Guns N´ Roses
Passeio Marítimo de Algés
02- Jun 2017
O caos chegou bem cedo ao Cais do Sodré, onde dezenas de pessoas se iam acotovelando para conseguir comprar um bilhete de ida e volta para Algés, de comboio. E foi-se espalhando pela cidade. Filas e filas intermináveis de trânsito com destino Passeio Marítimo, horas passadas sob o sol e a chapa quente. Muitos milhares de t-shirts escuras, lenços na cabeça e cartolas de papier mâché. Cerveja a escorrer, evidentemente, um brilhozinho nos olhos de quarentões e cinquentões que fizeram deste, muito provavelmente, o único espectáculo a que irão assistir este ano. Não era "a máquina" que estava de volta, conforme indicava o anúncio. Era 1992. Eram os Guns N' Roses, renascidos da insignificância após Axl Rose ter decidido fazer as pazes com Slash e Duff McKagan (mas não com os restantes) e voltado a pisar um palco como se fosse a primeira vez. Amadureceu, ganhou juízo. E com isso encheu de esperança todos aqueles que ainda suspiram por uma reunião dos Smiths...

Era então o regresso a Portugal dos Guns N' Roses, banda cuja mitologia é muito maior do que a música que fizeram, composta essencialmente por uma mão cheia de solos do seu guitarrista e por um ou outro verso mais pop. Para o mundo, foram exemplo de que ser-se feio, porco e mau não significa que não se possam fazer cançonetas de amor - olhem para "November Rain", por exemplo. Mas também ensinaram a dúzias e dúzias de palhaços que a ortodoxia é uma coisa boa, e que se não "souberes tocar" então não és rock n' roll, ou que se não fores "rock n' roll" não vales nada. É o género de tribalismos que nos faz correr a sete pés de bandas como os Guns, que no fundo até não terão assim grande culpa da maioria dos seus fãs ser imbecil. Mesmo que, durante esta tarde-noite de sol, a imbecilidade tenha ficado mais ou menos em casa.

Sol esse que ainda banhava Tyler Bryant, que como um espelho o devolveu em formato rock aos já muitos que se encontravam no recinto. Tal como havia sucedido na primeira parte dos AC/DC, um ano antes, o músico puxou como pôde aqueles que tinha à sua frente, que só o aplaudiram porque, bem, é um tipo que faz umas coisinhas com uma guitarra e tem ar de durão. Não sabe é fazer canções que nos deixem a cabeça a andar à roda, mas também não poderíamos pedir-lhe muito mais. Talvez pudéssemos pedir a Mark Lanegan, que surgiu em palco impecavelmente vestido de preto, que se mostrasse mais contente por ali estar - mas depois lembramo-nos de que ele ainda deve estar de luto pelo amigo Cornell, e então perdoamos-lhe a apatia. Deu para escutar "Beehive", tema presente no seu novo álbum, Gargoyle, que nos pareceu ser dedicada às drogas. Curiosamente, ao contrário daquilo que nos confidenciaram em relação a Alvalade 1992, houve poucas ali dentro. Sinal dos tempos...

A prova maior de que "a máquina" está de volta e de que é realmente uma máquina estará no escasso tempo que foi preciso esperar, até que Axl Rose se dignasse a aparecer em palco com a "sua" banda: meros dez minutos desde a hora marcada. O dinheiro - e não é pouco o que lhe têm pago por esta digressão - fala sempre mais alto que a personalidade... Mas o que é certo é que, durante quase três horas, o golpe de teatro resultou. A voz de Rose já não é a mesma - e isso havia sido provado quando aqui veio com os AC/DC -, ainda que nos registos mais agudos se tenha verificado que algo do passado por ali continua a morar. Slash e McKagan, as outras duas peças importantes da engrenagem, cumpriram o seu papel sem demasiados artifícios e, melhor ainda, sem parecer que ali estavam a fazer um frete. "It's So Easy" dá início às festividades, culminando com explosões e fogos, relembrando que, mais do que rock, um concerto de uma banda como os Guns N' Roses será sempre uma mega-produção visual e não meramente auditiva (o Salvador não teria gostado mesmo nada disso).

De êxito em êxito e com alguns buracos por tapar pelo meio (os temas de Chinese Democracy eram perfeitamente dispensáveis), os Guns foram levando a água ao seu moinho com a acelerada "Double Talkin' Jive" ou com a bem recebida "Coma", ainda que seja nas versões que se superam - o que nos leva a pensar se não seria melhor construir carreira apenas com base nisso... Não houve Misfits, mas houve a aceitável "Live And Let Die", única vez que os Wings não soaram execráveis, houve "New Rose" dos Damned e, claro, a homenagem sentida (?) a Cornell com a inclusão de "Black Hole Sun", a canção dos Soundgarden da qual todos se recordam, mesmo os que não viveram o grunge. De uma versão à guitarra do tema d'O Padrinho, Slash passa para "Sweet Child O' Mine", já com um público em franca ebulição, até chegar ao momento telemóveis-e-ou-isqueiros-no-ar de "November Rain". O final, com "Paradise City" (que só melhora quando chega ao momento quase thrash), colocou um ponto naquele que foi para milhares um revisitar saudável do antigamente e não apenas um momento mais de vergonha alheia, como tantas vezes acontece. Podemos não gostar ou nunca ter gostado dos Guns N' Roses, mas há que admitir que pelo menos sabem dar espectáculo.
· 06 Jun 2017 · 11:38 ·
Paulo Cecílio
pauloandrececilio@gmail.com

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