Damo Suzuki / CAVEIRA
Galeria Zé dos Bois, Lisboa
20 Jan 2006
O que se poderia esperar de um concerto Damo Suzuki + CAVEIRA? Por um lado, havia a carga nostálgica de reencontrar aquele que foi vocalista dos Can, o genial grupo por quem nos enamoramos quando um amigo nos emprestou há muitos anos uma cassete manhosa. O tempo dos Can já lá vai e actualmente Damo Suzuki corre o mundo numa contínua digressão, actuando como vocalista improvisador, recrutando músicos locais para seus acompanhantes de palco (sound carriers). A prestação estaria em muito dependente da eficiência do suporte e para apoiar o vocalista japonês os CAVEIRA eram uma aposta imprevisível. Trio free rock lisboeta, duas guitarras em distorção e uma bateria fortíssima, já se sabia que eram capazes de provocar incêndios em palco – “parecia o fim do mundo!”, comentou uma alma incauta aquando da sua actuação na primeira parte de Devendra Banhart. A dúvida crescia: resultaria o encontro? Uma única certeza: levar tampões para os ouvidos, não fosse o volume de ruído aumentar demasiado.

Damo entrou a debitar as suas frases num inglês dificilmente perceptível e o trio começou com o seu som habitual. Numa situação de reverência pouco usual, a banda travou para dar espaço ao cabeça de cartaz. Estávamos no início e todos procuravam o melhor entendimento, ainda sem o conseguir plenamente. Ao longo do concerto o envolvimento dos músicos foi crescendo e a unidade foi sendo assimilada. Das guitarras de Pedro Gomes e Rita Vozone eram expelidas ondas sónicas a arder. Joaquim Albergaria marcava o ritmo, escandalosamente trepidante. A música crescia em força, o headbanging tornava-se obrigatório.

Depois de uma primeira hora de acertos, os ouvidos tiveram direito a um curto intervalo para descanso. Na segunda parte, já com a máquina engendrada, a Galeria Zé dos Bois assistiu a um espectáculo fabuloso. A intensidade crescente continuava a ser alimentada pela bateria - o vocalista dos Vicious 5, aqui baterista, foi o principal propulsor da noite. Com as guitarras aliadas num jogo de devastação sonora, chegou-se a um pico de demoníaca ferocidade eléctrica. CAVEIRA dominava e os círculos da voz de Damo Suzuki já pouco acrescentavam ao ruído insolente que conquistava a audiência pela fisicalidade espásmica.

Numa análise estatística final, a responsabilidade terá sido qualquer coisa como 70% para CAVEIRA, sobrando 30% para o vocalista. Apesar do desequilíbrio das partes, o resultado global foi formidável: enérgico, vibrante, poderosíssimo. A abrir 2006, a Zé dos Bois apresentou um concerto de noise fora de órbita, que entusiasmou o público e por certo figurará em muitas listas dos melhores momentos do ano.
· 20 Jan 2006 · 08:00 ·
Nuno Catarino
nunocatarino@gmail.com
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