Reverence Santarém 2017
Santarém
8-9 Set 2017
Dia Um

De cara lavada e nova localização, o Reverence lançou-se para a sua quarta edição com a ambição, presume-se, de fazer melhor do que nos anos anteriores. O cartaz, polvilhado com algumas bandas de culto e de interesse e outras tantas repescadas à cena musical portuguesa, não pareceu despoletar nos festivaleiros a vontade de se deslocarem até Santarém - que, valha a verdade, é muito mais passível de ser encontrada no GPS do que o era Valada do Ribatejo. Mas talvez fosse isso, também, que lhe conferisse uma aura de festival: o partir à aventura, o conhecer nomes novos que podem, ou não, ficar connosco para sempre, o passar fome e frio numa tenda mal montada e escura (de noite) e estupidamente bafejada pelo sol (de dia). Valada tinha algum encanto, o mesmo que Santarém tentará ter a partir de agora.

Isto se o festival voltar a acontecer para o ano, já que a edição de 2017 deixou um amargo de boca e um mau presságio para o futuro. Filas de meia hora para levantar um pouco cobiçado bilhete e/ou pulseira; pedras no caminho, quiçá as mesmas com as quais um tal Pessoa construiria o castelo de Santarém, a visão mais imponente que se teve a partir do Parque da Ribeira; uma gritante falta de espaços onde simplesmente sentar e sentir, e até mesmo de espaços onde o silêncio pudesse imperar depois de horas e horas a levar com ruído; problemas diversos com o som nos dois palcos, e atrasos nos concertos devido a soundchecks que deveriam ter acontecido com mais tempo; a única cerveja disponível ser Sagres; e, pior do que isso, o muito pouco público que se fez notar. Et caetera, et caetera...

Deu pena ver um festival que se poderia transformar numa referência autodestruir-se desta forma. Poucas coisas boas sobraram deste Reverence; o convívio foi uma delas, a sandes de picanha foi outra, e aqui e ali assistiram-se, pese embora tudo o resto, a bons concertos. Como o de Gossamers, nome com o qual Ângelo Tibério de Carvalho, também conhecido como o gajo que fica na bilheteira durante concertos organizados pela Amplificasom, tem feito uma música que caminha pelo universo do noise e da electrónica, procurando apontar a uma certa e determinada ego death que muitas vezes só ocorre com o consumo desenfreado de drogas. Ao longo de vinte escassos minutos, deixou antever coisas boas para o que aí vem. Presume-se que um EP ou um disco e não uma qualquer malha solta no Soundcloud. Mau, só foi não ter tocado Swans.

Os Desert Mountain Tribe também não o fizeram. Mas tocaram krautrock, ou canções influenciadas pelo krautrock, a batida metronómica que conhecemos de dezenas de bandas e as guitarras rangendo num colorido psych a ditarem as suas regras. Há um riff que, nota por nota, soou à "Electricity" dos Spiritualized - e só o facto de fazerem lembrar Deus Pierce já é motivo suficiente para que se possa escrever que o concerto foi agradável. Mesmo que tenham tido, a assisti-los, uma quantidade ínfima de pessoas. Tantas quantas Tren Go! Sound System teve, ele que mais tarde estaria em palco com os 10 000 Russos (que tocaram a uma hora imprópria para quem ainda tinha de conduzir 50km para casa) e que apresentou temas construídos em torno de diversos loops, camadas de ruído e beats minimalistas, tudo oriundo de uma só guitarra. É mais impressionante ao vivo do que aquilo que parece. E soa melhor, também.

Um looooongo soundcheck atravessou-se no caminho dos Oathbreaker, que a par dos LÖBO tinham as t-shirts mais bonitas do festival, e que uma vez mais regressaram a Portugal para fazer tombar o mundo, ou algo perto disso; claro que, com tanto frio em redor, nem Rheia nos levou a ficar até ao fim de um concerto que contou com tudo aquilo de que gostamos nos belgas: a delicadeza de uma Björk que se transforma no sofrimento de um grito, culpa da inclassificável Caro Tanghe; um casamento fortuito entre melodia e violência, entre o pastoral e o citadino; a agressividade que dali brota e que faz com que a música parecesse estar em constante queda livre, mesmo nos seus momentos mais calmos. Mas, lá está, foi melhor ir num instante comprar um casaco à Modalfa local.

Dos Zarco, considerados pelas 6/7 pessoas com as quais falámos ao longo do dia como «a pior banda do festival inteiro», passa-se para os Amenra, que provavelmente foram a segunda pior - isto tendo em conta que não há a mínima pachorra para toda a trama eclesiástica com a qual o grupo se auto-define, esquecendo-se da velha e saborosa máxima de que as igrejas só nos iluminarão quando estiverem a arder. E sim, isso também é válido para a Church Of Ra. Que até conseguiu pôr dezenas de cabeças a pagar o seu dízimo, em uníssono. Só não conseguiu foi levar público suficiente até Santarém; apesar do muito merchandising deles que adornava os corpos presentes, quem ali estava para ver Amenra não enchia o Hard Club que eles encheram no Amplifest 2015. E isso é muito, muito grave.

Os Wildnorthe foram uma pequenina surpresa num mar sobretudo de peso. Apoiando-se no gótico e na batida dançante dos anos 80, que por vezes até roçava o militar, a dupla cativou o suficiente para que os queiramos ter em conta num futuro próximo, até porque somos, em poucas palavras e em angloparolês, suckers o suficiente pela darkwave. Onda negra, traduzido. À que se seguiu a onda dourada do azeite que jorra de toda a estrutura Moonspell, que nos dá as boas-vindas »à noite do lobo» e que depois se atira a Wolfheart, o seu primeiro álbum, que ao contrário do vinho do Porto só perdeu qualidades com a idade (ao contrário do ainda óptimo The Antidote). Foi com ele que se construiu a primeira parte de um concerto com duas, seguindo-se os temas de Irreligious, tendo a paciência da crew Bodyspace findado com o fogo em palco de "Opium", já depois de luzes verdes e vermelhas terem iluminado bem alto o Portugal orgulhoso de "Alma Mater", e levado uma mão-cheia de indivíduos para as grades, que provavelmente só conheciam esta do repertório. O que escreve sabia as letras todas e até isso é menos vergonhoso.
· 27 Set 2017 · 00:29 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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