Frog Eyes/The Strugglers/Destroyer
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
17 Fev 2005
A vida é fodida, todos sabemos isso. O Canadá é um sítio frio para caraças, quase todos sabemos isso. Basicamente, um gajo começa a escrever canções ou para exorcizar demónios ou para engatar gajas. Sabemos lá porque é que Carey Mercer começou a escrever canções. Nem sabemos se ele escreve canções. Nem percebemos o que é o que o gajo anda a dizer. Carey Mercer é o mentor, vocalista e guitarrista dos Frog Eyes, uma banda canadiana. Um dia deve ter tomado um ácido marado ou tido uma infância infeliz. Hoje em dia é quase esquizofrénico e nada de normal passa pela sua cabeça. Era noite. Que horas eram? 10 e meia da noite. Bairro Alto. Galeria Zé dos Bois. As pessoas esperavam pela noite Frog Eyes/The Strugglers/Destroyer. Parecia nunca mais chegar, ninguém chegava, as pessoas não chegavam. Ninguém acreditava que o concerto ia começar a horas. Um tipo na casa dos 50 pede ao homem da entrada informações.

- O que é isto?
- É uma galeria de arte, vai haver um concerto.
- A que horas começa?
- Às 11, são três bandas canadianas.
- Então quero ir.


E foi, sem saber o que ia ver. Mas foi enganado. As três bandas não eram todas canadianas, apenas duas delas eram. Frog Eyes e Destroyer. E apenas uma delas era banda. Sim, os Destroyer não são uma banda. Muito menos uma banda de death metal sueco. The Strugglers também não são uma banda. São um tipo americano com uma Fender Telecaster a cantar canções.

Começam os Frog Eyes, inexplicavelmente quase a horas. Carey Mercer é um tipo desequilibrado. Pronto, já disse. Grunhe e diz coisas que ninguém percebe, parece Jamie Stewart dos Xiu Xiu mais rechonchudo, barbudo e mais perigoso. Jamie Stewart dos Xiu Xiu é mais depressivo e nunca faria mal a ninguém. Carey Mercer mete medo a uma sala não totalmente cheia. Os Frog Eyes não têm baixo, são tipos com guitarra-teclado-bateria. Na primeira parte do concerto tinham a ajuda de Dan Bejar, o mentor dos Destroyer. E a música que fazem é totalmente demente, saída da cabeça de Carey Mercer, que para além da falta de sanidade mental não tinha falta de álcool no sangue. Têm uma baterista que Casey Mercer vai pedindo para tocar mais depressa, algo bonita mas que musicalmente não vale muito. Carey Mercer vai acabando os temas só com a sua voz de débil mental e consegue dizer tudo mantendo o mesmo registo, como pedir ao tipo do som para ter o microfone mais alto.

As canções - serão canções? - devem ser a forma como Carey Mercer reage ao facto de a vida ser fodida e de o seu país natal ser extremamente frio, ou pelo menos é isso que gosto de pensar. Nunca tinha, em toda a minha vida, tido tanto medo de um tipo em palco. É certamente perigoso. A música não difere muito daquela que existe em discos como Folded Palm, do ano passado. Não é muito variada e cansa um pouco. Ao vivo funciona melhor que em disco.

The Strugglers são o projecto de Randy Bickford, um americano de uma das Carolinas ou lá o que é. O tipo mete-se em palco apenas com a sua Fender Telecaster, e a sua razoável voz. Tem canções giraças, mas nada que consiga prender duas ou três dúzias de pessoas como estavam naquela sala. As conversas paralelas amontoam-se e o tipo toma consciência disso. Não faz mal, mete-se a contemplar o infinito, o horizonte, ou, como era um sítio fechado, o fim da sala. Alterna entre isto e os olhos fechados. Um concerto assim-assim em nada ajudado pelo público, mas Bickford queria lá saber...

Dan Bejar tem uma barba farta e cabelo algo grande. Para além dos Destroyer é membro dos New Pornographers, o maior supergrupo indie de sempre. A sua voz é uma coisa que sobressai nessa banda, mas nessa banda sobressai tudo. Com vários songwriters de excepção, os New Pornographers são uma overdose de pândega. Destroyer é, em disco, um showcase para as canções de Bejar e pouco mais. Há que dizer que estas canções são sempre excepcionais e cheias de personalidade. Em 2004 foi sozinho para estúdio e gravou um disco com uma guitarra e alguns teclados MIDI ou coisa-que-o-valha. O resultado foi uma coisa meio kitsch. Imaginem os Yes sem o virtuosismo e a faceta progressiva e com canções e voz mil vezes melhor. As canções, as canções são a chave dos Destroyer. Ao vivo Bejar toca com os Frog Eyes como banda de suporte e as canções ganham novos contornos totalmente demoníacos. É difícil reconhecer as canções perante o barulho e com Carey Mercer sempre a tentar roubar o espectáculo. Mas as canções continuam lá. Dan Bejar é dotado de uma expressão muito feia de se dizer que é "sensibilidade pop". As canções ficam no ouvido, e não só. Às vezes entram no coração.

Há outra razão para um gajo começar a escrever canções, aquela razão nobre e honrada e o caraças. É amar a música. Que treta pegada. Ninguém ama a música, porra. Aqui há uns tempos - quem é que estou a enganar? Foi esta semana... - fiz uma compilação chamada The Music Lovers, que tinha como tema central a canção de Destroyer, do disco Your Blues. Porque as canções de Destroyer ficam, e nos últimos tempos têm começado a bater cada e cada vez mais, o que faz com que seja algo difícil assistir à total deformação delas da parte dos Frog Eyes. A acalmia e qualquer faceta ortodoxa da música de Bejar vai com os porcos quando Mercer entra em cena. Se isso por um lado é mau, torna-se muito divertido de assistir.

Noite canadiana, ou dois terços canadiana na ZDB, para uma sala mais ou menos composta. Uma receita diabólica. As canções de Dan Bejar, que em disco são uma coisa completamente diferente, tornam-se demoníacas ao vivo. A culpa não é dele, a sério que não é. É de Carey Mercer. Carey Mercer é o Diabo. Carey Mercer é demente. Carey Mercer grunhe e faz "lalala" num jeito nada pop. Dan Bejar é, na sua essência, um escritor de canções pop (que expressão tão foleira, mas é). E nem mil Carey Mercers conseguem mudar isso. Apesar de os arranjos serem totalmente diferentes, as canções continuam lá, ainda estão vivas. Ganham uma nova vida, não necessariamente melhor nem pior, mas diferente. As canções de Dan Bejar existem e vivem dentro de todos nós.
· 17 Fev 2005 · 08:00 ·
Rodrigo Nogueira
rodrigo.nogueira@bodyspace.net
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