As dez melhores canções de sempre neste preciso momento #26 - Bruno Miguel (:papercutz)
· 08 Mar 2011 · 19:30 ·

Vocês já sabem como isto funciona, e por isso ficam com as palavras do próprio Bruno Miguel, que é como quem diz :papercutz, que em 2008 editou Lylac na Apegenine: "honestamente, é-me difícil quantificar músicas de universos tão distintos como melhores ou piores", diz-nos. "No entanto, sei sim, que estas além de representarem o imaginário que me move na música, são parte da minha vida e estão ligadas a diversos momentos de prazer na sua (re)descoberta. A ordem segue uma lógica, do mais simples para o complexo, de acordo com os trâmites normais esperados de alguém que vai descobrindo a música em toda a sua forma, da pop, passando pela erudita e acabando no espaço experimental, num ciclo que uma vez completo mostra a validade e interesse de toda a forma musical. Espero que gostem dos temas, pelo menos eu gostei de parar para pensar e rever-me neles (humildemente aceitando a minha falta de talento por comparação) já que o tempo como músico dificulta a passagem para o lado de ouvinte/fã". As canções são as que se seguem.





"Undo", Björk: Começamos então pela Pop, numa das suas melhores encarnações. Depois de Debut, Post e Homogenic, a Björk volta-se para dentro, para um ambiente tranquilo e contemplativo, com músicas carregadas de instrumentos como harpa e caixas de músicas e numa colaboração com O duo de musica electrónica, os excêntricos Matmos (no trabalho de sons minimais), numa sinergia que resulta, no meu entendimento, no seu melhor álbum até à data. Deste trabalho destaco esta música, "Undo", com as vozes de um coro encantado de raparigas da Gronelândia! O clímax é uma coisa do outro mundo... deixa-me os pelos do braço em pé.

"Cloudbusting", Kate Bush: Se a música anterior lembra lugares frios, esta é solarenga. Não sou um fã de tudo que a senhora já fez mas reconheço uma qualidade fora de série numa boa parte do seu trabalho e esta música, em particular, tem a capacidade de me pôr um sorriso na cara. Depois de The Dreaming a Kate Bush decidiu sacar um álbum mais acessível donde se destacaram dois conhecidos singles, "Running Up That Hill", muito bom também e este "Cloudbusting" com umas cordas em staccato que carregam a música e que lentamente se abrem num refrão carregado de luz. Aconselho também o visionamento do fantástico vídeoclipe.

"Forbidden Colours", David Sylvian: Bem, esta penso que é claro o meu gosto visto ter feito uma versão da versão instrumental original. Tirada do que penso ser um dos álbuns mais bem conseguidos da pop de sempre Secrets of the Beehive (qualquer outro tema do álbum é altamente recomendado), um casamento perfeito entre David Sylvian e os arranjos de Ryouchi Sakamato, tudo embrulhado num formato melancólico e romântico, dois artistas que me continuam a entusiasmar com o seu trabalho actual e que mostram que é possível envelhecer na música de uma forma graciosa e numa procura continua... Agradeço eternamente ao meu amigo Marco por me ter apresentado este trabalho marcante.

"The Frail", Nine Inch Nails: Uma paixão de adolescência. Hoje em dia mantenho o enorme gosto pelo lado misterioso e negro do instrumental de NIN (dai a escolha deste tema em particular). Novo agradecimento, desta vez ao Rui, pela sua discografia quase completa dos NIN que me permitiu inúmeras horas de descoberta e o prazer de conhecer uma das grandes figuras da música, Trent Reznor. Um multi-instrumentista que me mostrou que é possível ter uma visão pessoal que atravessa uma discografia sem ser preciso sermos músicos extremamente dotados em questões técnicas mas antes levados pela força e criatividade dos nossos fantasmas interiores.

"Love On A Real Train", Tangerine Dream: A primeira música electrónica que me lembro de ouvir, e que ainda hoje mexe comigo, com o seu sintetizador arpegiado e o manto de baixo quente sub-harmónico. Só mais tarde é que vim a descobrir na totalidade o trabalho destes pioneiros da música electrónica que (ao contrário do que muitos pensam) já utilizavam sintetizadores muito antes dos Krafwerk e são considerados uns dos precursores da música electrónica actual nas suas várias vertentes. Escolhi este tema pelas memórias que me desperta e pela sua afinidade com alguma da música clássica ritmada minimal que tanto gosto, já que como poderão constatar faz em muito lembrar o trabalho de Steve Reich. Poderão ainda reconhecer o tema já que este surge na banda sonora do filme Risky Business (de novo as memórias) e mais recentemente no mui recomendável The Squid and the Whale de Noah Baumbach.

"Clair de leune", Debussy:
Não sou de forma alguma um grande entendido da música erudita mas tenho um enorme gosto pela corrente mais minimalista e impressionista/romântica, e este senhor foi um dos culpados. Alguns (os entendidos) torcerão o nariz perante o cliché que é a escolha deste tema mas toda a peça é absolutamente arrebatadora e desafio alguém, que mesmo que não aprecie este tipo de música, a dizer que não se sente tentado a se deixar levar. Aliás, tendo em conta o número de aparições desta obra em filmes e bandas sonoras, provavelmente já quase todos estivemos imersos numa pequena viagem audiovisual pelas "palavras" deste compositor.

"Glassworks", Philip Glass: O Philip Glass é para mim, juntamente com o Steve Reich, dos nomes mais importantes da música (na escola clássica) contemporânea. Tenho a vindo a descobrir, e a apaixonar-me lentamente, o trabalho dele e tudo isto começou depois de ouvir a banda sonora do filme The Hours, que acaba até por superar o filme. "Glassworks" são uma série de movimentos que o compositor criou como forma de introduzir a sua obra ao grande público (e que me foi recomendado pelo editor de uma revista que me entrevistou e que teve a sorte de ver esta peça tocada pelo autor no Museu Metropolitano de Manhattan) e continua a ser um dos meus trabalhos preferidos dele. A ideia aqui (tal como no trabalho do Reich) é a perdermo-nos no detalhe e na repetição abrindo-se portas para a verdadeira percepção e entendimento da beleza e força das notas e melodias tocadas...

"Sonhos Dos Outros", Bernardo Sassetti: O Bernardo Sassetti é um grande músico. Em qualquer parte do mundo. Ouvi-o pela primeira vez através de um grande álbum instrumental de nome Ascent (o qual já tive a sorte de ver tocado na Casa da Música) e tenho vindo a coleccionar, com o tempo, a discografia dele. Ainda por cima nota-se o gosto por filmes e pelo seu trabalho em bandas sonoras. Este tema de uma beleza negra e melancólica vem de Nocturno e é perfeito para banda sonora de muitos momentos da nossa vida, sobretudo ao anoitecer. O Bernardo Sassetti é nosso mas deveria ser de todos.

"Music for 18 Musicians - Section IIIA", Steve Reich: Descobir o Steve Reich foi uma revelação e esta obra é seminal. Se o céu existisse e se lá houvesse música, soaria assim. Um processo gradual continuo tocado numa espécie de ondulação sonora que desperta uma interpretação muito própria e necessária para libertar os efeitos psico-acústico... Tudo isto, sem ser preciso recurso a drogas A coisa parva é que a música é aparentemente minimal e fácil de ser interpretada, podendo ser descartada como repetitiva e monótona mas anos de música em cima farão ouvir este trabalho de uma forma muito diferente. E percebe-se a influência deste compositor em muitos artistas da música electrónica actual. Novamente, a grande felicidade de ter visto esta peça tocada na íntegra na Casa da Música, é algo ímpar. Há uns tempos ouvi na rádio o Pedro Carneiro (outro grande músico nosso) a dizer que o Steve Reich é duro com os músicos que interpretam a sua obra. Têm que ser. Música assim não admite erros.

"An Ending (Ascent)", Brian Eno: O Brian Eno, apesar de não se um nome sonante para muitos, é uma das figuras mais importantes da música de sempre. Não sou eu apenas que o digo. Basta ver o número de bandas que o mencionam como influência, da pop à electrónica e os já trabalharam com ele como produtor. Os Roxy Music, desde cedo, eram pequenos demais para tantos talentos e é quando Eno sai, e quando dá largas à imaginação, que a coisa se torna ainda mais interessante. Considerado o pai do género música ambiente (a parte que mais me interessa) concebe o álbum pioneiro Another Green World quando em recuperação de um acidente de automóvel. É nessa nessa longa estadia no hospital que descobre as propriedades atmosféricas da música, fora da estrutura convencional com que tinha até à altura trabalhado. Este trabalho de pesquisa, que têm continuado em várias edições, têm para mim o ponto alto em Apollo :Atmospheres and Sounstracks do qual destaco "An Ending (Ascent)". Palavras para quê?

André Gomes
andregomes@bodyspace.net

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