K-pop, o novo exército da pop
· 04 Jun 2012 · 15:35 ·
É música manufacturada levada ao expoente máximo e não tem vergonha de o ser. Tem o seu quê de irritante e de instantaneamente trauteável, mas quem quiser saciar-se com um pelotão de melodias, refrões de perder o fôlego, produções de alto calibre e coreografias meticulosamente sincronizadas é aqui que deve gastar tempo. É tanto uma experiência musical como visual, inseparável de um lado mais fútil, plástico e superficial. Só que a k-pop nunca finge ser mais do que aquilo que é: um negócio. Interessante é o facto de se conseguir fazer algo de louvável no meio disto tudo, ao explorar todo o metabolismo criativo de uma música tão industrializada.

A k-pop é já um dos principais exportadores da Coreia do Sul e tem vindo a galgar fronteiras com a preciosa ajuda da internet. Já conquistou a Ãsia e anda agora a fazer mossa pela América e Europa. Swizz Beats e will.i.am já mostraram interesse em produzir grupos de k-pop, Kanye West colaborou com a boyband JYJ em "Ayy Girl", Diplo produziu “Knock Out†de G-Dragon & T.O.P. (dos BIGBANG), Snoop Dogg surgiu numa remistura de “The Boys†das Girls’ Generation, que foi produzida por Teddy Riley. E há gente que andou a escavar inspiração por aqui: desde a exuberância alienÃgena de Ke$ha, a extravagância berrante de Nicki Minaj ou até alguém como Grimes, cujo álbum Visions tem influências coreanas bem estampadas – a própria admitiu que o vÃdeo de “Vanessa†foi beber à k-pop.
A indústria britânica, que continua a ser a melhor fábrica de girl groups (Spice Girls, All Saints, Sugababes, Girls Aloud) também tem estado cuidadosamente atenta. E a transfusão é recÃproca. Muita da k-pop segue os mandamentos da equipa Xenomania (os produtores/compositores das Girls Aloud), ao brincar com as estruturas da pop (podem dar-se ao luxo de ter múltiplos refrões numa só música ou até abdicar de um refrão) ou fazer composições tipo manta de retalhos, que suturam diferentes canções numa só. A k-pop reconhece o artifÃcio da criação mecânica da pop, e releva um gozo puro de conseguir fazer algo de criativo com construções tão rigorosas. Para quem achar que a pop ocidental perdeu o medo de ser absurda e está demasiado confortável a ser repetitiva e perdida em linhas de sintetizadores que não querem ir a lado nenhum, encontra aqui uma alternativa destemida e disposta a empurrar os limites.

Esta é música que percebe que a melhor pop é aquela que tem uma mente suficientemente aberta para albergar novos sons e géneros musicais. E a k-pop contempla todo o espectro sónico que povoou a música popular ocidental da última década. É uma mistura revestida a açúcar do arsenal rÃtmico da electro-pop, dos grooves quentes do r&b pós-Timbaland, do maneio do hip-hop, da música de dança conduzida por guitarras, das melodias efervescentes de sintetizadores trance-house, da hiperactividade da j-pop ou da pura choradeira das baladas. Tudo devidamente envernizado e embalado com uma candura colorida de filosofia maximalista.

A indústria da k-pop nos contornos actuais só arrancou em meados da década de 1990, o que significa que tiveram tempo de sobra para observar o que o resto do mundo esteve a fazer e em que moldes musicais conseguiu ser economicamente bem-sucedido. A k-pop é música desenhada por especialistas – embora haja casos raros de grupos (como os Infinite ou as Brown Eyed Girls) que conseguem ter algum input criativo. É feita com orçamentos elevados e companhias que se especializam em fabricar um fluxo constante de estrelas. O treino é a estratégia para nutrir um exército de novos grupos e artistas, que se rodeiam de uma multidão de compositores, produtores, estilistas, treinadores, coreógrafos e realizadores, para modelar jovens adolescentes com uma ética de trabalho bem firme.
As roupas são impecavelmente coordenadas, os corpos são moldados por dietas e treinos intensivos em ginásios e estúdios de dança, mas também pela cosmética e pela cirurgia. O resultado é um harém de ninfas lindas e bastante flexÃveis com uma imagética de super heroÃnas saÃdas de uma fantasia pixelizada. As raparigas dos girl groups são um misto de seres adoráveis e sexuais, mas nada disto se aproxima da sexualização de uma Christina Aguilera, do espectáculo de circo de Lady Gaga ou do sadomasoquismo de Rihanna. Há a intenção de as objectificar e sexualizar (basta seguir a fila de pernas longas e finas), mas o que elas projectam é uma lascÃvia fofinha mas também madura, já afastada das bonecas de cera cutchi-cutchi da pop japonesa. Os rapazes da k-pop também não fogem da imagem polida até à perfeição. Não faltam abdómens bem esculpidos, traços femininos, cabelos bem desenhados e uma música que é herdeira da melhor escola dos *NSYNC e Backstreet Boys. As canções incham e fervem em rituais masculinizados de dance-pop (ouça-se um grupo como os ShinEE) e coreografias de precisão mecânica com movimentos corporais que desafiam a gravidade (veja-se uma actuação dos Infinite). E o impacto das coreografias é especialmente absurdo com grupos que chegam a atingir os 9-13 elementos.

Os vÃdeos de k-pop são descaradamente coloridos e explosivos, são um assalto visual indissociável da música. Desde o arco-Ãris de “Gee†das Girls’ Generation ao futurismo pós-apocalÃptico de “I Am The Best†das 2NE1, é tudo executado ao milÃmetro. É uma espécie de um estranho futuro utópico onde toda a gente é bonita, magra e se mexe em sincronia. O fosso cultural e a barreira linguÃstica fazem destes grupos telas ideais para projectar qualquer tipo de fantasia. E embora o inglês já esteja infiltrado na k-pop – mesmo que algumas letras não façam necessariamente sentido — tal nem seria necessário. A cacofonia lexical era apenas mais uma chama para este universo bizarro. Já as letras da k-pop retêm uma pureza que a pop ocidental quis perder à força toda. São letras que lidam com tudo, desde o puro nonsense à s fragilidades da auto-estima (“Ugly†das 2NE1) ou o fortalecimento da condição feminina (“Good Girl, Bad Girl†das Miss A).
É provável que a k-pop seja o tipo de música associada a qualidades infantis e pré-juvenis das quais a maioria das pessoas tenta activamente distanciar-se. Há um espÃrito de total abandono dos sentidos e uma euforia que é marca da melhor pop. Todo este maximalismo estético e perfeição pirotécnica são o antÃdoto ideal para salpicar de cor o vazio de vidas entediantes e monótonas. Há algo de muito estranho e cativante na forma como a k-pop consegue fazer com que se baixe a guarda de todos os preconceitos, prazeres culpados e tudo o que de estúpido se inventou para que ninguém caia na armadilha da pop. Consegue-se a proeza de engarrafar felicidade em canções tão insistentes e pegajosas que não há como fugir-lhes. É música com o seu quê de irritante e repetitivo? Claro que é, mas não há como refutar algo que consiga fazer alguém feliz numa armadilha-canção de três minutos.

A k-pop é já um dos principais exportadores da Coreia do Sul e tem vindo a galgar fronteiras com a preciosa ajuda da internet. Já conquistou a Ãsia e anda agora a fazer mossa pela América e Europa. Swizz Beats e will.i.am já mostraram interesse em produzir grupos de k-pop, Kanye West colaborou com a boyband JYJ em "Ayy Girl", Diplo produziu “Knock Out†de G-Dragon & T.O.P. (dos BIGBANG), Snoop Dogg surgiu numa remistura de “The Boys†das Girls’ Generation, que foi produzida por Teddy Riley. E há gente que andou a escavar inspiração por aqui: desde a exuberância alienÃgena de Ke$ha, a extravagância berrante de Nicki Minaj ou até alguém como Grimes, cujo álbum Visions tem influências coreanas bem estampadas – a própria admitiu que o vÃdeo de “Vanessa†foi beber à k-pop.
A indústria britânica, que continua a ser a melhor fábrica de girl groups (Spice Girls, All Saints, Sugababes, Girls Aloud) também tem estado cuidadosamente atenta. E a transfusão é recÃproca. Muita da k-pop segue os mandamentos da equipa Xenomania (os produtores/compositores das Girls Aloud), ao brincar com as estruturas da pop (podem dar-se ao luxo de ter múltiplos refrões numa só música ou até abdicar de um refrão) ou fazer composições tipo manta de retalhos, que suturam diferentes canções numa só. A k-pop reconhece o artifÃcio da criação mecânica da pop, e releva um gozo puro de conseguir fazer algo de criativo com construções tão rigorosas. Para quem achar que a pop ocidental perdeu o medo de ser absurda e está demasiado confortável a ser repetitiva e perdida em linhas de sintetizadores que não querem ir a lado nenhum, encontra aqui uma alternativa destemida e disposta a empurrar os limites.

Esta é música que percebe que a melhor pop é aquela que tem uma mente suficientemente aberta para albergar novos sons e géneros musicais. E a k-pop contempla todo o espectro sónico que povoou a música popular ocidental da última década. É uma mistura revestida a açúcar do arsenal rÃtmico da electro-pop, dos grooves quentes do r&b pós-Timbaland, do maneio do hip-hop, da música de dança conduzida por guitarras, das melodias efervescentes de sintetizadores trance-house, da hiperactividade da j-pop ou da pura choradeira das baladas. Tudo devidamente envernizado e embalado com uma candura colorida de filosofia maximalista.

A indústria da k-pop nos contornos actuais só arrancou em meados da década de 1990, o que significa que tiveram tempo de sobra para observar o que o resto do mundo esteve a fazer e em que moldes musicais conseguiu ser economicamente bem-sucedido. A k-pop é música desenhada por especialistas – embora haja casos raros de grupos (como os Infinite ou as Brown Eyed Girls) que conseguem ter algum input criativo. É feita com orçamentos elevados e companhias que se especializam em fabricar um fluxo constante de estrelas. O treino é a estratégia para nutrir um exército de novos grupos e artistas, que se rodeiam de uma multidão de compositores, produtores, estilistas, treinadores, coreógrafos e realizadores, para modelar jovens adolescentes com uma ética de trabalho bem firme.
As roupas são impecavelmente coordenadas, os corpos são moldados por dietas e treinos intensivos em ginásios e estúdios de dança, mas também pela cosmética e pela cirurgia. O resultado é um harém de ninfas lindas e bastante flexÃveis com uma imagética de super heroÃnas saÃdas de uma fantasia pixelizada. As raparigas dos girl groups são um misto de seres adoráveis e sexuais, mas nada disto se aproxima da sexualização de uma Christina Aguilera, do espectáculo de circo de Lady Gaga ou do sadomasoquismo de Rihanna. Há a intenção de as objectificar e sexualizar (basta seguir a fila de pernas longas e finas), mas o que elas projectam é uma lascÃvia fofinha mas também madura, já afastada das bonecas de cera cutchi-cutchi da pop japonesa. Os rapazes da k-pop também não fogem da imagem polida até à perfeição. Não faltam abdómens bem esculpidos, traços femininos, cabelos bem desenhados e uma música que é herdeira da melhor escola dos *NSYNC e Backstreet Boys. As canções incham e fervem em rituais masculinizados de dance-pop (ouça-se um grupo como os ShinEE) e coreografias de precisão mecânica com movimentos corporais que desafiam a gravidade (veja-se uma actuação dos Infinite). E o impacto das coreografias é especialmente absurdo com grupos que chegam a atingir os 9-13 elementos.

Os vÃdeos de k-pop são descaradamente coloridos e explosivos, são um assalto visual indissociável da música. Desde o arco-Ãris de “Gee†das Girls’ Generation ao futurismo pós-apocalÃptico de “I Am The Best†das 2NE1, é tudo executado ao milÃmetro. É uma espécie de um estranho futuro utópico onde toda a gente é bonita, magra e se mexe em sincronia. O fosso cultural e a barreira linguÃstica fazem destes grupos telas ideais para projectar qualquer tipo de fantasia. E embora o inglês já esteja infiltrado na k-pop – mesmo que algumas letras não façam necessariamente sentido — tal nem seria necessário. A cacofonia lexical era apenas mais uma chama para este universo bizarro. Já as letras da k-pop retêm uma pureza que a pop ocidental quis perder à força toda. São letras que lidam com tudo, desde o puro nonsense à s fragilidades da auto-estima (“Ugly†das 2NE1) ou o fortalecimento da condição feminina (“Good Girl, Bad Girl†das Miss A).
É provável que a k-pop seja o tipo de música associada a qualidades infantis e pré-juvenis das quais a maioria das pessoas tenta activamente distanciar-se. Há um espÃrito de total abandono dos sentidos e uma euforia que é marca da melhor pop. Todo este maximalismo estético e perfeição pirotécnica são o antÃdoto ideal para salpicar de cor o vazio de vidas entediantes e monótonas. Há algo de muito estranho e cativante na forma como a k-pop consegue fazer com que se baixe a guarda de todos os preconceitos, prazeres culpados e tudo o que de estúpido se inventou para que ninguém caia na armadilha da pop. Consegue-se a proeza de engarrafar felicidade em canções tão insistentes e pegajosas que não há como fugir-lhes. É música com o seu quê de irritante e repetitivo? Claro que é, mas não há como refutar algo que consiga fazer alguém feliz numa armadilha-canção de três minutos.
anapatricia@gmail.com






