Electrónica alemã: a actualização possivel em 2007
· 15 Out 2007 · 08:00 ·
© Angela Costa

Há muito que a Alemanha é um dos epicentros criativos mais activos da música electrónica. Apesar de ter contemplado a (r)evolução da cena rave na Inglaterra e o nascimento do french-touch, nunca deixou de ser um pólo criativo único, possuidor de uma linguagem própria – nomeadamente o trance – capaz de disputar os meandros da house com os mestres de Chicago ou reconfigurar as linguagens dos padrinhos do techno de Detroit. Talvez por uma questão de identidade nacional, os alemães nunca deixaram de evocar os Kraftwerk como os pais de uma linguagem electrónica de caris experimental, onde se liam nas entrelinhas os princípios básicos de uma revolução popular prestes a acontecer – e que deixaram muitos ouvidos de prevenção nos finais de 70.

Durante muito tempo a Alemanha foi palco de projectos mediáticos e medíocres que podiam ir de um house trampolineiro e colorido a um horrendo techno carrinho-de-choque. Exceptuando nomes de uma vaga trance emergente (no início dos anos 90) – Jam & Spoon, Alter Ego, Sven Vath, Hardfloor ou Resistance D – pouco mais se podia encontrar à superfície que pudesse convencer quem, com dificuldade, tentava aceder ao material mais underground, centro por excelência onde, ainda hoje, os movimentos nascem e se desenvolvem. E se depressa o trance se massificou à escala global, resvalando para uma epidemia duradoura e sem precedentes, a hora de desenvolver alternativas obrigou muitos académicos alemães a explorar as teorias do minimalismo que entretanto despontavam nos laboratórios da Minus de Richie Hawtin.

A relativamente discreta Basic Channel em Berlim tornou-se num ponto de atracção que foi cativando almas para um techno despojado. Um techno longe dos artifícios electrónicos que tanto caracterizaram as linguagens maximalistas, barulhentas e electrizantes das raves pós acid-house. Seguiram-se em Colónia a Kompakt, onde a tendência cada vez maior para o minimalismo dava a conhecer novos talentos como Wolfgang Voigt, Michael Mayer ou Superpitcher, e a Traum Schallplatten de Riley Reinhold; não ignorando, naturalmente, gente como Thomas Brinkmann ou Ricardo Villalobos, ambos produtores errantes que dividiam a sua vida entre Colónia e Frankfurt, onde também ficaram conhecidos pelos discos editados através da Perlon – relembre-se a série Superlongevity que muito contribuiu para a massificação e uniformização do minimalismo.

Mas a Alemanha não é só sinónimo de techno minimal. Um sem número de projectos editoriais desenvolveram sonoridades nos finais da última década que tanto podiam ir das electrónicas com inspiração jazz/ soul (Compost Records e Sonar Kollektiv) às atitudes rebeldes electro/punk com sabor a anos 80 (International DeeJay Gigolo Records) ou as electrónicas variadas e experimentais como no caso da Morr Music ou a irreverente BPitch Control de Ellen Allien – que desde o momento da afirmação no mercado, tem contrariado o techno esquelético de Colónia apresentado algumas alternativas viáveis para um cenário pós-minimal.

Como o mundo gira sem parar, não era de estranhar uma nova mudança de feitios e caracteres. No início do ano Pantha Du Prince não foi capaz, apesar de um disco muito interessante, de inverter alguma da lógica redundante que marcou o minimalismo nestes últimos anos. Os Digitalism por sua vez não convenceram com a dualidade Daft Punk vs electro-pop de 80 e ficaram-se por uma indefinição estética incapaz de criar uma identidade própria. Mas agora a situação é ligeiramente diferente.

Da Alemanha acabam de chegar três registos bem distintos que vêm provar que o techno minimal pode estar finalmente numa necessária recessão. Três discos que apresentam três ideias que engrossam a música electrónica e orientam as pistas para futuros caminhos: sejam eles uma ideia de regresso ao maximalismo (que encheu de vida as raves de início de 90), à exploração da plasticidade techno-pop em contextos abstractos ou as tentativas de invenção através da reinvenção dos métodos laboratoriais da composição IDM. Boys Noize, Supermayer e Modeselektor: três nomes e três ideias que confirmam um novo investimento sonoro numa nova direcção. O primeiro nome vem de Berlim e lança-se agora na aventura dos discos de longa duração, o segundo é um pseudo-super-grupo que nos traz dois senhores que estiveram envolvidos profundamente na cena minimal de Colónia e os terceiros, também de Berlim, procuram à segunda o reconhecimento negado à primeira. Novos ventos sopram, finalmente. Será para durar?

Boys Noize Oi Oi Oi
2007
Boys Noize Records/ Flur

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http://www.boysnoize.com


Uma vez mais os Daft Punk andam nas bocas do mundo. Não porque tenham editado material recentemente, ou que a notícia de um novo álbum ao vivo tenha deixado as massas em delírio, mas porque 2007 é o ano em todos acordaram e redescobriram as virtudes de Homework, pegaram nos despojos do electroclash ou do rock e tentam reinventar o paradigma que deu aos franceses a fama de inovadores destemidos. Depois do excelente Cross dos Justice, do modesto Digitalism, de uns pobres Simian Mobile Disco, chega o projecto do alemão Alex Ridha: Boys Noize (projecto que de colectivo de rapazes tem muito pouco).
Oi Oi Oi representa o segundo passo consistente na tentativa de redifinição do paradigma Homework vs Human After All – a seguir aos Justice, naturalmente – ou seja techno-house em colisão directa com uma atitude punk-rock. Por entre os exercícios robustos de regozijos ácidos, apresentam-se peças experimentais que procuram um espaço próprio no universo de Boys Noize. Um espaço relativamente indefinido, negro, duro, áspero, longe do electro/funk habitual e parcialmente oposto aos momentos mais festivos. Oi Oi Oi devolve o vigor, o som e o barulho que as colunas julgavam ter perdido quando se instalou a moda do minimal. É o regresso às pistas dança de uma energia destorcida, intrépida e contagiante.

Supermayer Save The World
2007
Kompakt/ Flur

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http://www.kompakt-net.de

O risco devia fazer parte significativa do jogo. Talvez por isso este é momento mais fraco deste pacote: Save The World da dupla Michael Mayer e Aksel Schaufler (a.k.a. Superpitcher), os Supermayer. Não terá sido por falta de vontade ou iniciativa. Quando o objectivo é a aventura por novos caminhos, o resultado pode acidentalmente resvalar para uma inocência que no fim não beneficia o resultado final. Save The World padece de uma ingenuidade que, não desvalorizando o esforço dos seus autores, assemelha-se a uma fuga precipitada do techno minimal para uma techno pop abstracta e ainda instável – com fugas ocasionais para o funk, o house e a péssima pop ambiental – que tarda em afirmar-se por ideias mais empreendedoras (Asa Breed de Matthew Dear é a excelente excepção).
Save The World não salva o mundo – por pouco não se salvava a si próprio – mas a vontade da dupla em fazer vingar um conjunto razoável de quadradinhos de banda-desenhada sonora, faz com que os momentos de prazer sejam reais e por vezes iluminados. O fim do mundo não se aproxima, mas é bom observar nomes ligados ao techno minimal em busca de novas paragens sonoras.

Modeselektor Happy Birthday!
2007 - BPitch Control/ Flur

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http://www.modeselektor.com
http://www.bpitchcontrol.de

Não será fácil a catalogação desta música, muito menos será um trabalho inteligível encontrar as referências que movem estes invulgares produtores alemães. Não o era com Hello Mom! e muito menos será possível com o novo Happy Birthday!. Entre a lógica profícua adquirida pelo conhecimento do mecanismo do breakbeat, o rigor geométrico da house, os desejos imediatos de um hip-hop cibernético, o dubstep aberto a estímulos exteriores, o dub em causa electro e as memórias da electrónica artificial inteligence da Warp de outros tempos, Gernot Bronsert e Sebastian Szary apresentam-se à segunda com a mesma energia, a mesma consistência estética e o mesmo pensamento desusado e aventureiro que os caracterizou no álbum de estreia.
As tipologias que aqui encontramos não foram inventadas hoje, mas a perspicácia de as trabalhar de forma muito pessoal recupera uma visão, não nostálgica, mas uma que nos leva a acreditar que há cada vez mais adeptos do espírito libertino que caracterizou a alvorada das raves (oiça-se "Hyper, Hyper" para perceber), sem problemas de assumir uma escola que marcou uma revolução ou de nos devolver um estilo de programação que se pensava perdido no reino da indolência. E não fosse um disco excessivamente longo, Happy Birthday! seria certamente um disco único em 2007. Nada que não prejudique significativamente a inventividade de algumas peças bem pertinentes.
Rafael Santos
r_b_santos_world@hotmail.com

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