Go-Betweens
Paradise Garage
19 Mai 2003
O receio de assistir a um concerto de Go-Betweens só poderá ser explicado pela aversão – inata ao gene humano – que temos da queda perante nossos próprios olhos, daqueles, que por um dia entraram na nossa vida e nunca mais a deixaram de habitar. Trata-se de uma comunhão semeada por um punhado de registos acariciados pelos ventos de uma honestidade desmedida, de talento imensurável, de uma medida de romantismo exacerbado e outra de mordaz cinismo (Dylan, de quem são óbvios discípulos, patenteou o modelo) que no seu compêndio resulta num mergulho às profundezas do ser. Poucos foram os que tão bem cantaram (cantam): o amor, a perda, a solidão e a redenção pintando aguarelas sobre decalques da existência humana.

A história, através de vários registos orais e escritos, apontava para os Go-Betweens como sendo uma das piores bandas de sempre ao vivo. Quem viu a entrada da Robert Forster em palco pode ter receado o pior, coxeava (ao longo da noite provou-se que fingiria), foi necessário um pedido de ajustamento de iluminação e dois falsos start-ups para arrancar com a Make Her Day do novo álbum “Bright Yellow Bright Orange”, seguindo-se a fabulosa Poison in the Walls (um dos melhores registos do belíssimo novo álbum), provando que não se tratava um simples passeio a uma das suas capitais preferidas (nas palavras de Grant McLennan).

O momento era já mágico, confirmava-o a letra de Magic in Here : I don’t want to change a thing when there’s magic / In here, now the coast is clear / I got no time to fear e as sucessivas incursões aos dois últimos álbuns – durante um largo período de tempo as duas únicas excepções terão sido Streets of Your Town e Dive For Your Memory - que faziam as delícias de um público que misturava fãs com comedidos curiosos abismados com tamanho espectáculo. Too Much of One Thing foi momento alto da noite (um dos muitos), em diálogo perfeito, Robert Forster e Grant McLennan, roçavam a perfeição e letras como There are those that despise me / Lead me round on a ring / But I’ve always been a target faziam parar o tempo. Os momentos mágicos sucediam-se quase que ininterruptamente com pérolas como Bye Bye Pride, Caroline and I , Love is a Sign - com Robert Forster dylanesco quanto baste.

Em quatro encores houve ainda tempo para: Head Full of Steam – único tema tocado da obra-prima “Liberty Belle and the Black Diamond Express”, He Lives My Life, a fantástica Love Goes On , que diga-se, que de tamanha entrega por Grant McLennan, levou a sala ao rubro. Mas o melhor ainda estaria para vir: uma versão da The House that Jack Kerouac Built de sete minutos em que Robert Forster como que se possuído por Ian Curtis, David Byrne e John Cleese dançou freneticamente arrastando os presentes ao absoluto delírio. Pura magia. O concerto encerraria com Lee Remick. Num concerto que roçou a perfeição seria demais pedir Cattle and Cane, Bachelor Kisses ou Apology Accepted ?

Momentos como o de este concerto jamais se esquecem. Os Go-Betweens não merecem ser tratados como uma banda fundo de catálogo dos anos oitenta. Estão vivos e melhores que nunca e sempre a tempo de serem (re)descobertos.
· 19 Mai 2003 · 08:00 ·
Nuno Pereira

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