Nova Voz na Música Brasileira
· 21 Abr 2008 · 08:00 ·

Artigo publicado originalmente na revista novos estudos 79 do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (CEBRAP) em Novembro de 2007. Romulo Fróes, cantor e compositor, tem dois discos já lançados: Calado (2004) e Cão (2006).

© Angela Costa

Vivemos um momento de transição no modo como consumimos música. O seu formato físico parece estar com os dias contados e o seu futuro desenha-se, não mais nas redes de Rádio e Televisão, mas na rede mundial de computadores, numa relação inédita entre criador e consumidor, onde é permitido a qualquer um produzir, divulgar e compartilhar as suas criações, com quem quer que seja, em qualquer lugar do mundo. O volume do que se é produzido hoje é incalculável e talvez dessa maneira possam surgir novas discussões dentro da canção popular. Contrariando a conquista dos tropicalistas, nos últimos anos as grandes gravadoras segmentaram o mercado e privilegiaram, a cada instante, um único estilo, balizados pelas vendas dos seus discos. Assim, tiveram a sua hipótese, cada qual na sua vez, o Sertanejo, o Axé e o Pagode. Porém, nesse novo sistema de partilha da música, a segmentação não acabou, ao contrário, expandiu-se ao infinito. Como acontece com a pornografia, em que cada tara de cada habitante deste planeta aparece contemplada na Internet, o mesmo acontece com a música, criando um sem número de nominações - se um pesquisador tivesse a infeliz ideia de fazer uma nova enciclopédia de estilos musicais, actualizaria o mito de Sísifo. Se essa demanda de proporções estratosféricas parece dar impulso à formação de novos olhares sobre a música, a tarefa de identificá-los ganha a mesma proporção.

Por achar que as cantoras continuam a desempenhar o seu papel fundamental na discussão e difusão de novos caminhos na canção popular, escolhi cinco novas vozes para tentar encontrar indícios de alguma renovação na nova música popular brasileira. São elas: Teresa Cristina, Roberta Sá, Céu, Mariana Aydar e Thalma de Freitas.

A cantora Maria Rita declarou recentemente numa entrevista colectiva, por conta do lançamento de seu novo disco inteiramente dedicado ao Samba, intitulado Samba Meu, que achou melhor não convidar Paulinho da Viola. Para ela, alguém de fora do samba gravar com alguém de dentro, poderia soar como mera busca por autenticidade. Preferiu gravar Arlindo Cruz, ex-integrante do grupo Fundo de Quintal, autor de seis das catorze faixas do disco. Disse, ainda, ter músicas para pelo menos mais um disco, mas que preferiu não fazer um álbum duplo por achar uma coisa meio arrogante (em entrevista à Revista Época, edição de 15 de setembro de 2007).

Teresa Cristina

No pólo oposto de Maria Rita, Teresa Cristina iniciou a sua discografia em 2002, com dois discos inteiramente dedicados à obra de Paulinho da Viola, Teresa Cristina e Grupo Semente, a Música de Paulinho da Viola (de 2002). A primeira faixa do disco nº 1 é “Meu Mundo é Hojeâ€, clássico de Wilson Batista, imortalizada na voz do próprio Paulinho. “Meu Mundo é Hojeâ€, é gravada no disco com o sub-título “Eu Sou Assimâ€, apelido com o qual é mais conhecida, tirado dos primeiros versos da canção, “eu sou assim, quem quiser gostar de mim, eu sou assimâ€, de Wilson Batista.

Teresa Cristina é do Samba, de dentro dele. O seu samba é essencialmente o de cadência lenta, de pouca ginga, de poesia elevada, de compositores como Cartola, Nelson Cavaquinho, Ismael Silva, Batatinha, Zé Keti e o próprio Paulinho. Tímida, de gestos pequenos, tem a voz limpa, seca, mais próxima da Bossa Nova que do canto estridente das pastoras. Enuncia cada verso com dicção perfeita, como que recitando, chamando a atenção ao que diz cada canção. Teresa nunca exalta seu canto, quando muito aumenta o seu volume, nos raros Partidos Alto do disco, mantendo a sua interpretação contida, quase fria. Frieza, que antes de causar desinteresse, nos aproxima do seu canto. Paulinho da Viola, normalmente identificado pelo seu canto discreto, interpretando ao lado de Teresa Cristina a sua “Depois de Tanto amorâ€, parece aproximar-se do Bel Canto. Nesta sua estreia e também nos seus discos posteriores a cantora é acompanhada pelo grupo Semente. Os arranjos do grupo seguem a sua premissa. Delicados, sem virtuosismos, favorecem e abrilhantam o seu canto. O grupo regista, ainda, um lado pouco exercido por Paulinho da Viola, o de compositor de Choros, presente nestes discos em sua homenagem com “Inesquecível†e “Choro Negroâ€.

O Samba, género dado como moribundo desde seu nascimento, elege de quando em quando, o seu “salvadorâ€. No final dos anos de 1960, foi a vez de Paulinho da Viola. Desde muito jovem alçado à condição de mestre, a severa tradição do Samba aprisionava-o, dificultando a sua participação na renovação que acontecia na música brasileira, comandada pelos seus contemporâneos. Ele desejava, ainda que se restringisse apenas ao universo do Samba, contribuir para essa renovação. E ele fê-lo. Modesto, sem deixar para trás o seu modelo original, Paulinho renovou o género, quer seja na lírica, renovando a sua poesia, quer seja na forma, incorporando, nos seus arranjos, harmonias, instrumentos e texturas sonoras estranhas ao Samba. Como na sua linda versão de “O Meu Pecado†(Zé Keti/Nelson Cavaquinho), presente no disco Foi um Rio Que Passou em Minha Vida (de 1970), em que a percussão acústica é retrabalhada em estúdio, adquirindo um timbre electrónico.

Teresa e os seus companheiros são os eleitos da vez e a mesma aflição que atingiu Paulinho, que o fez e o faz ainda ter que se defender da sua dita “condição de passadista†(Isabel Jaguaribe dedicou um filme a este tema, Paulinho da Viola: Meu tempo é Hoje, de 2003), começa a atingir Teresa Cristina. A cantora, ao lado do grupo Semente, tornou-se símbolo da recuperação da Lapa, levando o Samba de volta a um dos seus mais importantes redutos, recuperando o outrora degradado bairro carioca. Teresa porém, parece assimilar mais essa lição do seu ídolo e após lançar-se como compositora em A Vida Me Fez Assim, de 2004, silenciosamente, ao modo de Paulinho, desvencilha-se um pouco, da sua imagem de guardiã do samba e apresenta-nos como prova disto, a sua gravação de “Gema†(Caetano Veloso), presente no seu disco mais recente, Delicada (2007). Não deixa de ser curioso que Teresa Cristina identifique no compositor baiano, ainda hoje, quarenta anos após a estreia deste, o seu passaporte à contemporaneidade.

Roberta Sá

Roberta Sá também canta Samba mas não sofre das mesmas cobranças de Teresa Cristina. Não vem do berço do Samba, não recebe deste a pressão por continuidade. Apesar de nascida em Natal, no Rio Grande do Norte, Roberta Sá é carioca, a sua música é carioca. Esta influência é clara em Sambas e Bossas, de 2004, um disco promocional e que não chegou ao mercado fonográfico, mas já mostrava o universo em que transita a cantora. O disco traz versões de Roberta para clássicos do Samba e da Bossa Nova. Destaques deste disco são as suas versões para “A Flor e o Espinho†(Nelson Cavaquinho/Guilherme de Brito) e “Falsa Baiana†(Geraldo Pereira). Esta, com arranjo esperto, em que a bateria remete à versão instrumental de “Baixa do Sapateiro†(Ary Barroso) gravada por João Gilberto no seu João Gilberto (1973), disco que, aliás, traz a versão definitiva para o samba de Geraldo Pereira.

Braseiro, de 2005, marca a estreia de Roberta Sá. Muito bem recebido, o disco acerta novamente no repertório. Nele, Roberta visita mais uma vez a obra de João Gilberto e regrava “Eu Sambo Mesmo†(Janet de Almeida). Se por um lado, mostra de onde vem o samba que canta, mostra também ousadia por lidar com o repertório do cantor. A sua voz delicada, precisa, passeia com segurança pelas canções, por vezes sustentando, por vezes alterando o seu ritmo, assimilando lições aprendidas com a Bossa Nova. É desse disco também a sua versão de “Pelas Tabelasâ€, samba de Chico Buarque, outra grande influência na música de Roberta. Os arranjos deste disco parecem tirados de um disco dele. São claros, modestos até, sem muito espaço para a invenção. Num disco que privilegia grandes autores (canta também no disco Valsa da solidão, parceria menos conhecida de Paulinho da Viola e Hermínio Bello de Carvalho e “A Vizinha do Ladoâ€, samba de Dorival Caymmi que alavancou a sua carreira), Roberta Sá deixa espaços para jovens compositores. “Casa Pré-Fabricadaâ€, canção de Marcelo Camelo, integrante da banda Los Hermanos, é cantada com delicadeza por Roberta. Outro compositor cantado por ela nesse disco é Pedro Luís. Com destaque na nova música brasileira, ele assina a canção que dá título ao disco, além de participar no disco com o seu grupo A Parede. Roberta canta ainda um samba de Teresa Cristina, “Lavouraâ€, com a participação de Ney Matogrosso. É interessante notar a diferença da sua interpretação, em relação à da própria Teresa. Ralentada, a sua versão aumenta a carga de melancolia que a canção traz.

Se não sofre das pressões vindas do mundo do Samba, Roberta parece ter lá as suas próprias. Que Belo Estranho Dia Pra Se Ter Alegria, de 2007, parece apontar para isto. Sem abrir mão do Samba, amplia o seu repertório, trazendo um leve acento Pop, muito em razão de privilegiar novos compositores. Pedro Luís aprofunda a sua parceria com Roberta e assina quatro faixas do disco. Uma delas, “Janeirosâ€, em parceria com a própria cantora, marcando a sua estreia como compositora. O compositor ajudou também, nas palavras da cantora, a sua busca por coisas divertidas e contemporâneas. Estas “coisas†já são notadas na primeira faixa do disco. Em “O Pedido†(Junio Barreto/Jam Silva), violões, palmas e percussão de acento flamenco juntam-se a uma guitarra quase Rock. Outros jovens compositores no disco são Rodrigo Maranhão, Moreno Veloso (que junto de Quito Ribeiro vem formando uma dupla presente nos discos de muitas cantoras, como Jussara Silveira e Gal Costa) e Edu Krieger, que assina “Novo Amorâ€, canção de gosto clássico que Roberta canta acompanhada somente pelo grande bandolim de Hamilton de Holanda. Roberta Sá segue seu o passo certo, contido, um tanto conservador, procurando abrir-se para a nova música brasileira.

Céu

Céu quer o novo. E armou-se para isso no seu disco de estreia. Céu, de 2005 traz nos créditos nomes de músicos e artistas que vêm lidando com novas informações dentro da música brasileira, incorporando novos sotaques a ela, apreendidos de estilos musicais como o Hip Hop, o Afrobeat (estilo criado a partir da fusão do Jazz com música africana) e o Dub (uma derivação do Reggae). Fazem parte desta cena artistas como a Nação Zumbi, Instituto, Beto Villares, Curumin, Z’Africa Brazil e Lucas Santana, entre outros.

É com essa turma, ou parte dela, mas certamente sob a sua influência, que Céu fez o seu disco. O que primeiro chama a atenção é o som desenvolvido nele (e não há nisto nenhum demérito, ao contrário, já que Céu produziu o disco ao lado de Beto Villares). Esta sonoridade percorre o disco em faixas como “Véu da Noite†(Beto Villares/Céu), canção de letra reduzida, com quase sete minutos de duração, em que Céu quase não canta, trazendo para o primeiro plano o belo arranjo de metais, mostrando maturidade ao entender que um disco de uma cantora pode e deve ser mais do que somente a sua voz. Em “Rainhaâ€, da sua autoria, Céu deixa transparecer uma influência africana, seja na letra, mas ainda mais no arranjo ao estilo de Fela Kuti, músico nigeriano criador do Afrobeat. Sobre essa base, sobre esses sons, surge a cantora. É aí que o disco acontece. De timbre original, o seu canto um tanto rouco, por vezes sussurrado, seduz-nos de início e conduz-nos na sua audição. Esse clima de sedução é ampliado pelos saborosos coros, feitos unicamente por Céu, esbanjando virtuosismo. Na sua versão para “Concrete Jungle†(Bob Marley) por exemplo, Céu demonstra enorme intimidade com a canção e sozinha emula o coro característico do Reggae. Neste ponto quero ressaltar o que para mim talvez tenha impedido Céu de alcançar, já em sua estreia, uma voz ainda mais original. Refiro-me aqui à compositora, que assina a quase totalidade das faixas do disco. Há um descolamento da sua interpretação e do som produzido no disco, das canções propriamente ditas. A intimidade que Céu demonstra com o universo das influências citadas até agora e o modo como se fazem presentes no disco, sempre pela chave da inovação, não encontram correspondente nas composições. Céu confere a estas um papel arcaizante. Na sua maioria, apoiam-se em géneros fundadores da música brasileira como a Ciranda, o Samba de roda, a Valsa Canção, entre outros. Nas suas letras, abusa de palavras e expressões tais como “malemolênciaâ€, “teu nome na boca do sapoâ€, “quebranteâ€, “banzoâ€, “ave cruzâ€, que em nada se relacionam com o lado inventivo do disco, restando a este o papel de modernizador das canções, sem no entanto conseguir transformá-las completamente. É preciso porém, não confundir o seu trabalho, com o que a alguns anos foi chamado Drum’n Bossa, subgénero musical inventado por artistas que pensavam em recriar os clássicos da Bossa Nova acrescentando a estes a batida do Drum’n Bass (um dos infinitos estilos dentro da música electrónica), na ilusão de que este pudesse conferir algo novo à revolução criada por João Gilberto.

Com Céu, o buraco é mais embaixo. A meu ver, o seu desafio - e isto vale para os artistas que estão juntos dela - é continuar no “trem†da história, nestes novos trilhos em que puseram a música brasileira, incorporando-os pelo lado de dentro e não apenas como moldura sonora, para quem sabe assim, encontrar novos caminhos. Como ela mesma canta num verso de sua autoria, “comigo não tem gravata, e se acaso pego o trem errado, vou-me emboraâ€.

MPB (música popular brasileira). Esta sigla, bicho papão que guardaria em si toda a música feita no Brasil, tornou-se nas últimas décadas, um estilo próprio, à parte do Samba e da Bossa Nova por exemplo, e ao menos aos olhos da nova geração, um rótulo não desejável. Para as jovens cantoras, por exemplo, não cabe mais o posto de diva, da intérprete total, que se transfigura no palco e semeia o seu público com sua arte. A cena inicial do mais recente filme sobre Maria Bethânia, para essa geração é o retrato acabado do cafona. Isso explica a postura indiferente, fria, blasé até, comum a muitos artistas de agora.

Mariana Aydar

Mariana Aydar não teme a MPB. A crise da indústria musical, que em maior ou menor grau interfere na carreira das cantoras a que este artigo se refere, não atingiu o seu primeiro disco Kavita1, de 2006, que foi lançado por uma grande editora e fez com que o seu nome ficasse rapidamente conhecido e seu trabalho saudado como uma das grandes novidades da música brasileira.

É ao vivo, mais do que no disco (uma característica comum às grandes cantoras da MPB), que ela se revela. Não há timidez em Mariana, o palco é dominado por ela. Dona de uma voz poderosa, ela canta para fora, de braços abertos. O seu canto sólido, desaba sobre a sua plateia. É a sua profissão de fé. Ela procura entender o significado de cada canção e emociona-se com o que canta. Nada mais fora de moda. Frequentemente é comparada a Clara Nunes, facto também original. Clara Nunes, identificada com os sambas de terreiro e conhecida pela sua espiritualidade (outro tabu nos dias de hoje que Mariana não teme enfrentar, “Candomblé†é o nome de uma das faixas de seu disco), não havia encontrado, até então, um par na música brasileira. No disco, mostra personalidade também ao cantar a canção gravada por Elis Regina, “Menino das Laranjas†(Théo de Barros), e assume o risco da comparação com a cantora-mito da música brasileira. “Vento no Canavial†(João Donato/Lysias Ênio), traz o balanço reconhecível do pianista. Traz também o cliché muito usado por velhos arranjadores da MPB, de simular na música o que se diz na letra, criando sons de ventos produzidos por teclados como que para justificar o título da canção.

A música de Mariana Aydar é assim. A sua intuição é o seu grande achado. E se às vezes, contando só com sua intuição, esbarra na pieguice, é por causa dela que atinge momentos de grande arte. Diferente de Céu, Mariana não parece ter um projecto de actualização da música brasileira. Tão-pouco se lança numa jornada saudosista em defesa da sua tradição. Mariana canta o que lhe parece bom, o que lhe dá prazer. O perigo para ela é ceder ao ressentimento da tradicional família da música brasileira, que já reivindica sua voz na luta em defesa das cores da nossa gloriosa pátria musical. Na proporção inversa em que falta a Céu encarar a música brasileira, Mariana terá de se livrar dela. A intuição que faz de Mariana uma grande artista deve continuar a movê-la, buscando assim novas maneiras de fazer sua música, além das que já conhece e domina.

Thalma de Freitas

Thalma de Freitas é cantora de Samba, basta conferir os shows que vem fazendo acompanhada por Paulão 7 cordas e que promete virar disco. É crooner de orquestra de baile, a sua performance à frente da Orquestra Imperial não deixa dúvidas. É boa compositora, a sua “Não Foi em Vão†é uma das canções mais bonitas dos últimos anos. Também é actriz de sólida carreira. Para acompanhá-la, é necessário atenção. A sua estreia como cantora foi no disco Thalma, de 1994. Muito fraco, claramente um disco de editora, mostra uma Thalma ainda muito imatura, inspirada pelas cantoras do Rhythm’n Blues americano. Talvez por isso tenha demorado dez anos para uma nova estreia. Ou quase. Thalma de Freitas, de 2004 é um EP (sigla para extend play, nome dado a uma gravação que é longa demais para ser considerada um compacto e muito curta para ser classificada como álbum), lançado pelo selo Cardume (Selo que pertencia a gravadora EMI, criado com a intenção de testar novos artistas, antes de sua contratação em definitivo). As seis faixas do disco são acompanhadas pelo piano do seu pai, o maestro Laércio de Freitas, pela bateria de Wilson das Neves e pelo ex-baixista do Tamba Trio, Bebeto. O disco é marcado por uma sonoridade Samba-Jazz num repertório que já traz o ecletismo que parece ser sua marca. Mostrando-se ligada à sua época, cantou “Tranquilo†(Kassin), que é uma das primeiras gravações do hoje festejado compositor e produtor. Mostra-se também conhecedora de nossa história cantando, com grande felicidade, o “Choro Doce de Cocoâ€, clássico de Jacob do Bandolin, com letra de Hermínio Bello de Carvalho. Thalma mostra-se versátil, em “Cordeiro de Nana†(Mateus/Dadindo) diminui o volume da sua voz, num canto sussurrado, acompanhada somente pelo delicado piano de Laércio.

Passados alguns anos, Thalma aparece envolvida em mais um projecto, o disco de estreia da Orquestra Imperial, Carnaval Só no Ano Que Vem, de 2007. O grupo, formado em 2002 por amigos músicos do Rio de Janeiro, pretendia fixar um ponto de encontro onde pudessem divertir-se a fazer música e exercitar outros lados que não existiam no trabalho autoral de cada um. A Orquestra é composta por artistas da nova cena musical carioca como Kassin, Berna Ceppas, Rodrigo Amarante, Moreno Veloso, Domênico Lancelotti, Pedro Sá e por músicos experientes como Nelson Jacobina e Wilson das Neves. À sua frente (ao lado de Nina Becker, outra excelente cantora dessa geração), Thalma esbanja segurança nessa espécie de gafieira moderna que é a Orquestra. Ela defende com autoridade boleros, sambas-canção, tangos, valsas, marchas e toda sorte de estilos que normalmente compõem uma orquestra de baile, antiga escola para muitas das nossas grandes cantoras.

Falta ainda a Thalma uma estreia por inteiro, em que mostre os contornos da sua música, ou a falta deles, o que a aproximaria ainda mais de uma cantora com quem já guarda semelhanças, Elza Soares, que ao longo de toda a sua carreira não facilitou a sua classificação. Thalma tem longa jornada à frente e certamente a encherá de desvios e achados.

Duas características parecem unir o trabalho de cada uma das cantoras aqui analisadas. A primeira é o facto de todas serem compositoras, acontecimento raro na história da música popular brasileira. A presença do Samba é o outro ponto em comum. Embora ele adquira estaturas diferentes no trabalho de cada uma, aproxima-as fortemente. E estas características aproxima-as também de Marisa Monte, que a meu ver exerce uma forte influência nesta geração, ainda que não declarada. A cantora, que iniciou a sua carreira no final dos anos 1980, sempre ligada às gravadoras multinacionais manteve desde o início uma postura artística independente, fazendo o que quis e quando quis e ainda assim conquistando estrondoso sucesso popular. Um sonho para jovens artistas. Marisa faz história também como compositora, tendo criado um novo Pop brasileiro, um pouco mais cerebral, muito influenciado pelos Tropicalistas. Através de seu próprio selo, o Phonomotor, também lança discos produzidos por ela, como o Tudo Azul (2000) da Velha ¬Guarda da Portela. A sua ligação com o Samba, aliás, é antiga. Afora o seu resgate (além do disco da Velha Guarda da Portela, lançou também dois velhos sambistas que nunca ou pouco haviam gravado, Argemiro do Patrocínio e Seu Jair do Cavaquinho), desde sempre cantou Samba e transformou-se, ao lado de Teresa Cristina, na principal intérprete contemporânea de Paulinho da Viola. A sua gravação de “Dança da Solidão†no disco Verde Anil Amarelo Cor de Rosa e Carvão (de 1994), está aí como prova. Cantando os seus sambas, deu a Paulinho um lugar que nenhuma cantora havia dado e acabou por se tornar parceira num deles. Ainda que Marisa cante Samba desde o início e tenha mesmo feito os seus próprios, o género aparece como um capítulo à parte no seu trabalho, com grande relevância, é verdade, mas ainda separado do todo, chegando mesmo a ser reunido num disco dedicado inteiramente a ele (Universo Ao Meu Redor, de 2006, o seu disco só de sambas, foi lançado simultaneamente a Infinito Particular, que traz o que não é Samba na sua música). Talvez a diferença dessa nova geração para com Marisa Monte seja justamente no modo como encaram o Samba. Para as nossas novas cantoras, o Samba, em maior ou menor grau, funciona como um identificador da nossa música e tentam tomá-lo como norte na busca de uma nova música brasileira.

Caetano Veloso em texto para O Pasquim (a 19 de fevereiro de 1970), referindo-se ao disco de Gal Costa, Gal, de 1969, escreve que “não é fácil a pessoa chegar inteira ao final de um disco†e que ela devia ter brigado muito para fazê-lo. Se as nossas jovens cantoras não se mostraram por inteiras, ao menos já demonstraram disposição para a briga.

Romulo Fróes

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