montreal. Cada EP é mais uma prova da intensa procura de um lugar onde se possa estacar como produtor de referência e daà em diante marcar um território onde se possa passear com legÃtimo sentido de propriedade. “Ready†lá vai, seguro de si, dando um passo em frente em relação a “Another Girlâ€: a textura do groove intensifica-se, o apelo pop diminui, a atmosfera melódica torna-se densa, as vozes mais fantasmagóricas. Tudo bem mais robusto sem perder contacto com a alma. Burial poderia soar assim se largasse os tiques do garage londrino e rumasse a Detroit para uma misteriosa expedição aos limites do techno. Possivelmente soaria a qualquer coisa tipo este pujante "Ready" que, se não estou enganado, já me fodeu uma das colunas do carro. Tudo por uma boa causa, né? O futuro dirá. |
"Thinkin Bout You"
Frank Ocean |
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Digam o que disserem, ainda há soul de melaço para adolescentes que se passeiam pela linha com o carrinho do papá que mantém uma aura capaz de fazer levantar a sobrancelha ao céptico. Falo por mim que raramente me dou à escuta das rebatidas fórmulas do r&b para pitas que compram a Bravo para sonhar com estarolas de peitaça ao leu, mas Frank Ocean – frequentemente associado a essas movimentações tácticas do mercado – sabe do ofÃcio quando trabalha a solo, não se dando à morte perante uma faixa etária mais exigente – e aqui não se encaixam apenas os melómanos – que apenas pretende uma narrativa que respire liberdade sem que isso implique o sacrifÃcio do elementar requinte da composição, a tal que costuma dar envergadura aos clássicos. Possuidor de uma voz absolutamente singular, o polémico Ocean anda numa zona temperada entre uma pop fresca e uma soul escaldante, extremamente perfumada de romantiasmo sóbrio e nostálgico. “Thinkin Bout You†é apenas mais um delicioso exemplo. Uma doce tentação para o Verão, sem gorduras.
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Rodrigo Nogueira
"This Summer"
Superchunk |
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O LuÃs Filipe Rodrigues já escreveu sobre esta malha aqui. Foi a primeira vez na vida que comprei um single no iTunes, porque me apeteceu recompensar monetariamente quem o fez por ter criado algo que foi aprazÃvel para mim. Isso e porque o Jon Wurster, o baterista deles, é dos tipos com mais piada que há no mundo inteiro. Não estou a dizer que nunca tinha recompensado gente na vida – faço-o regularmente –, estou só a explicar que foi a primeira vez que isso aconteceu através iTunes. Pára de fazer perguntas, eu faço o que quiser. Foi divertido, já que vinha com um lado b que era uma versão da “Cruel Summer†das Bananarama à moda pop punk dos Superchunk. Se calhar podia tê-lo sacado de forma gratuita de algum lado, mas assim posso-me sentir superior a quem o fez, algo que não acontece muito e merece ser celebrado. De qualquer maneira, e para mostrar que isto não é escrito à toa e que a referência ao LuÃs Filipe Rodrigues não aleatória nem gratuita, esta malha rodou imenso na nossa viagem para Barcelos rumo ao Milhões de Festa, e ele vinha no carro comigo e com a minha garina. Malhão, é tipo a minha banda sonora oficial do verão. E não quero saber se não gostas.
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"Arthur’s Theme (Best That You Can Do)"
Christopher Cross |
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Não gosto do Arthur. Tentei e não é para mim. Nada contra, acho só aquilo fraco. Podes dizer o que quiseres, mas não me vais conseguir acusar de ter algo contra o Dudley Moore. O tipo era grande e, que eu saiba, a Joan Rivers nunca disse que ele era o pior ser humano de sempre. Mas se há algo de que gosto na vida é de yacht rock. E do Burt Bacharach. Esta canção junta ambos. Tenho uma compilação de três CDs com o melhor do Burt Bacharach que só fica foleira no terceiro CD, que é justamente o que tem esta canção incrÃvel, o tema-tÃtulo do filme que eu não curto. A compilação vive no carro da minha namorada, e acho que nunca vai sair de lá a não ser que aconteça algo de muito mau: quase todas as canções são melhores de sempre. Também se ouviu imenso a caminho do Milhões, obviamente, e surpreendentemente, nem o LuÃs, que é alguém com quem tenho bastantes, mas não assim tantas afinidades musicais, se queixou. Acho que é a melhor prova do poder do Bacharach. Ainda para mais, no outro dia vi o Night Shift (porque o Michael Keaton é um boss e porque eu mereço) e a banda sonora é dele. Tem isto. É bonito. |
"Still Not A Player"
Big Player feat. Joe |
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Tal como quase todos os rappers que têm “Big†no nome têm em comum o facto de acabarem por morrer (estou a fazer figas para que não desapareças já, Big K.R.I.T., mas a História está contra ti), todas as canções escolhidas para o Verão fizeram parte da mesma viagem para o Milhões. A sério, se calhar parece que foi a melhor viagem de sempre, ou o melhor festival de sempre, mas talvez tenha sido: foi uma cena altamente divertida. O Big Pun não era um player, só fazia amor muitas vezes (é muito mais giro e divertido usar eufemismos, mesmo que a tradução directa seja facÃlima e lógica de fazer) esta malha é muito maior que a soma das suas partes – “I'm Not A Player†do Big Pun e a “I Don't Wanna Be a Player†do Joe. E, tal como disse o LuÃs Filipe Rodrigues (vêem como isto estava planeado desde o inÃcio?), os comentários na página desta canção no Rap Genius são enormes. |
Tiago Dias
"Animal"
The Men |
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É como regressar à praia pacÃfica que se descobriu no ano passado, a tal por entre as rochas sem os milhares de pessoas com geleiras e filhos e bolas de futebol, assentar toalha, inspirar, aproximar-se do mar, vir lá de trás um grupo de tipos anónimos e sem tempo para lhes ver a tromba até que estraçalham as ondas, abrem buracos nas paredes de água e criam o seu próprio Verão, longe das tranquilidades encantadas e forjadas dos citadinos que pensam que o campo e o litoral está sempre lá para eles quando deles precisam, sem tirar nem pôr. I want what you've got/Give it to me/It's not wrong/That I want it all. Não está nem podia estar errado querer tudo. Claro que se quer tudo. Todo o verão pode ser o último verão, do nosso contentamento para o nosso descontentamento. O animal domesticável.
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"Motion Sickness"
Hot Chip |
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Os primeiros singles pareciam fazer crer que, pela primeira vez, os britânicos tinham posto cá fora um registo abaixo do aceitável. A escuta de In Our Heads mostrou que não era esse o caso e, como seria de esperar, há ali coisas perfeitas para o Verão, de hoje e do futuro. Tudo gira, dizem eles, tudo gira, no CD. Sempre achei que Hot Chip eram a banda sonora perfeita para o verão, sendo dançáveis, de alguma forma tranquilizadores, melódicos, enfim, agradáveis. Imagino estar na esplanada da praia que descobri no ano passado (vd. texto de cima) a assistir à cena entre o casal que quer estar sossegado no seu romance de novela mexicana e o grupo que foi para lá avacalhar. Imperial, tremoços (só com sal), música em volume adequado. Parece-me bem. Pelo menos até que alguém no café se lembre de mete aquele indescritÃvel imãn de insultos que urra "Eu quero chu, eu quero cha". Pois, sim. |
"Don't Ever Change"
Burning Love |
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Sinceramente, a partir de uma janela do Porto não vi Verão de qualquer forma ou feitio. Só fora daqui é que pude sentir mecha de calor que fosse, de sol a pedir praia. Por isso, não surpreende que os cenários descritos acima só possam ser produto da imaginação ou de sonhos adormecidos e acordados. Ou disso ou de um bilhete de 20 euros com cartão jovem que me ponha no Algarve em oito horas de viagem nocturna de autocarro, de volta a casa, onde, leia-se o chavão: “Há coisas que nunca mudamâ€. Burning Love são audição obrigatória para o pessoal que ronda o punk a dar mais para o crust e encaixam na medida certa nestes dias de Verão em teoria apenas, quando a prática fica remetida para um Setembro que o Borda d'Ãgua supostamente dirá que vai ser melhor. É isto e depois esperar que venham dias de mais sol.
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