Kronos Quartet
Festival Músicas do Mundo, Sines
26 Jul 2002
Última noite do Festival Músicas do Mundo. O belíssimo castelo de Sines acolhe, na mais concorrida noite do evento, uma multidão heterogénea sedenta por movimento, eclectismo e diferença. Seria a noite dos veteranos Skatalites, do filho do mundo Kad Achouri e, antes, do Kronos Quartet. Calor, beleza natural, corpos, cheiro a hortelã e música do mundo pareciam ser ingredientes plenamente adequados a uma noite especial.

Designado no folheto que promovia o Festival – potencialmente o melhor em território nacional – como o quarteto de cordas mais célebre do mundo, o Kronos Quartet não deixou comprometer quem ousou afirmá-lo. Pelo contrário, sem necessariamente o querer comprovar, acabou por fazê-lo.

Apesar dos problemas técnicos e do pouco interesse demonstrado inicialmente por grande parcela do público, o Kronos Quartet foi paulatinamente conquistando uma plateia cada vez mais imensa que, sentada, se ia deleitando e abismando com tanto brilho e beleza ensaiados em palco. David Harrington (1.º violino), John Sherba (2º violino), Hank Dutt (viola) e Jennifer Culp (violoncelo) são peritos na transposição e transfiguração da música erudita para o palco e para um público que maioritariamente não é o seu, adoptando quase sempre uma atitude descontraída, comunicativa e informal, oposta à formatada pelos parâmetros do género, aspecto que terá beneficiado em muito o desenrolar da actuação.

«Nuevo», álbum lançado em 2001 e dedicado à música mexicana , foi o prato forte de um concerto que ganhou precisamente pela diversidade e postura assumidas. No entanto, engane-se quem pensa que o repertório se esgotou aqui. Para o fim, já em encore, o Kronos Quartet surpreendeu – mais uma vez - o público com uma fabulosa interpretação de «Flugufrelsarinn» dos Sigur Rós e com uma outra do hino nacional dos Estados Unidos – de onde, aliás, o quarteto é originário – numa versão ainda mais distorcida do que a experimentada por Jimi Hendrix no Woodstock, há trinta e quatro anos atrás. Hendrix voltou a ser mencionado pelo porta-voz do quarteto como um dos grandes senhores da música contemporânea, sendo mesmo colocado lado a lado dos clássicos. Os níveis de distorção (o)usados não enganam. Os ataques violentos às cordas neste tema falam por si. O Kronos Quartet revela-se discordante com a política de George W. Bush. A música instrumental pode ter implícita uma mensagem numa voz, concluímos.

No final, e depois de um segundo encore, os músicos do Kronos Quartet despedir-se-iam depois de terem embriagado o castelo de Sines e os em si enclausurados seres com composições belíssimas, intensas que passearam meio mundo em pouco mais do que uma hora.
· 26 Jul 2002 · 08:00 ·
Tiago Carvalho
tcarvalho@esec.pt
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