HipnĂłtica
TertĂșlia Castelense, CastĂȘlo da Maia
02 Jul 2004

Nos inícios do século XX, eram habituais as famosas tertúlias que juntavam pessoas para o debate de ideias, convicções politicas, concertos e outras manifestações de arte. Os tempos da “Belle Époque” reuniram intelectuais, músicos, vários artistas e todas as pessoas ou grupos de amigos que desejassem discutir os temas mais importantes da sociedade da época. Nos dias de hoje, mais ou menos disfarçadas, as tertúlias continuam presentes aqui e ali, e na Maia, a Tertúlia Castelense é local apetecível para o efeito. Ambos os pisos estão decorados com peças antigas, objectos valiosos e verdadeiras relíquias – inclusive as cadeiras recuperadas do antigo café portuense "A Brasileira" – que conferem ao espaço verdadeira nostalgia, tornando-o numa espécie de bar-museu. De resto, a aposta numa programação cultural variada fazem com que a Tertúlia Castelense se tenha tornado local de culto para muita gente.

© Carlos Oliveira

Desta vez, essa programação cultural trazia os Hipnótica conduzidos por João Branco Kyron e teleguiados por Reconciliation, que aliás seria o prato para quase todo o concerto. Reconciliation mostra-nos uns Hipnótica mais maduros, mais personalizados. O facto de terem abraçado novas e ainda mais evidentes linguagens jazzísticas na sua música tornou o som dos Hipnótica mais humano, mais quente. Antes e durante as gravações de Reconciliation, os Hipnótica pescaram discos de Miles Davis, Herbie Hancock, Archie Shepp, entre outros, e isso é ainda mais nítido em concerto: o saxofone solto, livre, a bateria esparsa, derramada lentamente por António Watts, o baixo ou o contrabaixo saltitante nas mãos de Sergue, o piano Fender Rhodes quente de Bernard Sushi e a voz de João Branco. E depois a harpa que complementa e faz espantar, ou que finaliza uma das canções de forma perfeita e etérea. A química dos Hipnótica é inegável e notória em todas as canções.

De Reconciliation os Hipnótica apresentariam canções como “Soulrise”, “Noboiushi's Private Paradise”, “Apart From La Folie Ordinaire” e “Beatness”. De Enter, “Reopen The Door” que, segundo João Branco, é a única canção de outros tempos que os Hipnótica ainda apresentam ao vivo. Para surpresa de alguns, apresentariam também uma fantástica versão de “Rabbit in Your Headlights”, um original dos UNKLE. Terminaram com “Morocco” e “Voyage To Innerself”, também incluídas em Reconciliation. A certa altura, durante o concerto, João Branco falou da “reaproximação à essência” e no fim isso parecia muito óbvio. A reconciliação tem segredos que mesmo a música desconhece.

· 02 Jul 2004 · 08:00 ·
André Gomes
andregomes@bodyspace.net
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