À conversa com: Henrique Amaro
· 06 Mar 2012 · 23:00 ·
Para evitar utilizar as palavras autoridade ou expert, expressões próprias de outras andanças que não estas, diríamos que Henrique Amaro é um profundo conhecedor da música portuguesa; um amante, um agente, um promotor se quiserem. Uma voz ao serviço da música feita em Portugal. Nos últimos anos, tanto no programa que assina na Antena 3 (Portugália), como na curadoria da Optimus Discos, como em tantos outros momentos (ver o seu extenso currículo), assumiu um papel de especial relevância na divulgação da música portuguesa - e brasileira, uma grande paixão sua - e acompanhou o seu crescimento, as suas dores de parto, os seus dramas, as suas evoluções. A pensar em tudo isto, quisemos fazer um ponto da situação: em conversa com Henrique Amaro, tiramos o retrato da sua actividade enquanto divulgador e, ao mesmo tempo, da matéria-prima com que trabalha. Para perceber melhor o que é esta coisa da música portuguesa e para onde é que ela caminha.



Com toda esta democratização no acesso à música e com o avanço dos blogues, qual achas ser o papel da rádio e dos críticos musicais - ou opinion makers – nos dias que correm?

Nunca encaro as novas soluções de partilha e divulgação como superiores a outras existentes. encontro nelas sempre um complemento. O avanço dos bloques, do download gratuito e de uma imensidão de outras formas de difusão de cultura musical, não ultrapassa o poder comunicativo da imprensa e da rádio como meios tradicionais de difusão. Prova disso. é a própria discussão que actualmente se coloca perante a existência de um serviço público que é fundamental para que uma imensa população tenha acesso às suas necessidades. Perante uma vasta quantidade de informação, creio que a ideia de cada um ir em busca dos seus faróis é um factor que beneficia todos na distinção entre o luxo e o lixo. A novidade maior é a presença da humildade em quem participa nesse processo de comunicação. O que antes era definitivo, hoje é apenas uma opinião.

Qual deve ser então o papel da Antena 3 hoje em dia, por exemplo? As notícias desta semana são no mínimo preocupantes. Não deve a música portuguesa conviver saudavelmente entre os seus pares em vez de ser forçada por decreto?

A Antena 3 deve ser uma rádio que distinga o seu modo de comunicação e a sua programação dos privados e cujas audiências justifiquem a sua existência. Poderão parecer palavras vagas mas são essenciais para a minha definição de serviço público. Seja orientada à informação, ao fado, ao black metal, ao folclore ou à música ligeira, qualquer rádio do estado deve orientar-se pela excelência. Atenta e sensivel em relação ao que os outros fazem mas sempre em busca do que está por fazer. A música portuguesa é apenas uma parcela dessa discussão e começar a discutir percentagens sem discutir o seu conteúdo é algo que me ultrapassa e que me desinteressa por completo.

A maior parte dos músicos portugueses com quem falo é totalmente contra esta ideia; e supostamente essa medida serviria os seus interesses. Afinal de contas essa obrigação servirá que propósito?

As ideias mais controversas do nosso tempo são ideias sem rosto. Creio que o tempo irá ser o melhor juiz. Já demonstrei publicamente a minha posição e caso este modelo inócuo avance, espero que cada um se responsabilize pelas suas opções.

És o director artístico da Optimus Discos. Já lá vão muitas edições desde que tudo começou. Como avalias o trabalho feito e, sobretudo, o impacto que teve nas bandas editadas?

O facto mais marcante da experiência é o carácter pioneiro desta solução editorial. Tem sido uma experiência em constante aprendizagem. Para lá da necessidade em tornar possível a edição de um imenso número de gravações, foi necessário compreender uma série de outras vertentes que convivem com a edição. A quantidade, a promoção, a distribuição, a disponibilidade dos artistas e o seu investimento pessoal foram factores que tivemos de avaliar nestes anos e que agora estão mais presentes em tudo o que fazemos. O impacto tem sido diverso e cada banda tem a sua história. Em três anos, a Optimus Discos contribuiu para o baptismo editorial de um número assinalável de projectos e foi cúmplice no crescimento de outros tantos. A relevância que poderão ter no futuro artístico do país é algo que não conseguimos determinar.

Quais são as linhas orientadoras da Optimus Discos?

A ideia primordial era a de contrariar o desperdício. Pela minha experiência profissional, tenho acesso a muitas gravações sem perspectivas editoriais e tomei como ponto de partida inverter essa expectativa. Quando propus a ideia à Optimus tentei criar uma nova solução editorial, de livre distribuição, que fosse ampla esteticamente e que também responsabilizasse o artista em todo o processo editorial. O artista é dono da sua obra, não é refém de uma marca e toda sua iniciativa e organização é realizada em seu proveito.

Não te parece que todas estas questões dos direitos de autor, da luta imensa contra o download e a partilha de música, uma luta interminável pela não disponibilização da música gratuita servem apenas para cavar o fosso entre os grandes artistas e os músicos independentes?

Sem dúvida. Era inevitável que a história não acabasse dessa forma. Qualquer artista que tire dividendos financeiros com a venda de fonogramas sente-se lesado e todos os outros que estão numa plataforma de apresentação ou nunca conseguiram alcançar objectivos financeiros significativos, utilizam as novas ferramentas para ampliar o seu público. Diz o Neil Young que a “...a pirataria é a nova rádio...â€. Se o Neil Young diz quem sou eu para o contrariar.

Estiveste no Brasil recentemente, o que te pareceu a cena musical brasileira? Sei que acompanhas essa realidade de muito perto…

A imensidão do país é proporcional à sua história musical e ao talento emergente. Cada cidade, cada estado tem a sua cena e o seu próprio circuito e alargar essas fronteiras é um desafio para os locais. Poucos são os que têm a ambicionada dimensão nacional. Nesta viagem, fiquei fascinado com o volume de edições e com a valia de muitas delas mas também fiquei desperto para a forma como estão a encarar a promoção e a auto-edição. O download gratuito tem sido a base para a grande maioria dos artistas e a forma mais eficaz de contrariar o conservadorismo da radio e tv. Estou mais apaixonado que nunca pelo país e pela música do Brasil. Esta viagem, (ironicamente para fazer reportagem ao Rock in Rio), serviu perceber isso.

Como se explica que o Brasil exporte tanta música para Portugal - entre outros países europeus – e Portugal exporte tão pouca? Como se equilibra esta balança de exportações?

Bom, essa é uma questão que nenhum dos Secretários de Estado da Cultura dos últimos 20 anos conseguirá responder. O Brasil é um país auto-suficiente do ponto de vista cultural. O país gosta e consome a sua música, a sua cultura e não necessita da participação exterior. Para contrariar essa ideia, apenas os grandes nomes da pop universal conseguem chegar e vencer. Na música que produzimos, retirando o universo do fado, apenas alguns nomes com investimento promocional poderiam alcançar objectivos relevantes. Mas do pouco que conheço do cenário brasileiro não me parece fácil inverter esse sentido unilateral da balança.

Que soluções então para a música portuguesa estar mais presente na Europa e no Brasil por exemplo. Achas que devia haver um apoio estatal concerto para iniciativas como, por exemplo, a Canadian Music Week?

A música popular tem de ser entendida como uma indústria. Mais fraca que a cortiça, o turismo, os sapatos, os têxteis ou o vinho mas decerto com mais potencial que outras. Quando os agentes culturais e os músicos o conseguirem demonstrar ao governo central, talvez essa ideia de uma série de bandas portuguesas irem tocar ao Canadá deixe de ser analisado como um capricho turístico.

Qual é o maior desafio de apresentar todos os dias um programa de uma hora dedicado à música portuguesa? Ou é só prazer?

Por estranho que pareça o desafio não é meu, é dos músicos. O programa que faço é refém da música que existe. Como divulgador estou dependente do que produzem e do investimento que colocam no que fazem. O resto é uma sorte e um prazer do tamanho do mundo.
André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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