Arcade Fire
Campo Pequeno, Lisboa
23- Abr 2018
Quando se fala de grandes concertos em solo nacional nos últimos anos, a pergunta onde estavas tu em 2005? acaba quase sempre por surgir. A questão, alusão inequívoca à estreia em Portugal dos Arcade Fire em Paredes de Coura, tornou-se numa espécie de Lei de Godwin para os melómanos do nosso país, e reflecte bem como esse dito espectáculo se tornou num daqueles momentos que marcou uma geração de forma indelével.

Foi também o “momento 0” do amor que une a banda ao público nacional. Para muitos, foi o primeiro contacto com as canções de Funeral, lançado um ano antes. Para outros, foi a confirmação das suspeitas que se geraram no momento em que ouviram a “Wake Up” e viram ali o potencial para algo maior que a vida. E para aqueles que, como nós, não tiveram a sorte de experienciar esse momento in loco, foi uma fábula, um conto épico, um Woodstock nacional que teríamos dado tudo para viver.

Um trágico cancelamento (cortesia de Obama e da NATO) e quatro concertos aconteceram entretanto, que serviram para reafirmar os votos de matrimónio entre os canadianos e o povo português. Ainda assim, apesar de todos terem tido algum grau de sucesso e magia, ficaram sempre aquém desse primeiro beijo, dessa primeira centelha de paixão que surgiu no Couraíso. Por isso mesmo, pelo facto de cá virem num formato 360º tantas vezes tentado e falhado e de se estrearem em nome próprio na capital com Everything Now, quinto e menos conseguido disco da banda até à data, uma pergunta formou-se nas nossas cabeças cínicas nos dias que antecederam o concerto no Campo Pequeno: quem é que ainda espera um GRANDE concerto de Arcade Fire em 2018?

Muita gente, aparentemente, a julgar pela rapidez com que os bilhetes esgotaram, pelas enormes filas para entrar no recinto e pela excitação que se sentia no ar à medida que as pessoas iam ocupando os seus lugares. E a verdade é que, depois das duas horas e pouco de espectáculo, até os mais cépticos, como nós e como o mongo ao nosso lado (que durante a abertura a meio-gás a cargo dos Preservation Hall Jazz Band esteve mais interessado no relato do jogo do FC Porto do que naquilo que se ia passando em palco), tiveram de dar a mão à palmatória: foi um daqueles concertos.

E não foram precisas mais que duas canções para nos rendermos às evidências; “Everything Now” e “Rebellion (Lies)” abriram as hostilidades sem dó nem piedade e mostraram-nos que, apesar de todas as (justificadas) reservas com o mais recente LP do grupo, o presente e o passado dos Arcade Fire conseguem conviver na perfeição em palco, ou não fosse a trupe de Win Butler, Régine Chassagne e companhia uma das mais belas e mais bem oleadas máquinas de festão indie que a última década e pouco viu surgir.

A partir daí, houve licença para tudo e poucos foram os trunfos que ficaram guardados neste concerto em modo best-of. Tivemos “Haiti” para nos pôr a tremer das pernas, “No Cars Go” e “Ready to Start” para mandar a casa abaixo, três das “Neighborhoods” (“7 Kettles”, “Laika” e “Tunnels”) tocadas de seguida assim como quem não quer a coisa, “Electric Blue” para o já referido mongo gritar SOMOS PORTO! , “Reflektor” para nos lembrar da omnipresença de Bowie (e para nos dar o maior arrepio na espinha da noite, aquando do aparecimento de imagens do ícone nos ecrãs), “Afterlife” logo a seguir para nos fazer acreditar por momentos que do outro lado talvez esteja um lugar melhor e a “Neighborhood” que faltava, “Power Out”, para encerrar o corpo principal do alinhamento num estrondo.

E depois dum tour de force de 18 canções, repleto de momentos mágicos capazes de justificar por si só o valor dos ingressos e acompanhado por um público absolutamente irrepreensível de início ao fim, o que é que faltava para colocar esta missa dos Arcade Fire no panteão dos grandes concertos de 2018? Faltava, obviamente, aquela canção, aquele hino, aquele monumento pop que fez desta banda a nossa banda, a banda que canta as nossas vidas: “Wake Up”, tocada em conjunto com a Preservation Hall Jazz Band no final dum encore que contou também com “We Don’t Deserve Love” e “Everything Now (continued)”, para nos mandar para casa com o lenço na mão para limpar as lágrimas matreiras, aquele coro bem vivo nas nossas gargantas e a certeza de que daqui a uns anos, quando a conversa sobre grandes concertos surgir, haverá alguém a contrapor à pergunta com que começámos este texto com e onde é que estavas TU em 2018?
· 01 Mai 2018 · 23:11 ·
João Morais
joao.mvds.morais@outlook.com
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